Leony Pinheiro: o breaking na Olimpíada

por João de Mari

Considerado um dos nomes mais proeminentes do esporte no país, b-boy paraense é promessa de medalha para o Brasil na estreia do breaking nos Jogos de Paris: ”Vamos mostrar que não somos marginais”

Quando viu um cara levantar sem nenhum arranhão depois girar de cabeça para baixo durante uns cinco minutos na praça de São Braz, em Belém (PA), Felipe “nanico” de imediato correu até o bairro 40 horas, na cidade vizinha de Ananindeua, para contar o que acabara de acontecer ao seu primo. O ano era 2008 e o reparador de bicicletas Leony Pinheiro, então com 12 anos, ouviu a história boquiaberto. Ele, que na época praticava karatê e futebol como hobby, nunca havia visto nada parecido — e nem o seu primo. “Eu indaguei: ‘como ele fez isso?’ E ninguém soube responder”, conta.

Na semana seguinte, os dois voltaram à praça para conferir se aquilo era mesmo real. Chegando no local, Leony se deparou com umas 150 pessoas reunidas, umas dançando, outras ensaiando movimentos, e logo quis saber do que se tratava. “Perguntei para um deles e a resposta foi: ‘isso aqui é hip hop’”. O jovem “meio louquinho”, como ele se define, pediu, então, para que o dançarino (b-boy, para ser mais específico) ensinasse alguns passos. “Eu já peguei os movimentos na mesma hora. O cara ficou impressionado pela facilidade. Aí já viu, né? Já estava completamente apaixonado e decidi que era isso que eu faria a partir daquele momento.” 

Foi assim que o adolescente paraense que passava o dia na rua jogando bola e topando qualquer aventura conheceu o breaking, um estilo de dança de rua criado na década de 1970, nos Estados Unidos, por comunidades negras e latino-americanas, e um dos pilares da cultura hip hop — ao lado do rap, DJ e do grafite. Hoje, aos 26 anos, ele é considerado um dos nomes mais importantes do esporte no país. Tetracampeão do Red Bull BC One Brazil, o b-boy tem sólidas chances de conquistar uma medalha para o Brasil na estreia do breaking na próxima Olimpíada, em 2024, que acontecerá em Paris, na França. 

E se alguém o vir com fones de ouvido por lá, pode ter certeza: vai ter um brega tocando. Apesar de o rap ser um dos estilos musicais mais presentes no breaking, ele faz questão de ouvir o som da sua terra, porque, além de “relaxar”, é uma das formas de carregar sua cultura pelo mundo inteiro: “Não pode faltar o brega, chamo de parte espiritual. E eu sou paraense, né meu mano. Gosto da Gaby Amarantos".

Leony conversou com a Trip no Mirante do Arvrão, localizado no topo da favela do Vidigal, enquanto estava no Rio de Janeiro para disputar um campeonato ao lado de outros grandes nomes do esporte, como o francês Lilou, o holandês Lee-Lou e a japonesa Ami. Antes de se sentar à mesa, ele fez um ensaio fotográfico, onde deu pulos e piruetas, impressionando a todos que, assim como ele fez um dia, olhavam boquiabertos para os seus movimentos.

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Trip. Você sempre foi do hip hop?

Leony Pinheiro. Cara, isso é muito louco. No meu bairro, tinha uma galera que escutava as mesmas músicas que estão tocando aqui [no alto do Mirante do Arvrão, os b-boys e b-girls colocaram para tocar uma playlist com músicas de rap internacional dos anos 2000, como 50 Cent, Snoop Dogg e Chris Brown], e eu sempre via essa galera reunida. Hoje, me tornei dessa equipe. A gente sempre se encontra para ouvir uns raps dos anos 2000. 

O breaking e o rap são elementos do hip hop… Eu não tinha nem ideia, essa galera cantando em inglês, era meio “que porra é essa?”. É um rolê total de informação porque quando comecei a entender mais sobre o tema eu percebi que o hip hop já fazia parte da minha vida, mas eu ainda não havia sacado. Pensei: “era para ser mesmo”. Quando falei para a minha mãe que ia largar o karatê porque queria dançar, ela estranhou. Ela juntava dinheiro para conseguir pagar as aulas e na época tinha muito preconceito. Para a minha mãe, o karatê me levaria para diversos eventos, campeonatos e até para a Olimpíada. Mas eu insisti: queria a dança. A verdade é que, assim como o breaking no começo, o karatê era hobby também, algo para entreter a minha mente.

O hip hop é um movimento de rua que sempre foi muito criminalizado. Qual é a importância de o breaking, um dos pilares do movimento, chegar à Olimpíada? Foi uma das melhores coisas que aconteceram com o esporte — e até com a cultura hip hop — nos últimos anos. O breaking precisava dar esse up. O rap, por exemplo, já está no mainstream há muitos anos. Por mais que ainda tenha uma criminalização, muita gente escuta, toca na rádio. Mas quando você vê muita gente dançando na rua ou no metrô, as pessoas chamam de vagabundo, os guardinhas do metrô batem nos meninos.... Então, o breaking na Olimpíada é uma forma importante para conscientizar. Começamos a entrar em espaços em que antes era muito difícil. E esse espaço é um jeito de falar que não somos marginais, não é nada disso. Muitas vezes estamos ali só para se divertir e tem quem também leva o breaking como o seu ganha-pão, como é meu caso. 

