Kiko Dinucci, do punk ao samba

por alexandre matias

O artista revisa sua história, do rock dos anos 80 ao hardcore, passando pelo metal, rodas de samba, raves na periferia e clubes de choro

“Um touro amarrado querendo atacar o rock’n’roll”: a melhor definição para o violão de Kiko Dinucci é lembrada pelo próprio às gargalhadas, se referindo a um dos primeiros shows que fez ao lado de Juçara Marçal e Thiago França, antes mesmo de começarem a se apresentar como Metá Metá — antes até de começarem a gravar o disco de 2011 que os colocou no mapa.

Ela foi dita pelo músico e produtor Maurício Pereira (ex-Mulheres Negras e de respeitável carreira solo), em um dos shows que marcaram o início do trio, quando Kiko atingia a primeira maturidade de seu primeiro instrumento, o violão, que havia sido recuperado há menos de uma década, depois de anos trilhando os caminhos elétricos da guitarra, através do metal, do punk e do hardcore.

Este violão atinge sua segunda maturidade agora, no segundo disco solo de Kiko, o belo e brusco Rastilho, lançado de supetão no início deste 2020, quando ele recupera o instrumento que tinha deixado de lado após reencontrar a guitarra de uma forma mais madura no início da década. E da mesma forma que sintetizou seu apreço pela guitarra em seu primeiro disco solo em 2017, o agudo Cortes curtos, gravado com o baixista Marcelo Cabral e Sérgio Machado, que na época faziam parte do Metá Metá, o novo álbum faz as pazes com o instrumento que o consagrou para fora da bolha do Cecap, bairro modernista planejado em Guarulhos pelos arquitetos Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha e Fábio Penteado, onde Kiko cresceu.

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Num longo papo durante um café numa sexta-feira na Barra Funda, Kiko refaz sua história musical desde o primeiro instrumento musical, passando pelas fases elétricas e acústicas, dois batismos de fogo (um tocando “One” do Metallica e outro cantando “Se você jurar” de Ismael Silva), por diferentes bairros de São Paulo e até pela música eletrônica, provável novo caminho a ser explorado num futuro próximo. “O próximo disco da Juçara vai ser o meu tributo à Toco”, brinca, referindo-se à clássica casa de drum’n’bass da zona leste que frequentava no começo dos anos 90.

Trip. Conta sua relação com a música desde o início, como você começou a se interessar? 

Kiko Dinucci. Com seis anos, ganhei um violão do meu tio. Era o começo do rock nacional... Tinha um vizinho que se chamava Cazuza, que tinha a primeira banda do Cecap, Metro quadrado. Vi ele tocando aquele ré maior de "Envelheço na cidade" e eu não imaginava que era possível, que qualquer pessoa podia tocar música, aquilo me fascinou. Tentei fazer aula com um evangélico, mas foi tão horrível, que desisti do violão. Até começar a ouvir metal, quando voltei a tocar. Era muito solitário, passei muito tempo no quarto sozinho, cabeludo, comprando disco de metal. Comprava um disco por vez, gravava numa fita e depois vendia pra pegar outro, tipo locadora. Aí comecei a fazer amizade com os metaleiros do bairro. O Roger tinha uma guitarra e eu toquei "One" do Metallica, que tinha tirado no violão, e ele ficou impressionado. Ele armou um encontro com todos os metaleiros do bairro e me deram a guitarra pra tocar "One". 

Foi seu primeiro show. Foi. Um monte de gente em volta de mim, parecia um ringue de luta. Toquei a parte acústica e depois pisava no pedal na parte pesada, nunca tinha feito aquilo. Eu não cantava e os metaleiros ficavam cantando junto a letra. Foi a minha consagração. Mas logo cansei do metal, era muito estagnado.E nessa época tinha uns caras mais crossover, que curtiam punk também, o Vovô e o Tiãozinho, Tiãozinho que hoje é um cara bem foda, que trabalha com artes gráficas na Casa do Povo. Ele tinha fita pra caralho, foi a primeira vez que ouvi Stooges, Velvet Underground. E ele tinha um fanzine argentino que tinha Napalm Death, Sonic Youth, Minor Threat, comecei a pirar nessa estética punk. Tinha um punk de Guarulhos chamado Nenê Altro, que depois ficou conhecido como o cara do Dance of Days. Ele era molequinho, tava vestido de bruxa com o "A" de Anarquia, ele era anarcopunk. Aí nosso olhinho brilhou, era isso: anarquistas! Contra o mercado! Aí o Nenê começou a andar no Cecap e a gente começou uma cena hardcore: o Personal Choice, uma das primeiras bandas straight-edge, com xis na mão e tudo, e o Clear Heads. Esse rolê hardcore era foda, tinha reunião semanal sobre anarquismo, racismo, sexismo, homofobia... Eu fico me imaginando distribuindo fanzine no Cecap explicando o que era autogestão, segundo Bakunin, isso mudou minha cabeça.

