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Alceu Valença exige respeito

por Camila Eiroa

Irreverente e bem humorado, Alceu Valença deu uma entrevista inusitada ao Trip TV e falou sobre poesia, cangaço, música, cultura brasileira e seu filme ’A Luneta do Tempo’

Há quinze anos, Alceu Valença começou a rabiscar alguns escritos no papel. Sem pretensão alguma, queria apenas retratar a realidade de sua infância em Pernambuco. O cangaço, o circo, a música cordelista, violeiros e sanfoneiros. "Não sabia se era um livro ou um romance. Foi um surto criativo e um regresso a São Bento do Una, onde cresci", conta. Em um encontro com o diretor Walter Carvalho, que na época trabalhava em Budapeste (2009), se deparou com a possibilidade de fazer daquele material um filme.

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A Luneta do Tempo é o primeiro longa-metragem do cantor e foi lançado em maio de 2016. A trama é fiel às lembranças que ele carrega da pequena cidade de 5 mil habitantes onde cresceu. Os circos mambembes que faziam pequenas temporadas passageiras dividem o enredo com a história de cangaceiros que pregavam a liberdade ao povo do sertão e não poupavam balas em conflitos com militares. As paisagens são de encher os olhos do espectador, que é envolvido pela trilha sonora e os diálogos em cordel. Ninguém é poupado da morte. Filme de faroeste ou musical? Talvez, nenhum dos dois.

“As pessoas têm que ter um estilo fundamentado dentro de sua própria cultura”

"Eu não queria que ficasse parecido com nada! É um musical, mas não um desses da Broadway", adverte Alceu. Foram muitos anos até que ele conseguisse colocar no cinema sua obra. A espera por patrocínio foi longa e nesse tempo resolveu comprar um livro de roteiro para estudar por conta própria. "Uma hora começaria, eu mesmo, a fazer o meu filme", diz. Nessa busca, o cantor se fez espectador assíduo de diversos títulos para entender como a gramática funcionava em cada um deles. Sua maior preocupação era a linguagem, tinha que ser simples e ao mesmo tempo impactante.

Embora já estivesse atuado em A noite do espantalho, dirigido por Sérgio Ricardo em 1974, Alceu sabia mesmo era de palco, não de cinema. Seu personagem no lançamento é um palhaço que aparece apenas no final da trama, em um momento crucial para entender a história. Ele confessa que descobriu a enorme dificuldade no processo de criação de um longa, principalmente em relação ao orçamento. Com alguns patrocínios e editais conquistados com muito suor, a gravação teve que ser interrompida na metade: o dinheiro havia acabado. O cantor resolveu colocar do seu bolso para finalizar o trabalho. "Dizem que eu sou louco, e sei que eu sou. Mas eu tenho metas. Tudo o que eu quero, realizo", afirma.

Ele confessa que compor músicas é bem diferente: "Música a gente faz sem pensar muito, né? Agora o diálogo entre os personagens é mais complicado". Mal teve sua estreia como diretor e produtor de cinema e Alceu já pensa em uma segunda produção. "Tenho certeza de que meu filme é uma obra. Foi gravado em película, porque era assim na época em que eu morava em São Bento. Mas, se eu quiser, faço um filme com o celular, tá?", comenta com a fala apressada.

“Eu não gosto de entretenimento, eu gosto de cultura. Entretenimento é dinheiro e mais nada”

Ele é inquieto, gosta de contar todas as histórias que o levaram a querer fazer A Luneta do tempo. "O cangaço era muito recorrente em casa quando eu tinha uns 4 ou 5 anos. Meu pai era promotor, trazia vários relatos. A gente ficava se questionando 'mas é bandido ou é herói?'. Cresci em torno dessa discussão", fala com propriedade, exaltando a importância deste grupo. "A estética, a música, os bordados, era tudo lindo. Eles viviam uma festa antes da morte, era sobrevivência. Entrou para o time, não tinha mais volta. Era um Estado dentro do Estado", completa.

Satisfeito com sua obra, o cantor faz questão de valorizar a cultura brasileira. "Eu não gosto de entretenimento, eu gosto de cultura. Entretenimento é dinheiro e mais nada. Sou pela arte", pontua. "No Brasil, temos complexo de vira lata. Dizem que tal cantora é a Madonna brasileira? Vá a merda! As pessoas têm que ter um estilo fundamentado dentro de sua própria cultura. Quando isso acontece, é incomparável. O meu estilo? são vários!"

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