Quem derramou o óleo no Nordeste?

por Natalia Guaratto

O surfista Junior Lagosta conta sua experiência ao limpar as praia de Maracaípe e Itapuama com as próprias mãos

O surfista Junior Lagosta estava em São Paulo quando soube que as manchas de óleo surgidas no litoral da Paraíba no fim de agosto também estavam nas praias de seu estado natal. De volta a Pernambuco, ele seguiu direto para a Praia do Gaibú, onde disputou o Gaibú Final Heat, a última etapa do circuito pernambucano de surf, para só então voltar para a casa, a praia de Maracaípe, em Ipojuca, também afetada pela substância.   

“Quando cheguei, os voluntários já tinham limpado tudo, parecia até que o piche estava fugindo de mim”, lembra Lagosta. Não estava. O encontro com o líquido preto e viscoso, cuja origem ainda está sob investigação da Marinha brasileira e da Polícia Federal, aconteceu nos dias que se seguiram. 

LEIA TAMBÉM: 10 surfistas desafiaram uma ondulação histórica em Noronha

Em 22 de outubro, a praia de Itapuama, a 30 minutos da casa de Lagosta, também entrou na rota do petróleo, que é composto por hidrocarbonetos (como benzeno, tolueno e xileno), carbono, nitrogênio e outras substâncias. O surfista não teve dúvidas: calçou luvas, botas e seguiu para lá para ajudar. Ele só tinha visto o estrago pela internet e pela televisão.  Ao vivo, a densidade do óleo o surpreendeu. “Pelos vídeos, não dava para saber qual era a dimensão. Ficamos o dia inteiro na praia. Passei horas e horas sem comer. Ali, o mais complicado foi retirar os fragmentos grudados nas pedras”, explica. 

 

“Nunca tinha visto nada desse tamanho nas praias do Nordeste”

Nascido em Recife, o campeão mundial em ondas gigantes Carlos Burle afirma estar preocupado  com o impacto do desastre ambiental na saúde das pessoas e no meio ambiente. “Quando eu era pequeno, era comum encontrar piche na praia, agora nessa proporção? Nunca tinha visto nada desse tamanho nas praias do Nordeste”, disse o atleta, que tem 38 anos de surf. 

Para ele, o trabalho que voluntários como Lagosta vêm fazendo é o aspecto positivo da tragédia. “O surfista tem uma relação profissional com a praia. Ele deve usar toda sua força de expressão para conscientizar as pessoas, instigando o bem. Devemos nos unir, independente dos nossos valores e crenças, para tentar minimizar as causas desse desastre ambiental”. 

LEIA TAMBÉM: Amyr Klink fala sobre meio ambiente e padrão de consumo

Junior Lagosta e outros voluntários foram orientados pela ONG Salve Maracaípe e pela prefeitura do município de Cabo de Santo Agostinho a se protegerem antes de manusear a substância, mas nem todos seguiram as recomendações. Um exemplo é a foto de um garoto de 13 anos encharcado de óleo que vem sendo divulgada. A imagem foi registrada em Itapuama, mesmo local onde Lagosta trabalhou, por um fotógrafo colaborador da AFP e virou símbolo da tragédia. 

“Tenho amigos que chegaram a mergulhar no óleo e foram parar no hospital”, conta Lagosta. Mesmo protegendo o rosto com uma bandana, o atleta relata que teve tosse após o contato com o óleo. De acordo com informações da Secretaria de Saúde de Pernambuco, 19 voluntários deram entrada em postos de saúde devido ao contato com o poluente e também pelo uso indevido de solventes para remoção. Dois dos casos foram registrados em Ipojuca. 

 

Se para os humanos o efeito do contato com óleo vai de dermatites a náuseas, para os animais o impacto é fatal. Júnior Lagosta conta que tentou salvar caranguejos em Itapuama. “Chegamos a resgatar os animais cobertos de óleo, mas mesmo depois de limpá-los, eles morreram”. 

Mauro Rebelo, professor do instituto de biofísica da UFRJ, explica que o maior risco do óleo que atinge as praias do Nordeste é que ele “estabelece uma barreira física que inibe a vida do mar”. “A toxicidade dele é baixa, mas se o óleo cobre os olhos da tartaruga, ela fica impedida de se locomover; se penetra nas brânquias do caranguejo, ele não vai respirar.” 

LEIA TAMBÉM: Depoimento sobre a tragédia do Rio Doce, em Mariana, de quem estava lá logo depois da queda da barragem

Rebelo afirma ainda não ser possível medir o impacto real do desastre para a biodiversidade das praias atingidas. “O longo prazo da natureza não é o longo prazo dos humanos. Depende também de qual ecossistema que estamos falando – uma praia arenosa é mais fácil de se recuperar do que um coral ou um mangue, que são sistemas mais complexos, e que tem muita fauna associada ao seu funcionamento”, afirma. 

De acordo com o último boletim de localidades afetadas emitido pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), já são 238 áreas atingidas em 88 municípios de 9 estados brasileiros. São eles: Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia.

Créditos

Imagem principal: Adema/Governo de Sergipe

fechar