O Cecap é central na sua formação. Cecap é muito importante. Minha família morava no Caxingui e, quando eu tinha uns três meses, meu pai conseguiu esse esquema de comprar um apartamento popular em Guarulhos. Não tinha nada, tinha cobra dentro dos apartamentos, bois passando. O rio Baquirivu-Guaçu, aquele riozinho que fica do lado da pista do aeroporto, que hoje é totalmente poluído e podre, era um rio grande. A gente ia nadar, pescar, a galera de biquíni e sunga... Era um lugar rural que no meio tinham uns prédios modernistas, uma pequena Brasília, no meio do mato. Isso pirou a cabeça das pessoas. Porque os apartamentos eram todos iguais, era uma experiência comunista, tudo igual. Foi minha primeira grande influência estética. A gente tava dentro de uma obra refinada. Era o meu planeta. Tinha um centro de saúde, uma escola e um centro comunitário, que chamavam de clube, porque tinha gramado, quadra e piscina. Nesse clube teve show de todo mundo, Alceu Valença, Luiz Gonzaga, Paralamas do Sucesso, todos de brega. Até Racionais fizeram dois shows lá. Em 87 eu fui num show que não me deixaram entrar, Inocentes e 365, teve quebra-quebra, esfaquearam um cara, baixou polícia, tiro pro alto. Os moradores de Guarulhos caçavam os punks como se fossem Gremlins. A polícia saiu prendendo os punks e soltando longe do bairro porque senão os moradores matavam os punks, feito zumbi. A gente odiava a geração anos 80 porque tinha muita gangue e eles não sabiam tocar, só brigavam.

Você já tinha bandas nessa época? Eu tinha umas cinco bandas: Personal Choice, Clear Heads, Electric Sickness, que era quase um Fugazi, uma de grindcore com o Nenê que se chamava Babyface e uma outra de grindcore em que eu toco na bateria, No Conformity. Quando a gente começou a ir pra zona sul que descobriu que o nosso mundo não era o Cecap. Eu comecei a sacar que o hardcore era o reacionário do punk e tava começando a ouvir Minutemen, Sonic Youth... E olha que louco, ao mesmo tempo, música eletrônica. Eu ia sozinho no Mundo Mix e ficava andando, sacando o movimento clubber. Eu fui no Hell's sozinho, molequinho ainda, e saquei que alguma coisa estava acontecendo, que não era rock e era subversivo. O movimento clubber era excludente: não gostavam de preto, não gostavam de povo. Aí quando eu fui na Toco e era o contrário, só periferia.

E a música brasileira? Música brasileira era música dos pais. Minha mãe tinha discos da Alcione, Wanderlea, Roberto Carlos pra caramba. Meu pai só ouvia música caipira. Eu ouvia os discos do Lamartine Babo e todo mundo começou a espalhar que eu tava louco. O povo falava que eu tava ouvindo som de tiozinho: "Kiko tá ouvindo Jorge Ben". Sempre nessas coletâneas da Abril: Gilberto Gil, Jovem Guarda, tinha um volume que era Tom Zé, Walter Smetak e Walter Franco, Assis Valente, Sinhô... E eu comecei a devorar os discos e as histórias. Aí quem eu fui recuperar? O violão. Tinha uns 16, 17 anos e já não era tão inocente, tinha vivido um turbilhão musical: rock, metal, punk, hardcore, pós-punk, música eletrônica e agora música brasileira. Nessa época eu entrei numa escola técnica municipal, Carlos de Campos. Eu queria fazer arte, queria estudar arte. Foi quando eu comecei a ouvir samba. Quase todo mundo da escola era de periferia, eu comecei a ir em todos os bailes de periferia: Cidade Tiradentes, Parque São Lucas, Fundão de Interlagos... A gente curtia encher a cara e ouvir samba - e voltei para o violão com tudo.

