Titi Müller: o alívio do ponto final

por Julia Furrer

A apresentadora divide a treta que foi viver um puerpério em meio a pandemia e, pela primeira vez, revela que decidiu se separar: ”Não é largar a toalha, é reconhecer nossos limites”

O isolamento imposto pela pandemia bagunçou as peças do tabuleiro de boa parte dos relacionamentos. Vamos combinar que morar com outra pessoa já não é exatamente fácil em condições normais de temperatura e pressão, mas encarar a falta de privacidade e de vivência do mundo exterior ao longo de mais de um ano, tornou tudo muito mais complicado. No caso da apresentadora Titi Müller e de Tomás Bertoni, guitarrista da banda Scalene, ainda teve o nascimento de Benjamin, primeiro filho do casal, para elevar um pouquinho mais o grau de dificuldade. "Imagina pegar uma apresentadora de programa de viagem e um músico, que rodava o Brasil inteiro, e trancar em um apartamento com um bebê. Foi tipo engaiolar bicho solto", conta. 

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Quem tem filho sabe o nível de entrega e energia necessárias para cuidar de um bebê e o quanto contar com uma rede de apoio é fundamental, principalmente nos primeiros meses. Acontece que, com a pandemia, esse contato tão importante foi totalmente suspenso. "Eu não lembro qual foi o primeiro abraço que dei nas minhas irmãs depois de me tornar mãe. Acho que demorou meses. Esse período todo, sem minha família e meus amigos, foi muito solitário. Eu chorava quase todo dia. Um choro de amor pelo meu filho, mas também de tristeza e solidão". 

Foi justamente com esses sentimentos tão ambíguos – amor e solidão – que ela se viu decidindo pela separação. Na entrevista que você lê a seguir, Titi fala pela primeira vez sobre o assunto e sobre os motivos que levaram ao fim do casamento, divide os altos e baixos do parto e pós-parto e reflete, de forma muito franca, sobre a barra que é lutar para se reencontrar como casal, mas principalmente como indivíduo, depois de uma das experiências mais avassaladoras da vida. 

Tpm. Casar estava entre os seus sonhos? 

Titi Müller. Nunca quis a tradicional família brasileira. Quando eu era criança, me imaginava velha, rica, vestindo um penhoar e passeando por uma galeria com fotos de todos os meus ex-maridos (risos). Antes do Tomás, o pai do meu filho, casei com o Diego, que é meu amigo até hoje. Amo fazer festa de casamento, mas nunca achei que seria feliz com a mesma pessoa, tendo que transar exclusivamente com ela para o resto da vida. 

Seus pais vivem juntos até hoje? Sim e estão no melhor momento do casamento deles, desde que as filhas saíram de casa. Eles namoraram pouco tempo e minha mãe logo engravidou da Tainá [Müller, atriz], então não tiveram muito tempo para se conhecer sem filhos, estão fazendo isso agora. Só que eu nunca achei que minha mãe era feliz por causa do casamento. Nunca associei uma coisa à outra. 

E o sonho de ser mãe? Você tinha? Sempre soube que era um perrengue e sempre quis essa bucha pra mim. Antes de conhecer o Tomás, meu projeto era ser mãe solo. Eu via minhas amigas com marido e achava que, muitas vezes, o cara mais atrapalhava do que ajudava. Por isso ia fazer uma inseminação artificial. Um casal de amigos gays seriam os doadores, já tava tudo esquematizado. Mas conheci o Tomás, me apaixonei e falei de cara: "Quero ser mãe e tem de ser logo". Ele tinha 26 anos, tinha tido uma única namorada, ainda morava com os pais. Eu tinha 30, já tava no corre há muito tempo. Mas ele bancou. 

Como foi descobrir que estava grávida? Antes do Benjamin eu já tinha engravidado. Foi meio de repente e, apesar de querer muito, não fui tomada por um sentimento de felicidade logo de cara, o que me causou uma culpa horrível. Na real, essa primeira gravidez foi a experiência mais intensa e avassaladora que eu já tive na vida. Eu sofro de ansiedade e tomava um remédio forte, de uso contínuo. Minha obstetra da época mandou eu cortar imediatamente, no seco, e foi a pior coisa que ela poderia ter feito (hoje sei que existem maneiras de fazer isso de um jeito gradual, mesmo não sendo um medicamento permitido para gestantes). Passei mais de uma semana sem dormir nem um segundo, paniquei, tive sentimentos muito ambíguos. E então descobri que tinha perdido o bebê. 

