Com o aumento das IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis), principalmente entre os jovens, precisamos, mais do que nunca, falar sobre prevenção e cuidados
É no início da adolescência, em alguma aula sobre educação sexual na escola, que muita gente ouve falar pela primeira vez sobre as Infecções Sexualmente Transmissíveis – as IST. As imagens do que infecções como sífilis, gonorreia, clamídia, tricomoníase e HPV podem causar povoam o imaginário de jovens que ainda nem começaram a vida sexual. Mas não impedem que muitos transem sem camisinha: de acordo com pesquisa realizada pela DKT International, em 2018, 47% dos brasileiros entre 14 e 24 anos não usam preservativo. Uma pesquisa do Ministério da Saúde realizada em 2017 mostrou que 9 em cada 10 adolescentes de 15 a 19 anos sabem que a camisinha é o melhor jeito de evitar doenças. Ainda assim, 6 em cada 10 não usaram preservativo em alguma relação sexual no ano anterior. “Muitos adolescentes têm certeza de que nunca vão fazer parte das estatísticas”, diz a sexóloga Cátia Damasceno.
O fato de a Aids ter perdido o estigma de doença fatal também contribuiu para o cenário. De acordo com a Agência Universitária de Notícias da USP, as gerações nascidas após a década de 1990 apresentam taxas de incidência de infecção maiores do que a dos nascidos no período pré-epidemia, nas décadas de 1950 e 1960. “Nós vimos nossos ídolos morrendo de Aids. Essa nova geração cresceu com a noção de que o HIV é uma infecção tratável, com a qual dá para conviver”, explica Cátia. A falta de contato com a realidade da rotina de tratamentos de um soropositivo ou de pessoas infectadas com outras IST faz com que os riscos sejam banalizados. Mas não é só: o problema abarca questões sociais e culturais, como preconceito e a crença de que, em determinados grupos, não há risco de se contrair uma infecção. Para a sexóloga, a resistência ao uso do preservativo e a falta de diálogo também são pontos de atenção. “Falar sobre sexo dá trabalho. Mas só quando a gente quebra essa barreira e se responsabiliza pela nossa proteção e pela do outro é que conquista uma sexualidade completa, bem-resolvida e segura.”
Entendendo as IST
Infecções Sexualmente Transmissíveis podem ser causadas por vírus, bactérias ou outros microrganismos e são transmitidas, principalmente, por meio do contato sexual – oral, vaginal ou anal. E, ainda, da mãe para a criança durante a gestação, o parto ou a amamentação. Existem diversos tipos de IST, mas as mais comuns e conhecidas são:
• Sífilis: se não tratada, pode gerar complicações graves, como doenças neurológicas, ósseas e cardíacas, além de cegueira e paralisia.
• Gonorreia: pode ser assintomática. Quando apresenta sintomas, no geral, são dor e ardência ao urinar e forte secreção. Se não tratada, pode causar infertilidade.
• HIV: sem cura, o vírus causa a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a Aids, que ataca as células de defesa do corpo, deixando o organismo vulnerável a outras doenças.
• Papilomavírus Humano (HPV): pode provocar lesões na região genital e é uma das principais causas de câncer do colo do útero.
• Hepatites B e C: costumam ser assintomáticas, mas podem causar febre, vômitos, dor abdominal, pele e olhos amarelados. A hepatite não tem cura e causa uma inflamação no fígado que pode evoluir para câncer no órgão ou cirrose.
• Clamídia: pode ser assintomática. Quando apresenta sintomas, no geral, são dor e ardência ao urinar e secreção hialina. A doença pode levar à infertilidade.
A camisinha e seus mitos
O preservativo é considerado a melhor forma de se proteger contra as IST. Apesar de a camisinha ter evoluído, ainda é deixada de lado na hora do sexo. “Existe uma crença de que a camisinha faz o homem brochar”, diz a sexóloga Cátia. “Não existe fundamento científico para isso”, completa ela. Uma ideia, segundo a sexóloga, é trazer a camisinha já nas preliminares, pedindo, por exemplo, para o parceiro ou parceira colocá-la. O importante é tornar o uso um hábito, entendendo que o preservativo não interfere no prazer – pelo contrário: justamente por trazer mais segurança é que deixa o sexo mais gostoso.