E como você sacou o samba de São Paulo? Na coleção da Abril tinha um disco que era metade Adoniran Barbosa e a outra metade Paulo Vanzolini. Enlouqueci, os caras fazem samba e são de São Paulo! E comecei a ir atrás disso. E foram caindo essas fichas: o Mutantes é de São Paulo, são os Beatles da Pompeia. E o Itamar Assumpção, que eu vi cantando no Serginho Groissman, e era muito derretido, meio Miles, meio Milton, aqueles óculos, as Orquídeas misturadas com o Isca de Polícia, cheio de wah-wah e aquele cara totalmente ereto e elegante, meio blasé, meio foda-se, cantando "Laranja madura" - que porra era aquela.  Um dia eu tava com um disco da Elizeth Cardoso, Zimbo Trio e Época de Ouro no ônibus e veio um tiozinho de boné, bem maloqueiro, branco, barba, cara de italiano, bonezinho, roupinha simples: "Ô moleque, vem cá!"  Fui e ele perguntou se eu tinha roubado o disco da minha mãe e eu disse que era meu. Ele disse que eu não escutava Elizeth Cardoso e eu disse que escutava e que gostava de samba. Ele começou a me testar, perguntando quem eu gostava e foi vendo que eu conhecia. Perguntou se eu frequentava alguma escola de samba. Quando eu disse não, falou que tinha um samba que rolava no clube da CMPC, na Armênia, no sábado, depois do futebol de várzea. Fui lá sozinho, só os caras do futebol, só preto, e foram pro fundão e começou a rolar um samba. O cara que tinha me chamado não tava, mas fui, pedi licença e fiquei. Aí chegou esse cara, que se chamava Wanderley Mazzucatto. O filho da puta era compositor, me reconheceu e me apresentou, dizendo que eu era o Kiko, da quebrada dele e ele canta samba - canta um aí Kiko! E alguém perguntou: qual tom? E eu falei: fá maior. E cantei Ismael Silva: "Se você jurar, que me tem amor, eu posso me regenerar". Sem tocar, só cantando. 

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E você era o único branco? Não, tinha outros: o Mazzucatto, o Douglas Germano, que na época era Cuca e já era um puta sambista e ficava ali, fumando cigarro e me medindo. Tinha o Paquera, que fundou o Samba da Vela. Todo mundo me medindo, quem é esse moleque. Fui jogado no meio de um monte de leão, se eu mandasse mal, tava fudido. Cantei Ismael, um olhou pra cara do outro, continuaram a cantar e falaram "fica aí, pega um tamborim". Só cobra criada. Achei a minha escola. Voltei, dessa vez com o violão, toquei de novo e comecei a encher a cara. O Mutirão do Samba acontecia de quinze em quinze dias e nessa época eu fui morar na Barra Funda, já tava nessas de ir pra sebo comprar discos de samba. Os caras metiam um partido alto, fá maior, e eu ia pegando, o cara falava "ô do violão, dá um ré menor aí!" e um cara começava a cantar uma música do Paulo César Pinheiro ou do João Nogueira que eu nunca tinha ouvido e eu pegando, no violão, achando que não ia conseguir, aí conseguia, descobria a estrutura da música. Aula de música mesmo!

E nessa época você já compunha? Já, o Douglas muito mais, já tinha samba-enredo na Águias de Ouro e sabia tudo de escola de samba, a batida do tarol de cada escola. Olha os caminhos, muito louco: o Douglas tocava num grupo de teatro e era no mesmo lugar de um terreiro do Pai Dessemi, aqui na Barão de Tatuí. Ele era diretor musical desse grupo e tava montando uma peça que chamava Zumbi, meio inspirada no Arena Canta Zumbi, do Augusto Boal. Ele perguntou se eu não queria tocar violão na peça e eu fui. Por causa dessa peça eu conheci o cara que fazia o Zumbi, o Ney Mesquita, e que tocava no Ó do Borogodó, um puta cantor, voz linda, todo mundo se apaixonava por ele e ele trincou na minha música. Ele falava pra eu encontrar com ele tal hora no metrô Sumaré, me pegava na mão e me levava na casa das pessoas pra elas me conhecerem. Ele me sentava e dizia pra eu tocar os meus sambas. Eu fazia uns sambas engraçados, tinha um samba que se chamava "Serve serve", que era sobre self-service, em que era um cara passava mal e os breques tinham um vômito, pra você ver que o punk já tava ali.

