”Quando a magreza é usada como sinônimo de saúde e sucesso, é um pulo para o oposto a isso se tornar sinônimo de fracasso”, diz a pesquisadora Agnes Arruda
O tribunal social — e da internet — é implacável: é só falar um pouquinho sobre o preconceito que as pessoas gordas sofrem todos os dias que brota uma pessoa, fiscal da saúde alheia, formada em Grey’s Anatomy, para disparar: “Mas obesidade é doença!”.
Essa discriminação é antiga, mas só recentemente ganhou um verbete no dicionário: gordofobia, ou seja, o preconceito contra as pessoas gordas. Apesar de soar óbvio, explicá-lo ainda é uma necessidade. E se você é uma pessoa que realmente se importa com as outras, antes de atacar seus argumentos, que tal acolhê-los e pensar um pouco a respeito?
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Eu sei, a princípio parece não fazer o menor sentido falar sobre esse tema, afinal, ouvimos a nossa vida toda sobre a “epidemia da obesidade” e os males causados pelo excesso de gordura no corpo de alguém. No entanto, o que as pessoas começaram a se dar conta é que, mesmo que se trate de uma condição médica — o que nem sempre se aplica —, a violência contra essas pessoas não se justifica.
Sim, violência dentro e fora de casa, física e psicológica. Pessoas gordas, por serem consideradas doentes, e por esse diagnóstico ser banalizado apenas pelo visual – afinal, o corpo gordo se destaca entre os outros –, são submetidas a uma série de situações que testam diariamente a sua própria sanidade e existência. E isso não é exagero.
Não adianta negar: a sociedade contemporânea tem a magreza como sinônimo de saúde e, em consequência, de bem-estar, sucesso, plenitude. São os corpos magros os autorizados a estarem nos espaços, falarem, se exibirem, serem felizes. E essa informação, que parece senso comum, está até em pesquisa científica da Universidade de São Paulo (USP).
Logo, é um pulo para o oposto a isso se tornar sinônimo de fracasso. E se tem uma coisa que o sistema capitalista e meritocrata não tolera é o fracasso. “É só fechar a boca”, “é só ter força de vontade”, “é só querer”. Esse discurso, que despeja sobre a vítima do preconceito a responsabilidade por ela própria acabar com a violência sofrida, é também o principal responsável pelos transtornos alimentares e distúrbios de imagem. Essa condição acomete 70% dos jovens brasileiros, sendo que 75% desse público são mulheres, de acordo com um estudo produzido na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
E quando vêm à tona notícias de mulheres que morrem ou têm graves complicações de saúde após realizarem procedimentos estéticos, ou consumirem medicamentos com a intenção de perder peso, há até uma certa discussão sobre o assunto, mas que logo passa. No caso de mulheres magras, vira e mexe ainda ouvimos algo como: “Era tão bonita… Nem precisava!”. Outra reação comum é a de espanto, mas o que ninguém tem coragem de dizer é que essa surpresa é fachada. Afinal, atire a primeira pedra quem não reproduziu ou ao menos cogitou ter esses mesmos comportamentos, visando a recompensa do corpo magro sonhado.
É por isso que precisamos repensar a ideia de que somente o peso pode determinar a condição de saúde de alguém. A magreza a qualquer custo também é um perigo e o corpo gordo, por si só, não significa doença.
Os grupos de Estudos do Corpo Gordo falam isso há muito tempo. Mas se é o argumento médico que você busca, no Canadá, por exemplo, os protocolos que identificam a obesidade já são outros. Os códigos, inclusive, combatem a gordofobia médica, que é quando pessoas gordas deixam de ser tratadas porque são consideradas desenganadas — levando ainda muitas delas a evitarem os consultórios e agravarem suas patologias, relacionadas ou não ao peso.
Lá, questões sociais, familiares e econômicas, como se a pessoa está ou não empregada e tem condições de organizar uma boa rotina alimentar, passaram a constar nos critérios médicos antes de o peso determinar se a pessoa está doente ou não.
Outro estudo publicado na Nature Medicine confirma também que a gordofobia desenvolve muito mais transtornos relacionados ao preconceito do que as próprias doenças que, de costume, são associadas às pessoas gordas, como diabete, pressão alta e problemas no coração, por exemplo.
Daí que, ao contrário do que muita gente pensa, a gordofobia não está apenas relacionada a uma questão estética. Para além do “magro é bonito”, “gordo é feio”, tem-se a atribuição de um valor ético sobre os corpos: “magro é certo e bom”, “gordo é errado e ruim”, e sobre essa valoração passou-se a justificar a violência gordofóbica.
Por isso que não faz o menor sentido falar em “romantização da obesidade” quando, na verdade, é justamente o oposto que acontece. Combater a gordofobia não é sobre isso. É sobre o respeito à dignidade das pessoas gordas e ao seu direito de existir.
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Imagem principal: Lethicia Galo (@lethiciagalo)
Fotos: Lethicia Galo (@lethiciagalo)