O cheiro colorido do som de Ana Frango Elétrico

por Nathalia Zaccaro

Revelação da cena musical em 2019, a carioca é homem, mulher, bicho, artista. Ela falou com a Tpm sobre música, gênero e amor

O universo de Ana Frango Elétrico é todo dela. Colorido, surreal, rebelde, belo e estranho. São os banheiros sem janela, as varandas que ninguém vai, as narinas que sangram chocolate, a jiboia que vai morrer no mar, o passeador de cachorros que parece o Lenny Kravitz, os caras que falam pra caralho, mas não picham igreja.

E cada vez mais gente tem se interessado pelas cores e cheiros do mundo da jovem cantora, compositora e instrumentista carioca, escolhida como artista revelação pelo prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte de 2019 (APCA) e indicada no Women's Music Event na categoria "Escuta as minas".

“Dá pra fazer tanta coisa com a palavra. Meu método para escrever letra vem da poesia, a sinestesia, a inversão da realidade, o inconsciente. Mas não tento fazer música louca. Eu tô querendo controlar um pouco isso, saber onde colocar. Mas é natural pra mim. Deve ter a ver com o ano em que eu nasci, 1997, sou millennial child”, conta. A liberdade com que artistas como Yoko Ono, David Bowie, Bjork e Ava Rocha construíram suas obras é inspiração para ela. 

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O lançamento de Mormaço queima, seu primeiro disco, em fevereiro de 2018, marcou uma virada de chave que transformou seus planos para si mesma. Até então, Ana queria ser pintora, fotógrafa, artista plástica. “Eu prestei vestibular para pintura. Não tinha o desejo de ser cantora ou compositora. Mas começaram a rolar os shows, uma coisa puxa a outra e percebi que a música me emociona, me proporciona encontros incríveis. Nessa época, mesmo que ainda com medo, decidi que era isso que eu queria pra mim e, desde então, estou nessa busca para profissionalizar cada vez mais o trabalho, fazer circular”, diz.

O codinome Ana Frango Elétrico é uma variação de seu sobrenome de origem russa, um tanto impronunciável. "Me irrita essa necessidade de falar o sobrenome dos homens das nossas famílias. Essa foi a maior razão para não usar sobrenome nenhum. Não adiantaria usar o do meio, porque ele também não é da minha mãe, não é da mãe dela. São questões patriarcais e de gênero. Meu heterônimo é uma liberdade. Eu me sinto um homem mulher, uma mulher homem. E cada vez mais homem", diz. 

Para ela, o lance é menos sobre se identificar como homem ou mulher e mais sobre  sua inquietude, sobre indefinições. "Estou sentindo e repensando muita coisa sobre gênero. E falando sobre isso durante o processo, sem nada estar resolvido. Tenho momentos de muita masculinidade. Sou apaixonada pelo filtro de barba do Instagram. Sempre tive esse desejo de ter bigode. Já botei barba e mexeu comigo. Me sinto inquieto. Gosto quando me chamam de gato e, às vezes, me incomodo quando falam que estou linda", reflete. 

Algumas de suas canções exibem seu jeito todo próprio de falar de amor. Como quando sente um peteleco gelado no bico do mamilo ao passar de metrô perto da casa de alguém ou pergunta se a crush não vai mesmo aproveitá-la, já que ela pode morrer cedo ou até se matar, ou ter uma taquicardia deitada no sofá. "Sou sagitariana, então sou bem específica com relação aos meus amores. É uma dificuldade pra mim conseguir falar de uma maneira menos louca, mas gostaria de botar meu sofrimento mais na mesa. Eu me entrego bastante e vivo paixões avassaladoras. As mulheres acabam comigo!" 

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Uma das músicas mais marcantes de Little Electric Chicken Heart, seu disco mais recente, lançado este ano (e pelo qual vem colhendo rasgados elogios, inclusive de importantes críticos internacionais, como o popular youtuber  Anthony Fantano, que soma mais de 2 milhões se seguidores em seu canal), é "Saudade". A faixa abre o álbum e apresenta o clima mais jazzístico que dá o tom do trabalho. "Eu morria de medo de cair na caixinha da 'nova MPB', então, no começo, dizia que meu som era bossa-pop-rock decadente com pinceladas de punk. Mas acho que está cada vez mais indo mesmo para um lado de balada e jazz", explica. 

A complexidade e qualidade dos arranjos de seus discos vêm de um longo caminho na música. Antes dos 10 anos, ela já estudava teoria musical e tocava piano. "Meus pais têm relações afetivas com música, mas não tocam nenhum instrumento. Desde pequena eles me incentivaram muito a tocar. Estudei, mas na época não gostava, era uma metodologia rigorosa, larguei o piano. Eu curtia pop rock adolescente, era fã da Hannah Montana", lembra.

Depois, outras mulheres foram ocupando o imaginário de Ana. "Curtia muito a Madonna, a Lady Gaga, Amy Winehouse também me marcou muito. Foi impactante perceber as possibilidades que elas tinham. Mulheres loucas e criativas", conta. Aos 16, ele já estava íntima do violão, compondo as próprias canções e desenvolvendo a ideia da Ana Frango Elétrico, seu próprio ser louco e criativo, homem, mulher, artista. "Acho que tenho uma irreverência quanto ao que se espera da mulher compositora e cantora. Acho que bato nisso de alguma forma, questionando as fórmulas." E tem dado certo demais. Para sacar melhor o mundo rebelde e afetuoso da cantora, pedimos pra ela preparar uma playlist com músicas que fazem parte de sua vida. Tem Erykah Badu, Bixiga 70 e Sade. Dá o play:

Créditos

Imagem principal: Hick Duarte / Divulgação

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