E isso você já tinha ido no Ó do Borogodó? Nunca tinha ido no Ó. Aí um dia ele me levou no show da Barca, pra me apresentar uma tal Juçara Marçal. Em 99, no lançamento do primeiro disco. E na hora da Juçara, que cantou "Patrão prenda seu gado", o Ney falou: "Presta atenção nessa mulher, ela não é só uma cantora, ela tem alguma coisa dentro dela!". E nessa época eu comecei a fazer o documentário Exu e eu me lasquei, fiquei um ano submerso no universo do candomblé e caí dentro do terreiro, virei filho de santo. Comecei a fazer as músicas de orixá, porque eu já tava nesse universo, saiu do meu controle, não tinha mais volta. Isso uniu com a Juçara, que na Barca, tinha uma ligação muito grande com um terreiro no Maranhão, o Fanti Ashanti. Só fui reencontrar a Juçara em 2004, depois que o Ney morreu. Eu comecei a tocar no Ó, a Juçara só entrou depois. Eu peguei a quarta-feira e comecei a elaborar o que virou o Bando Afromacarrônico.

E como o disco da Juçara virou o PadêA Juçara tava fazendo o disco dela e falou que não fazia sentido ser só dela, que eu tinha entrado no disco e dominado. Eu resisti, queria fazer só com o nome dela. Mas ela insistiu e tudo saiu na mesma época: primeiro o Padê, depois o Afromacarrônico e o Duo Moviola (dupla de Kiko e Douglas). 

E como o Thiago França entra nessa história? O Thiago fui gravar uma demo do Afromacarrônico quando ele tava gravando o disco de gafieira. Ele sacou que eu era do samba. Ele foi tocar no Ó e meteu um solo que as pessoas olhavam sem entender o que o Thiago tava fazendo. Eu vi a transformação do Thiago, foi muito lindo. Lembro que tinha acabado o Bando Afromacarrônico e começamos a tocar, eu, ele e o Serginho (Machado, baterista). E não era um show de canção, eu fazia uns temas instrumentais, passava pro Thiago e falava pros dois fritarem, enquanto eu ficava no groove. Aí o Thiago começou a mandar tons pra casa do caralho, foi muito bonito. Isso no fim vai dar no Metá Metá.

Tudo muito intenso. O hardcore eu vivi, o samba eu vivi, o candomblé eu vivi! Por isso que nesse disco novo eu cito as influências no release. O violão do Gil, do João Bosco. Eles mostraram que tinha um jeito de tocar violão que não era o violão de concerto. O que as pessoas estão tão encantadas com o Rastilho, que tem um violão assim, de vez, esses caras já fizeram.O violão do meu disco só fica no grave, os agudos são ataques rítmicos, mas é um disco de baixo: é rock, é baixo, James Brown, música africana e Michael Jackson.

Antes de ir pro Rastilho, queria que você falasse do Cortes curtos, que é o seu reencontro com a guitarra, depois de ter fundado o Metá Metá com o violão. Todas essas fases são reencontros com aquele cara de Guarulhos. Quando eu comecei a tocar violão e ouvir música brasileira foi um reencontro com a época em que eu ia assistir aos shows no centro comunitário do Cecap e ouvindo os discos do meu pai e da minha mãe. Quando eu ia pro punk, eu me reencontro com começar a aprender a tocar, os discos da minha irmã. Aí tem as rupturas, sai do punk e vai pro Nelson Cavaquinho que é mais punk que o próprio punk e aí fui pro candomblé, que é mais África que o samba. Porque eu comecei a ir pro terreiro pra pesquisar música, achava tudo muito cristão na escola de samba, achava que tinha alguma coisa escondida e eu queria saber, aí fui pra umbanda e depois pro candomblé. Aí eu saí na coletânea da revista +Soma e todo mundo me conheceu por causa disso. E todo mundo começou a ir no Ó nas quartas-feiras. Primeiro o Rodrigo Brandão, o Takara, o Thomas Rohrer. Aí o Brandão levou os caras da Nação Zumbi. Nessa época eu comecei a fazer o violão como se fosse um baixo, como se fosse um violão de sete cordas porque a gente não tinha baixo. O Dengue falou que eu tocava baixo e me falavam que eu era baixista frustrado. Depois que eu descobri que o Tom Zé, no Estudando o Samba, começava a fazer as músicas pelo baixo, o Itamar fazia as músicas pelo baixo e o Michael Jackson também.

