Universo particular

A China me ensinou que o mundo que vemos só existe para a gente, não é a vida como ela é

Caro Paulo,

 

Estou planejando uma viagem para a China em outubro. Desta vez, é para conhecer os negócios. Antes, eu fui com Lili e meus amigos Ana Lucia e Fabio Barbosa para conhecer o lugar, o povo e a cultura.

Eu sempre aprendi muito com a China. Nos anos 80/90, foi por meio do oráculo I Ching, que eu estudei por anos com o seu tradutor, o professor Gustavo Correia Pinto. Do oráculo me interessei pelo taoísmo, filosofia que pacificou boa parte da minha inquietação para me explicar a vida e seus enigmas. Daí, eleger a natureza como objeto de contemplação e inspiração para soluções foi natural – sem medo do trocadilho (risos). O passo seguinte foi adotar a teoria da evolução, as ciências e o pragmatismo como linguagem para entender e resolver problemas em todos os sentidos e aspectos da vida, da pessoal à profissional. Aliás, é isso o que tem pautado muito de nossas conversas por aqui.

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Mas, por mais irônico que seja, o aprendizado mais útil que tive com a China foi o não saber, a impossibilidade de saber o que de fato acontece na realidade e de como ela funciona. O Tao Te Ching, o livro-base do pensamento taoísta chinês, diz, no capítulo 12: “As cinco cores cegam os olhos. Os cinco sons ensurdecem os ouvidos. Os cinco sabores insensibilizam o paladar”.

Além do horizonte

Segundo a obra, o que vemos é o nosso mundo, uma ilusão, e não a vida como ela de fato é. Portanto, a velha e boa certeza de conhecer o passado para prever o futuro deve ser substituída pela saudável incerteza e a útil competência de saber não saber.

Neste momento, Lili entrou na sala, leu a coluna até aqui e me alertou: “Acho que muita gente não vai entender o Tao Te Ching, a contradição”.

“O aprendizado mais útil que tive com a China foi o não saber, a impossibilidade de saber o que de fato acontece na realidade.”
Ricardo Guimarães

Ok, então para quem não entende e acha que um livro escrito nos tranquilos séculos antes de Cristo não pode nos ajudar a enfrentar os desafios de um imprevisível século 21, sugiro dar uma olhada num best-seller que está nos ensinando como se alimentar da incerteza e do caos para ter sucesso no mundo dos negócios. Antifrágil: Coisas que se beneficiam com o caos, do financista Nassim Nicholas Taleb, aliás, mesmo autor de outros best-sellers, Cisne negro e Arriscando a própria pele, que citamos na coluna anterior.

Esse é o emocionante desafio que as organizações enfrentam hoje. Estamos mudando totalmente a cultura para fazer e executar um plano estratégico. Os números que dão realidade, consistência e concretude ao plano nunca foram tão importantes, mas a complexidade e a velocidade com que a realidade muda faz com que eles não possam ser totalmente confiáveis.

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Por exemplo, segundo muitos analistas de cenário, os números que o governo chinês divulga não parecem verdadeiros. E não devem ser mesmo, até porque é muito provável que eles também não acreditem que esses números digam qual é a realidade verdadeira da China. Se a revolução cultural do “chairman Mao” não acabou com a sabedoria tradicional chinesa, eles ainda devem ser muito bons em saber não saber. Isto é, eles não estão escondendo nada de nós porque eles também não sabem qual é a real.

“Estamos mudando totalmente a cultura para fazer e executar um plano estratégico.”
Ricardo Guimarães

Fato é que o mistério que a China representa é hoje a grande chave para entender o mundo contemporâneo. Vivemos uma época em que o conhecimento humano dobra em horas e, paradoxalmente, nos coloca como humildes perguntadores, experts e cultivadores da sábia ignorância.

Por isso, visitar a cultura chinesa de negócios hoje pode ser uma boa ideia que justifica abrir a minha agenda para essa viagem. Na volta, eu conto o que aprendi com a China. Ou o que desaprendi?

 

Meu abraço, Ricardo

 

Em tempo, a trilha sonora para acompanhar essa coluna: “Epitáfio”,

dos Titãs, que eu trocaria o título para “Epifania”.

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