Assumidos, pelados e livres

por Gregory Prudenciano

Quando nudes pipocam nas telas dos celulares, ensaios fotográficos de gente pelada servem para quê? Conheça o projeto Chicos e entenda por que existem nudes e nudes

"Desculpa se eu não sou o que você esperava. Mas eu te amo." Essa é a frase que encerra uma carta que o garoto Francisco Brandão escreveu aos 14 anos para sua mãe quando resolveu assumir sua homossexualidade. A carta está reproduzida no livro do projeto Chicos, dos mineiros Fábio Lamounier e Rodrigo Ladeira, que resolveram retratar garotos gays em ensaios nus. Nada de mero nude, o Chicos é resistência, confrontação e orgulho gay em doses cavalares.

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O Chicos surgiu em junho de 2015 como uma extensão do processo de descoberta da homossexualidade de Fábio e Rodrigo, amigos há mais de 10 anos. A experiência de dois amigos que se descobrem gays juntos fez com que o Chicos se tornasse não só um conjunto de fotos de garotos gays nus, mas um projeto no qual as histórias dos chicos retratados são tão importantes quanto as imagens de seus corpos. De fato, no Chicos, os próprios corpos contam suas histórias, uma vez que não há qualquer tipo de edição de imagem que tornem os corpos mais "padrão". "Queremos imagens genuínas e sinceras. O nu tem uma potência especial, são imagens bonitas e naturais. Já deixamos de levar adiante ensaios em que os garotos pediram para que as imagens fossem alteradas", diz Rodrigo.

Apesar de lançado há pouco tempo, o Chicos cresceu rápido. Os primeiros fotografados foram os amigos de Fábio e Rodrigo, mas logo foram surgindo interessados de várias partes do Brasil. Atualmente o projeto já tem mais de 130 ensaios. Juntos, os fotógrafos percorreram o país retratando chicos de São Paulo a Belém.

O livro foi financiado coletivamente pela internet mas também está disponível para compra aqui. A obra conta ainda com um editorial intitulado "Breve história sobre a imagem homoerótica", no qual os autores mencionam importantes nomes de fotógrafos que dedicaram sua arte para contestar o preconceito e dar visibilidade ao gay pride.

Segundo os fotógrafos, muitos chicos mudaram seus comportamentos a respeito dos próprios corpos depois das fotos. "Um dos garotos que fotografamos no Rio disse que depois de se ver nas imagens transou com a luz acesa pela primeira vez na vida. Ter orgulho do próprio corpo é libertador", comenta Rodrigo. Entre os testemunhos mais impactantes coletados durante os ensaios, Rodrigo lista um garoto espancado pelo próprio pai assim que se assumiu gay para a família. "Também há muitos relatos de abuso sexual na infância. Ficamos impressionados com a quantidade de casos relacionados", conclui.

Muitas das fotos foram feitas em locais públicos — que tiveram que ser invadidos para que os ensaios fossem feitos, os fotógrafos confessam —, o que poderia ter rendido algum problema com a polícia pelo despudoramento. No entanto, nada aconteceu. Mas houve aventura parecida: "Numa das sessões, um dos chicos, o João, apoiou-se no vão da janela, entre a Praça da República e o interior do apartamento — o que, além dos cliques, rendeu uma visita do Corpo de Bombeiros, acreditando tratar-se de uma tentativa de suicídio.", contam Rodrigo e Fábio em trecho do livro.

Além do livro, os chicos podem ser vistos no site do projeto. Ao rolar o mouse pelo site, percebe-se um mosaico de corpos nus com muitas formas diferentes. Diferentes entre si e diferentes do tipo de corpo que costuma ser mostrado pela mídia e pela pornografia. Entre os fotografados estão garotos transsexuais,  um deficiente auditivo, casais, todos os tipos de barrigas, bundas, pintos e cabelos. "O corpo padrão já tem visibilidade", problematiza, Fábio. "Alguns ensaios trazem garotos que podem se encaixar nesse estereótipo, mas também queremos quebrar o padrão de beleza vigente mostrando que existem corpos diferentes e que é possível ter orgulho deles". Ou seja, se você é proprietário(a) de um corpo que não é marcado pelos gominhos de uma barriga-tanquinho, certamente o Chicos vai te ajudar a deixar de murchar a barriga quando estiver sem camisa.

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