E tem a tua origem de rock, não? Só que você transformava o riff de rock em linha de baixo. É isso. Que tem a ver com o groove, da música modal negra, e o baixo da música africana.

Que por sua vez tem a ver com a percussão. Sim, uma visão percussiva da música. Na hora que o James Brown põe uma guitarra fazendo um acorde base, outra fazendo uma frasesinha e depois um baixão, cada um fazendo um negócio mínimo que, quando engrena, parece um relógio, tudo funciona.

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E se você tira a melodia dessas partes, é como se fosse só percussão. É África pura. Engraçado que o Fela Kuti vê o James Brown fazendo isso e mistura como high-life, que eles fazem na Nigéria.

Mas como você volta pra guitarra?O Ganja (Daniel Ganjaman, produtor) me chamava pra tocar com o Instituto no Studio SP e eu ia com o violão, já que o Fernando Catatau tocava a guitarra. E eu lembro que quando criava umas frases no violão, via que o timbre do violão não dava conta. Foi no Sambanzo, do Thiago, que eu voltei pra guitarra. E eu botei umas guitarras imitando guitarra africana, meio carimbó. Lembro do Siba me falando aqueles elogios de pernambucano, dizendo que era uma guitarra da miséria, guitarrinha filha da puta. Do Sambanzo, fui pro Bahia fantástica, segundo disco do Rodrigo (Campos). Eu colocava as guitarras - só umas frasesinhas, uns ataques - e me liguei que não tinha que ficar com o violão, que tinha que fazer tudo, ser a bateria, o baixo, tudo. Percebi que era só colocar umas frasesinhas, aqui bato uma nota, aqui bato outra e a música ficava bonita, a música abria e no refrão eu pisava no pedal. Eu pirei, comecei a tocar guitarra. Quem me influenciou a colocar frases também foi a viola do Caçapa. E na hora de ir pro Metá Metá, lembro que quando a gente fez o Oyá eram só umas frasesinhas, eu fazia umas na guitarra, o Cabral outras no baixo, o Thiago fazia mais umas no sax. Tudo divididinho...

Quase pós-punk. É pós-punk. Aí rolou no Metal metal (segundo disco da banda) e eu resolvi experimentar no Passo Torto (grupo formado por Kiko, Rômulo Froes, Rodrigo Campos e Marcelo Cabral).

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E como isso chega no Cortes curtos?O Cortes curtos é meio um de volta para o futuro, como se o eu do futuro falasse pro eu do passado: "Continua fazendo essas loucuras, que deu certo, você sofreu sozinho, mas tô com você agora".

E tem esse mesmo de volta para o futuro no Rastilho, não? É! Quando eu tocava no Ó, o pessoal falava que o meu violão era de samba, mas tinha coisa de rock clássico. Lembro do Catatau, a primeira vez que toquei no Instituto, que falou que era rock: "Isso é Led Zeppelin, isso é Black Sabbath, não é samba não". O cara sacou. Onde o Rastilho encontra Cortes curtos: o Cortes curtos é um acerto de contas com a guitarra, tanto que eu começo a ter dificuldades de voltar a tocar guitarra depois, o Rastilho foi um jeito de revisitar o violão. 

Uma volta consciente ao violão. É, esse violão tem uma linguagem dele. Resolvi voltar pra ele, num ambiente dele, onde as vozes dão um suporte, funcionam em função do violão, pro violão. Tive um acidente de skate, em maio. Passei um mês no hospital, tomando rivotril e morfina, com uma cicatriz de dezesseis centímetros, vendo meu pé apodrecendo que nem as frutas da capa do disco, ficou preto, roxo, cinza, descascou... Eu li muito, vi muito filme, via três filmes por dia. Mas precisava da música. Não dava pra tocar guitarra, ligar os eletrônicos, puxar fio, botar mesa, pisar em pedal e o violão encaixava direitinho e eu ficava no sofá, fazendo umas músicas sem pé nem cabeça, só pra passar o tempo e não ficar louco. Depois que eu fui ver o que era, era flamenco, era afro, os tempos. Eu já tinha "Febre do rato", antes do acidente, aí fiz a base de violão pra acompanhar. Aí fui montando uma pastinha. Resgatei umas músicas antigas e fui enchendo, vinte músicas. Aí no estúdio gravei quatorze e tirei onze. E assim fiz este disco, um reencontro com vários Kikos, como o Cortes curtos, mas desta vez no violão.

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