As mulheres, a camisinha e as IST
as mulheres, principalmente as que têm relações heterossexuais, são mais vulneráveis às IST. Além dos fatores fisiológicos, hoje, o maior medo das adolescentes e jovens não é de contrair uma infecção, mas de enfrentar uma gravidez não planejada. De acordo com a pesquisa do Ministério da Saúde, apenas 6% das jovens brasileiras que tomam pílula anticoncepcional usam preservativo. Há, ainda, outras barreiras culturais, como a não popularização da camisinha feminina, que daria autonomia à mulher, o receio de pressionar o parceiro para usar a camisinha ou a vergonha de tirar um preservativo da bolsa.
As IST na era dos apps
Graças a aplicativos como o Tinder e o Grindr, as pessoas estão mais ativas sexualmente. O que seria bom, não fosse a realidade de um mundo que apresenta 1 milhão de novos infectados a cada dia. Para a OMS, o alto índice de IST está relacionado ao acesso facilitado ao sexo casual: a organização emitiu, em junho deste ano, um alerta sobre a preocupante falta de progresso na redução da transmissão de infecções e chama a atenção para a negligência no uso da camisinha, que está desencadeando uma epidemia silenciosa de infecções por doenças como sífilis, gonorreia, clamídia e tricomoníase.
IST x DST
Antes conhecidas por DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis), as infecções ganharam a nova terminologia IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis) precisamente para destacar a possibilidade de uma pessoa ter e transmitir uma infecção mesmo sem sinais e sintomas, o que colabora para o aumento de casos. Segundo a OMS, um único indivíduo pode estar infectado por mais de uma IST ao mesmo tempo ou contrair várias ao longo do ano sem saber, impactando diretamente no aumento do ciclo de infecções. Para termos uma ideia, mais de 9 milhões de pessoas no mundo não sabem que foram contaminadas com o HIV – é o que aponta o relatório da UNAIDS, programa da ONU.
Mais conversa, menos tabu
Confira sugestões para continuar no tema:
FILMES
• Kids (1995): cult dos anos 1990, o filme retrata adolescentes de Nova York no auge da epidemia da Aids no mundo.
• Cobaias (1997): baseado em fatos reais, o filme conta a história de um estudo realizado no sul dos Estados Unidos, em 1932, para avaliar o efeito da sífilis em homens negros.
• Preciosa (2009): o filme conta a história de Claireece Preciosa Jones, jovem de 16 anos soropositiva, que é abusada sexualmente pelo pai, de quem tem dois filhos.
• Heleno (2012): o filme é uma cinebiografia do jogador de futebol Heleno de Freitas, ídolo do Botafogo na década de 1940, que morreu devido às complicações da sífilis neurossífilis.
SÉRIE
• Sex education (2019): a série da Netflix trata da importância de se falar sobre sexo. Na trama, um garoto tímido tenta lidar com sua própria sexualidade. Temas como IST e aborto são discutidos abertamente.
PODCAST
• Sexoterapia (2019): novo podcast do Universa, plataforma feminina do Uol, traz na conversa Marina Bessa, editora-chefe do canal, e a psicóloga e sexóloga Ana Canosa. Elas recebem, toda semana, um convidado diferente para falar sobre sexo.
LIVRO
• Sexo para adultos (2016): a sexóloga Laura Muller fala sobre o assunto de maneira aberta e descomplicada, abordando a importância da educação sexual. Aborda temas como orgasmo, masturbação, homossexualidade e doenças sexualmente transmissíveis.
PROCURE AJUDA
O SUS oferece gratuitamente testes de diagnóstico do HIV, da sífilis e das hepatites B e C. Se você se expôs ao risco, mesmo que não apresente sintomas, procure uma Unidade de Saúde ou um Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) o quanto antes. www.aids.gov. br/pt-br/acesso_a_informacao/servicos-de-saude
Segundo a Organização Mundial da Saúde, todos os dias ocorrem 1 milhão de novas infecções. De acordo com o ministério da saúde, o número de infecções subiu de 3.929, em 2010, para 158.051, em 2018. Em 2016, no mundo, foram registrados mais de 376 milhões de novas infecções:
127 milhões de clamídia
87 milhões de gonorreia
6,3 milhões de sífilis
156 milhões de tricomoníase
Isso significa que 1 em cada 25 pessoas no planeta tem uma dessas quatro infecções.