O agridoce de Melly

por Bruna Cambraia

Jovem, soteropolitana, independente e com um talento que já ganha o mundo, a cantora chega ao Grammy Latino com seu primeiro álbum de estúdio, Amaríssima

“Não se trata de correr perigo, tudo bem se apaixonar” é verso de uma canção que parece ser sobre alguém que não tem medo de amar e viver os (gostosos) clichês de um romance. “Me faz um bem danado te dizer bye, bye, bye” são palavras de outra música, que cantam sobre alguém que enxerga a vida a dois com pé no chão e desapego. Parece que os dois versos falam sobre pessoas diferentes, mas não. Eles falam sobre Melly, nova voz soteropolitana (nova mesmo, ela só tem 22 anos) que não só promete na música brasileira, mas já entrega. Entrega tanto que acaba de ser indicada à 25ª edição do Grammy Latino na categoria de “Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa” com essas e todas as outras composições de “Amaríssima” (2024), seu primeiro álbum de estúdio depois do EP de estreia “Azul” (2021). “Eu acredito na minha arte, mas uma coisa em que penso bastante é que ainda sou muito nova”, diz à Tpm. “Vi que estou na corrida junto de Iza, Jão, Os Garotin e Luísa Sonza, não é pouca coisa. Já estar nesse lugar é maravilhoso, mas ainda estou bem longe de onde quero chegar”.

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Dona de um estilo único, que mistura R&B, pop e elementos do pagode baiano, Melly registra no disco um lado seu que deixou de lado por muito tempo: o amargo. “Aceito muito fácil todo o amor platônico que tenho registrado em 'Azul', mas o amargor eu negava. Tive que entrar em contato com isso e, quando terminei de escrever o disco, não só aceitei esse lado como comecei a gostar dele”, conta a baiana, creditando o sabor e a inspiração para o novo trabalho aos processos complexos, mas necessários e inevitáveis, pelos quais tem passado. “Foi o amadurecimento de muitas coisas. Depois do primeiro EP, a música começou a virar trabalho. E na indústria, no mercado, a gente acaba tendo que enxergar as coisas de maneira adulta. E isso é o que aparece em ‘Amaríssima’”, diz.

Como foi receber a notícia do Grammy Latino?

Tpm. Fiquei atônita. Ainda estou me reconhecendo no lugar de artista e assimilando ter sido indicada logo no primeiro álbum. Eu acredito na minha arte, reconheço meu trabalho, mas uma coisa em que penso bastante é que eu ainda sou muito nova. Já estar nesse lugar é maravilhoso, mas ainda estou bem longe de onde quero chegar. 

O que diria a Melly que começou na música com 17 anos? Tenho certeza que ela ficaria orgulhosa. Quando a gente é mais jovem, a gente é mais confiante, né? Antes da transição da adolescência pra vida adulta, em que você começa a questionar e enfrentar os entendimentos do seu lugar no mundo, a gente é mais segura, acredita no que está fazendo. Acho que ela ficaria muito orgulhosa de mim.

Como você fez seu sucesso acontecer? Eu nunca busquei por isso. Pra minha geração, é muito natural usar as redes sociais. Eu comecei a fazer cover de músicas e postar porque queria me expressar. Sempre fui muito tímida, e a rede social é uma ferramenta que acaba fazendo o trabalho dela sozinha. Eu só postei. Compus “Azul” porque estava longe de Salvador e com saudade de casa. Acabei encontrando o trabalho do Manigga, produtor musical, e vi que o portfólio dele era muito parecido com o meu. Conversamos e fizemos tudo — sem divulgação, sem assessoria, sem nada — e deu em tudo isso aí.

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Você diz que compõe pra lidar com o que você sente. O que é tudo isso aí dentro? Qual emoção te motivou a começar a escrever? Eu enxergo palavra em tudo. Eu olho para as coisas e em tudo eu vejo uma estrela cadente. Tenho essa coisa de precisar transcrever o que essa estrela me faz sentir, colocar em palavras. Escrever sempre foi um jeito de me expressar. Antes de musicar minhas palavras, eu escrevia poemas. Antes de ser musicista, fui poeta. Acho que encontrei meu propósito cedo, espero estar certa. Todo mundo deve se sentir assim quando sente que está fazendo a coisa certa. O jornalista quando entrevista, o escritor quando publica um livro, e o artista quando faz música. 

Você apontou um amadurecimento entre o EP "Azul", de estreia, e o álbum "Amaríssima". O que mudou no seu jeito de fazer música? Acho que foi o amadurecimento de todos os processos. Depois de “Azul”, a música começou a virar trabalho. E na indústria, no mercado, a gente acaba tendo que enxergar as coisas de maneira adulta, principalmente pra passar por todos os processos. E isso é o que aparece em “Amaríssima”. Eu sou uma mulher romântica, canceriana. Um dos meus sonhos é casar e ter filhos, então eu amo escrever sobre amor. E meu amor sempre foi muito platônico. Se eu quero alguém, eu quero porque preciso e preciso agora. Cada escolha nos leva a uma linha do tempo, que pode ser mais rápida, mais lenta. Elas têm seu próprio ritmo. A minha é essa. Por conta do amadurecimento que tudo me trouxe, eu acessei um amargor que negava muito, não queria aceitar. Eu aceito todo esse amor platônico que registrei em “Azul”, mas o amargor, não. Tive que entrar em contato com isso e, quando terminei de escrever “Amaríssima”, não só aceitei o amargor como comecei a gostar dele.

Qual sua música preferida em Amaríssima e por quê? “Falar de amor” e “Um poema com minha letra (gaveta)”. Fiquei feliz demais quando consegui musicar esse poema.

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Na sua opinião, o que a representatividade baiana e jovem na música — agora crescendo ainda mais com artistas como você, Luedji Luana, Rachel Reis — representa? A falta de olhos para a música fora do eixo sudestino vem de um processo histórico mesmo. A gente acaba tendo que sair de onde a gente está pra ir pra onde a máquina funciona. Essa máquina é a indústria. Tem artistas que nem moram mais em Salvador porque estão atrás dessa visibilidade, mas muitos do Norte e Nordeste já projetaram a nossa arte pra todos os cantos. É o Tchan, Chico Science… Pabllo Vittar está aí, maranhense, quebrando tudo sem deixar as referências e as influências em sua música. Rachel Reis, pra mim, é o novo axé. Eu estou tentando levar um novo pop, meu R&B e a minha percussividade. A música baiana está forte, indo pra todos os lugares. O que a gente faz, uma música fora do eixo sudestino, é revolução. O que a gente cria marca nossa presença dentro do mercado e vai inspirando mais e mais artistas a continuarem ocupando espaços.

Quem é Melly? Com o que ela ainda sonha? Melly é essa jovem velha que acha que sabe de tudo, mas ainda não sabe de nada, e quer atropelar a alma e antecipar o tempo de tanto que quer saber mais. 

Créditos

Imagem principal: João Arraes (@joaoarraes) / Divulgação

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