Sabrina Ginga manda a real

por Douglas Vieira

Diálogos culturais: a bailarina do Heavy Baile acredita na arte para melhorar o mundo e defende um fluxo maior no sentido norte-nordeste

A bailarina Sabrina Ginga quebra tudo no palco durante as apresentações do Heavy Baile, coletivo que mistura as batidas do funk carioca com EDM e foi iniciado pelo produtor Leo Justi em 2013. O grupo, que, além dela, estava em Belém com DJ Thai, MC Tchelinho e o dançarino André DB, fez uma apresentação de peso durante o festival Se Rasgum, em Belém do Pará. A vontade era tanta e a felicidade de estar no norte  do país pela primeira vez tão evidente, que, mesmo quando o som caiu por um instante, o baile seguiu na base do beatbox. Tudo consertado, hora de retomar, e Tchelinho mandou: "Vamos tudo desde o início porque Belém merece".

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Pouco antes da catarse que Sabrina definiu em seu Instagram como uma das melhores apresentações que já fez, ela conversou com a Trip sobre a importância de aumentar o fluxo cultural dentro do Brasil. Segue o baile.

Tpm. Qual a importância de inverter o fluxo no consumo de cultura em festivais do eixo sul-sudeste para vir ver o norte e o nordeste de perto, na visão de vocês, que são do Rio?

Sabrina Ginga. Para mim, é uma oportunidade de trocar informações culturais. Tem cinco anos que o Heavy Baile começou a viajar bastante. É sempre surpreendente como artista ser reconhecido fora do sudeste, de onde a gente é. A gente não fica muito a par de como a nossa música funciona aqui. A internet, lógico, é uma ferramenta poderosa, mas a gente sempre fica muito surpreso quando chega em um lugar no interior do Brasil e descobre que as pessoas conhecem Heavy Baile. A gente fica completamente encantado. No Rio, a gente muitas vezes não tem o mesmo fluxo de shows e com um público tão entretido, como a gente encontra aqui, por exemplo, e em outras cidades em que estivemos. A gente tem a sensação de que o público está sempre muito mais empolgado. Tem a questão de sair do lugar comum, de sair da nossa zona de conforto, do nosso território, é mais excitante, mais animado. 

Eventos grandes no eixo Rio-São Paulo atraem gente do Brasil inteiro, e aqui vocês vêm e tocam para um público da região, ou de algum lugar próximo. Não seria importante ver o público do eixo Sul-Sudeste ter essa experiência que vocês estão tendo como artistas? Eu acho que tem um fluxo crescente, mas precisa crescer mais. Além do turismo, da troca cultural, de conhecer outra cidade através da paixão pela música, que é o que move quem vai em um festival. Eu penso que quem tem o poder aquisitivo deveria investir em festivais como esse, precisa ser um dos lugares de consumo. Como já é em um evento como o Rock in Rio, ou mesmo como é o Coquetel Molotov, em Recife, que move uma galera para Recife já. Eu vejo que, se o país não explodir, é uma tendência mesmo. E vai trazer gente para cá. A paixão pela música vai te tirar do seu lugar e te fazer trocar com outras culturas. Hoje, falta fluxo no Brasil, falta trânsito entre as regiões, falta reconhecimento e proximidade. A arte facilita esses processos e os festivais facilitam ainda mais, e podem reverberar em vários outros quesitos.

Neste momento, conseguir reverberar uma troca cultural no lugar da agressividade parece fundamental. Esse é um papel importante da arte hoje? Com certeza. O momento político tem duas faces. As crises sempre têm duas faces: a face do medo e a da resistência. E a resistência sempre traz a criatividade. Eu sinto uma maior movimentação da classe artística em descobrir novas coisas, em trazer novas tendências, possibilidades. E, no meio dessa crise que a gente está vivendo, a gente tem que buscar novas possibilidades. E uma das possibilidades que eu vejo como mais importantes é aumentar esse trânsito. O sudeste está sufocante, em ruínas, de alguma forma. Esse fluxo, com a gente fortalecendo mais o norte e nordeste, que são lugares que parecem estar menos divididos do que o sul e o sudeste, politicamente falando, é muito importante também para fortalecer quem, como nós, está lá resistindo no meio dessa polarização. E é importante fortalecer quem está para cá. Saindo do fluxo em que o dinheiro gira, a gente consegue fazer o dinheiro girar em outras direções. 

A música tem o papel de pacificar de alguma maneira? Tudo é política. Fazer cultura é política, não tem como não ser. E a arte é facilitadora nesse momento político, sempre é, mas nesse momento é ainda mais facilitadora desse processo. É um canal, um imã, nesse momento de transtorno político. Tem um papel de aproximação de forças, de se fazer ouvir, de estar mais perto mesmo, de alinhar discurso. O papel da arte é fazer qualquer ser humano refletir sobre algo. Não sei se a gente salva o mundo, mas a gente melhora alguma coisa. E uma coisinha já faz diferença.

Créditos

Imagem principal: Bruno Carachesti

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