O breaking como esporte mostra a importância histórica do movimento? O breaking já vem provando seu valor há muito tempo. Espero que com esse espaço as pessoas parem de ter pensamentos preconceituosos sobre a cultura hip hop, sobre as b-girls e b-boys. Eu já escutei coisas absurdas, comentários sobre minha roupa, meu tênis... Geralmente nossa camiseta fica suja nas costas, porque a gente se joga no chão, porque é o treino. Como muitos não têm um espaço adequado para treinar, fazemos isso em chão de escola, na rua, que não é o chão adequado. Ninguém tem dinheiro para comprar um tênis por mês, então vai ficar rasgado mesmo, vai ficar surrado. Todos carregam seus sonhos, sabe? É muito importante mostrar o lado humano, que são pessoas em busca de seus sonhos.

E quando o breaking deixou de ser hobby para você? Quando comecei a dançar, mais ou menos em 2010, entrei em uma escolinha de breaking com o projeto Curumin, onde hoje dou aulas de graça para crianças. Me meti de cabeça nesse projeto, comprei tênis, troquei de escola. Eu estudava à tarde no primeiro ano do ensino médio, mas o treino era no mesmo horário. Troquei de escola, tive que ir para outra cidade, fui estudar em Belém [Leony cresceu na cidade de Ananindeua, a cerca de 25 quilômetros de Belém]. Acordava às 4h para chegar na escola às 7h e já ficava direto para treinar. Quando foi 2011, aos 15 anos eu fui escolhido para ir a um evento com minha crew em Campinas, no interior de São Paulo. Foi a minha primeira viagem. Vencemos esse evento e ganhamos passagens para ir para a França para um evento que eu assistia todos os dias por DVD, o "Battle Of The Year", tradicional e referência no esporte. Com 15 anos, era muito moleque, vi pela primeira vez o Lilou, o Pelezinho, que eu só via no DVD [nesse momento, o b-boy francês Lilou, que perambulava pelo local, ouviu seu nome e lançou um sorriso pra reportagem da Trip]. Quando vi esses caras e toda a estrutura que já tinha fora do Brasil caiu a ficha de que eu poderia sobreviver disso, que seria meu trabalho. 

Mas você não trabalhou com outras coisas? Opa, mesmo depois de definir que o breaking seria minha profissão. Você sabe como é o Brasil, né? Falta de apoio e incentivo, o bagulho é louco por aqui. Antes de começar com o breaking eu trabalhava reparando bicicleta em frente às farmácias, era muito comum onde eu morava. Trampei de vendedor de loja, de camelô na feira, vendendo roupa, já fui ajudante de pedreiro. 

E o breaking hoje te sustenta? Foi só em 2016 que eu não precisei mais fazer outros corres para sobreviver. Minha vida, tudo que comprei e conquistei, foi dançando breaking. O breaking é o hobby que virou meu trabalho. Tenho sorte de ter o que me faz bem na vida como o meu trabalho. Se eu não ganhasse dinheiro com isso, eu estaria dançando breaking da mesma maneira. Faço porque eu amo. Se eu tivesse seguido a carreira de publicitário, como eu queria, ainda arrumaria um tempo pra dançar breaking. Não fiz faculdade, mas planejo começar em breve, porque ainda tenho curiosidade de conhecer esse curso. 

O que você diria para quem quer começar o breaking? Primeiro tem que se divertir. Eu achava aquilo muito divertido e depois que me apaixonei. Mas era muito mais uma parada na zoeira. Não julguem a parte apenas do esporte, porque o breaking não deixou de ser cultural, vai morrer sendo hip hop. A gente fala dos Jogos Olímpicos, mas tem que conhecer a parte cultural. Se você gostar do hip hop, você vai gostar do breaking. Me apaixonei pelo breaking, daí fui me apaixonar pelo rap, porque não conhecia tanto, mas sabia que já fazia parte de mim. Também fui entender o que era o grafite, o DJ. Me identifiquei com o breaking, mas talvez quem conheça o hip hop explore as outras áreas, porque é um mundo maravilhoso.

Você tem algum ritual antes de se apresentar? Geralmente você vai me ver com o fone de ouvido, escutando um brega, um tecno melody, um reggae, um piseiro. Gosto de me desligar, ficar relaxado. Tanto que nos meus treinos eu fico ouvindo reggae.

Dá para dançar breaking no reggae? Meu irmão, a gente dá um jeito! Mas é muito mais sobre sentir a mente em sintonia com seu corpo, sentir que estou bem com meus movimentos. Eu chamo de parte espiritual. Então, quando me vir com fones de ouvido na Olimpíada, pode ter certeza que vai ter um brega tocando.

E quem você gosta de ouvir? Gosto dos sons antigos da Gaby Amarantos, na época do tecno show. Não pode faltar o brega. Sou paraense, né meu mano. 

Como é o seu treino? Meus treinos mudaram muito. No Pará, o chão da minha casa era de concreto, e aí tinha só um quadrado com o chão lisinho, que era onde dava para colocar as costas e não sair todo arranhado. Treinava lá, colocava meu celular, um Nokiazinho, e treinava umas bases. Antes eu também não ligava muito para o corpo, para a técnica tão apurada. Agora tenho fisioterapeuta, treino dia sim, dia não, faço treinamento funcional. Estou numa pegada muito mais atlética, cuidando da saúde corporal, porque as competições são muito desgastantes. Se tiver um chão adequado é bom, mas não é um fator essencial para praticar o esporte. Acho que essa identificação de “facilidade” para praticar vai ajudar muito a trazer mais pessoas para o breaking depois da Olimpíada.

E vem medalha para o Brasil? Com certeza. Tem 90% de chances, viu [risos].

Créditos

Imagem principal: Red Bull Content Pool / Divulgação

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