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O que você sentiu? Eu estava gravando, fui ao banheiro, vi que estava com um sangramento e, no mesmo momento, soube que tinha perdido o bebê. O Tomás estava dentro de um avião, só chegou oito horas depois. Eu fui sozinha para o hospital, chorando muito e, ainda bem, encontrei uma médica acolhedora, que me examinou e deu a má notícia. Fiquei bem abalada, chorei muito. Depois tomei um ansiolítico, fumei um cigarro atrás do outro e abri uma cerveja. Resumindo: fiz tudo o que eu não podia quando estava grávida.

Na segunda gravidez você se sentiu diferente? Completamente. Tentei de novo uns nove meses depois e fiquei feliz logo que descobri que tinha rolado. Lembro de dançar com o teste de gravidez na mão. O mais engraçado é que, ao longo da gestação inteira, se referiram a mim com um adjetivo que eu jamais poderia imaginar receber: zen. Quem me conhece sabe que eu sou o oposto do zen, mas fiquei muito tranquila, nem ansiolítico precisei tomar, simplesmente fiquei de boa. Até começar a pandemia.

E o que aconteceu com a grávida zen na pandemia? Nossa, fiquei bem em pânico. A gente não sabia o que ia acontecer, não sabia se aquele vírus trazia algum risco sério para os bebês, não sabia como seria o parto, como estariam os hospitais. Eu comecei a me preparar pra ter meu filho em casa, imagina, jamais teria conseguido ter um parto domiciliar. Eu ia dormir às 7h da manhã, virava a noite assistindo GloboNews e live do Átila. Era uma sensação de 'fudeu', que a gente acabou vendo que, infelizmente, se concretizou. 

No fim, você não precisou parir em casa… Ainda bem! Se o Benja não tivesse tido assistência médica nos primeiros minutos de vida, não sei como seria. Ele nasceu bem roxinho, com respiração bem fraquinha. Fora que eu tive um trabalho de parto extremamente longo, de 31 horas, sendo 20 horas de parto ativo. Tomei anestesia, mas, mesmo assim, foi muito tempo sentindo dor. Tirei esse guri do esôfago, basicamente (risos). Durante a gravidez eu li muito sobre o sagrado feminino, sobre a conexão da mulher com a terra na hora do parto e, porra, fiquei com um bode, com uma raiva da natureza nesse momento... Achei a natureza uma misógina do caralho por fazer a gente passar por isso. Sei que tem muitas mulheres que amam parir. Eu achei um pesadelo. Tenho muito orgulho do que fiz, sou muito grata pela equipe que estava comigo e que me ajudou a ter um parto normal, mas eu juro que se engravidar de novo talvez eu opte por uma cesárea, porque foi meio traumático. 

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O puerpério foi tão desafiador quanto o parto? Sabe que eu tive um delay? A onda do meu puerpério bateu depois. Eu acordava cantando tipo "Bom dia, Benjamiiiiiin", fazendo coreô, no primeiro dia já baixei as playlists do Palavra Cantada. No começo me senti muito feliz com aquele bebê que nasceu de 37 semanas e parecia um ratinho, tadinho. Passava rímel e batom todos os dias. Não pra ninguém, juro que não era o patriarcado, funcionava quase como uma pintura de guerra, sabe? Mas com o passar do tempo fui me sentindo extremamente sozinha. 

Quem estava com você durante esse período? A única rede de apoio que a gente teve foi a família do Tomás. Os pais dele moram na nossa rua. Mesmo assim, não deu pra contar muito com eles no começo, porque a nóia com Covid era tão grande que era impossível pensar em receber alguém, ainda que fosse da família, sem fazer teste e sem tirar a máscara. Minha mãe conheceu o Benja com uns 5 meses, quando a curva da pandemia tinha baixado e achamos que dava pra ela fazer teste e vir do Sul. Meu pai, que tem uns problemas de saúde, só conheceu meu filho outro dia, quando ele tinha mais de um ano, porque precisamos esperar ele tomar as duas doses da vacina. Quando o interfone tocou avisando que ele estava subindo já comecei a chorar. 

