A realização de um desejo de Tássia Reis

por Douglas Vieira

Diálogos culturais: a rapper paulista conta sobre o sonho de tocar no norte do país e da arte como elemento formador dos seres humanos

A melodia das músicas de Tássia Reis é um abraço demorado, dado durante seu flerte profundo com o jazz, que envolve de um jeito suingado as rimas da rapper paulista, um papo reto apresentado cheio de curvas. E assim Tássia vai criando um lugar próprio para sua música no hip hop brasileiro, com seu rapjazz ganhando força em discos como o mais recente, Próspera, lançado no início deste ano, explorando também as sonoridades do trap e do rhythm & blues, em letras que vão da política a histórias de baladas. É a visão dela sobre a vida, de alguma forma.

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E foi sob a perspectiva de uma realização pessoal ao se apresentar em Belém, no festival Se Rasgum, que ela conversou com a Trip. Mas o papo só rolou depois que ela terminou de atender fãs e também jovens artistas do rap paraense — como a talentosa Anna Suav, uma das criadoras do grupo de slam Dandaras do Norte. Ela não deixa ninguém no vácuo.

Tpm. Você já tinha vindo para o Norte?

Tássia Reis. Não, não tinha vindo para cá ainda nem a passeio e queria muito vir. Eu fiz questão de botar Belém dentro do nosso projeto, porque é um lugar que eu queria muito, a galera pedia muito e eu não conseguia atender, porque é caro para sair de São Paulo. A gente é uma banda independente, está nos corres mil para vir, mas não tinha conseguido ainda. Até que a gente conseguiu bater com o Se Rasgum, com a ideia que a gente já tinha e fechou o bonde. Acho muito importante, é muito louco como eu consegui fazer show em alguns países da Europa e não tinha conseguido fazer me apresentar aqui. Isso não entrava na minha mente. Estou feliz de estar aqui. Infelizmente, não vou conseguir passear bastante, a gente vai embora amanhã, mas vir até aqui e entregar o show que a galera estava pedindo... Todo o show foi lindo, foi uma energia incrível e, no fim, todo mundo queria vir dar um abraço e tirar uma foto, pedir para voltar, isso é muito significativo, é muito importante, faz o corre valer a pena. Por mais difícil que seja, é possível a gente ir a lugares que saiam do eixo sudeste. É muito trampo, é uma grana, mas a gente tem que fazer acontecer, isso resume a vida do artista independente: é muito esforço, muito trampo, mas também é muito rico o retorno – rico no sentido de especial. 

Essa sensação de vir para cá, a experiência toda que você tem, pensando no momento que a  gente está, a forma como essa região toda, assim como o nordeste, tem enfrentado momentos difíceis. E muitas vezes, na internet, você vê palavras de ódio, principalmente de pessoas do sul e sudeste. Vir aqui é ajudar a desconstruir coisas assim também? Isso entra muito num lugar de ignorância mesmo, no sentido literal da palavra, das pessoas não conhecerem. Entra num senso comum muito idiota, no sentido de que a gente não sabe, não tem ideia, não tem acesso, não tem informação ainda. A gente tem internet, consegue saber de alguns artistas daqui, um pouco mais sobre a cultura do norte, mas não conhece a realidade. A gente não consegue vir enquanto público, mas talvez uma ideia para os grandes festivais, para as marcas que podem patrocinar, é fazer essa aproximação também. Um festival como o Se Rasgum promove isso de alguma forma, tem mais pessoas aqui de outros estados e tudo mais. Mas sinto que é uma parada muito nossa, principalmente no momento atual, que não dá para gente contar com o governo, não dá para gente contar com a estrutura política. Eu também não tenho a solução de como fazer isso, diminuir essa ignorância, mas imagino que a gente vindo para cá, indo para o nordeste também, saindo da zona de conforto do sudeste e descobrindo mais esse Brasil, tendo mais contato com o que é nosso mesmo, que fica muito distante, é um caminho.

A música é uma forma vital de resistência? A resistência é um fator determinante para que aquilo aconteça, para que a gente esteja aqui enquanto artistas, enquanto cidadãos também. Cultura é demasiadamente fundamental na construção do ser humano. A resistência é um pilar muito importante e acho que a cultura é um pilar dentro disso. Fomentar a música, fomentar a arte, porque é através delas que a gente consegue resistir ou ter um pouco mais de esperança. Ela fomenta também um pensamento político para que a gente entenda que precisa ser resistência. Uma coisa interessante que tem acontecido num contraponto das coisas ruins é o despertar de pensamentos também, mas acho que isso é uma construção que a gente precisa trabalhar muito, como o Mano Brown falou: "A gente precisa trabalhar na base". As pessoas precisam entender que cultura é um pilar muito importante da sociedade, porque a cultura forma pessoas, forma pensamentos. A gente enquanto Brasil ainda não entendeu isso, porque, se a gente tivesse entendido, já tinha quebrado tudo, ia estar que nem o Chile, na rua, fazendo acontecer, fazendo a revolução. E nosso pensamento colonizado ainda mantém a gente nas rédeas. A gente resiste do jeito que dá, mas ainda não conseguiu atingir uma consciência disso. 

Mas nesse momento tão conflituoso, que está tudo desequilibrado, a música teria o poder de abrir uma conversa que substitua essa conversa agressiva que impera?

Acho que não é o papel principal da música, que é a trilha sonora de tudo, mas pode abrir conversas, sim. Não é a resolução do problema, mas acho que a gente está aqui como provocador, acredito muito nisso, mais nisso do que em uma arte polida, conservadora. Não existe arte conservadora, ou não deveria existir, pelo menos. Na minha concepção, o papel da arte é questionar. O que trazemos talvez não sejam as respostas, mas sejam as perguntas. É por aí. Um lugar possível, uma resistência, mas uma existência, uma possibilidade. E eu, sem querer querendo, muito querendo no caso, sou esse tipo de artista, esse tipo de pessoa, que compra algumas brigas para poder fazer o que acredita.

Créditos

Imagem principal: Bruno Carachesti

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