E suas irmãs? Elas praticamente não viram ele bebê. Eu não lembro qual foi o primeiro abraço que dei nas minhas irmãs depois de me tornar mãe. Acho que demorou meses. Esse período todo, sem minha família e meus amigos, foi muito solitário. Eu chorava quase todo dia. Um choro de amor pelo meu filho, mas de tristeza e solidão também. E o Tomás acha que teve baby blues, uma queda hormonal fortíssima, que parece que também rola com os homens quando eles vivem intensamente a paternidade, como foi o caso dele. Mas enquanto ele pôde contar bastante com a família dele, eu não tive quase nenhum contato com a minha. E fez falta. Meu puerpério ficou marcado por uma solidão muito profunda, em um momento em que as coisas estavam muito foda pro Tomás também. Teve um dia que eu pedi um abraço e ele disse que não tinha condições de me dar. 

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O quanto essa rotina imposta pela pandemia e por um bebê pequeno pesou entre vocês? Imagina pegar uma apresentadora de programa de viagem e um músico, que rodava o Brasil inteiro, e trancar em um apartamento, com um bebê, durante uma pandemia. Foi tipo engaiolar bicho solto. Quando o Benjamin tinha 20 dias eu voltei a tomar remédio pra dormir, porque sofro de insônia desde a adolescência. Com isso, o Tomás assumiu o turno da madrugada com o Benjamin e eu fiquei com o dia. Virou uma prova de revezamento, a gente praticamente não se via mais, nem dormia mais junto. Ele foi pro quarto de hóspedes logo de cara pra conseguir descansar melhor durante o dia. Os momentos que a gente tinha juntos eram sempre gostosos, mas eram com o Benjamin. Deixamos de ser um casal pra ser um time dividindo esse job exaustivo que é cuidar de um bebê. 

Mas isso não acontece com qualquer casal que tem filhos? A gente também ficou achando que era normal no começo. Fomos pra terapia de casal pra elaborar algumas coisas, tentamos vários movimentos, mas não estava mais rolando. A gente foi ficando cada vez mais distante e começou a discutir por coisas muito pequenas da rotina do Benjamin: o horário que ele tinha que dormir, se a roupa tava adequada pro clima, ficávamos loopando em cima desse tipo de coisa. Chegávamos no pediatra e parecia que estávamos falando de bebês diferentes, tamanha a desconexão. E aí fomos nos perguntando: pra que insistir mais, se não tá legal pra nenhum dos dois? Não sei se é definitivo, mas decidimos nos separar. 

E como foi tomar essa decisão com um filho de pouco mais de um ano? Sentiu algum tipo de culpa? Pra ser bem sincera, não senti culpa não. Eu ainda amo o Tomás. A gente vai continuar sendo uma família, afinal, eu sempre acreditei que uma família não precisava morar sob o mesmo teto. Sinto que estamos fazendo isso num timing bom, preservando a gente e a nossa história. Claro que ninguém se separa feliz, a gente se separa pra buscar a felicidade. Mas não acho que seja sobre largar a toalha, e sim sobre reconhecer nossos limites. Parece que saiu um peso. No dia que a gente decidiu se separar, o alívio foi tão grande que a gente até transou (risos).

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De que tipo de alívio você tá falando? Ah, alívio de não sentir mais a pressão de ter que dar certo enquanto casal. Não tem mais aquele se forçar a assistir um filme junto, quando você queria estar mexendo no celular. Nem o esforço para tomar um vinho e conversar quando, na real, a gente não tá nem um pouco interessado no assunto do outro. Não tem aquele sexo que você faz só pra cumprir tabela, pra não deixar o músculo flácido. Você simplesmente entrega e relaxa. 

E como você tá? Tá tudo bem. Tô voltando a recuperar minha autoestima depois de um longo inverno, que incluiu muitos quilos a mais e um abcesso no peito que fazia jorrar leite e pus de uma fístula por quase dois meses. Sério, não há libído que sobreviva ao que o meu peito virou nesse período (risos). Agora ele tá de volta. É um peito mais flacidinho, que amamentou, que tem história, mas tô adorando. Voltei a caber nas minhas roupas, não me sinto mais baranga, tô voltando a me sentir eu. Me recusei a decretar game over, não quero ficar arrastando corrente. Quero que meu filho veja que os pais dele se amam e que são felizes, seja na configuração que for. Preferi sair com dignidade dessa história que não só foi, mas continuará sendo linda. Sei que tem gente que gosta da gente, que vai ler essa matéria e lamentar. Gente, eu imploro: não projetem o ideal romântico de vocês sobre os outros. Que dirá sobre quem vocês só conhecem do Instagram. Até parece que vocês ainda não sabem que aquilo lá é só um momento e que os B.O. a gente não mostra. Se gostam da gente, desejem nossa felicidade e só. 

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Créditos

Imagem principal: Arquivo pessoal

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