A jornalista Marcela Saad conta como foi ficar longe de sua bebê por causa do coronavírus: ”O que foi um terror mesmo foi a saudade do toque, da presença. Foram momentos desesperadores”
Cuidar de uma criança em seus primeiros anos de vida nunca é uma tarefa fácil. No último ano, gestantes e mães passam por esse período cheio de incertezas com mais uma na lista: a pandemia da Covid-19. Para a jornalista Marcela Saad, a preocupação de se contaminar com o vírus se tornou realidade. Ela e seu marido ficaram alguns dias internados no hospital, longe da família e de sua filha, Liz. À Tpm, ela relata os sentimentos que experimentou neste período tão delicado.
"A Liz nasceu em fevereiro, quando a pandemia ainda não tinha chegado no Brasil. Na gravidez, eu tinha mil planos para fazer com ela, e nenhum aconteceu. Eu e meu marido seguimos tão isolados quanto podíamos, saindo apenas para ir ao mercado e à farmácia. Tínhamos muito medo de pegar o vírus, não sabíamos o que poderia acontecer.
Quando a gente foi diagnosticado, eu não podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Pegamos Covid-19 em família. Minha tia se contaminou primeiro, sem sintomas, e passou para a minha mãe, que era a única pessoa com quem estávamos convivendo aqui em casa, sem máscara. E aí foi uma sequência de acontecimentos desesperadores.
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Quando minha mãe foi para o hospital, logo disseram que ela precisava ir para a UTI, e entrou na fila para esperar por uma vaga. Na madrugada do mesmo dia, a Liz teve uma febre de 39 graus. Como mãe e pai de primeira viagem, ficamos desesperados e corremos para o hospital. Ela não chegou a fazer o teste, mas teve vários sintomas. E, ainda bem, se recuperou muito rápido.
Quando eu e meu marido fizemos o exame, o resultado deu positivo. Com o passar dos dias, nós sabíamos que estávamos ficando muito debilitados, mas não tínhamos com quem deixar a Liz. Ficamos revezando: cada dia um ia para o hospital pedir remédio na veia para se sentir um pouco melhor. Até que chegou um momento em que eu não conseguia mais pegar minha filha no colo de tanta falta de ar.
Fui para o hospital, aqui em Brasília, e quando cheguei meu pulmão já estava com 50% de comprometimento. Quando falaram que eu tinha que ficar internada – ou meu quadro iria piorar –, me veio um desespero, já que o Vinícius também estava bem debilitado. No dia seguinte, ele foi para o hospital e já ficou internado. Aí o desespero foi completo.
A Liz é uma filha da pandemia, só convivia com a gente. E eu não sabia quantos dias a gente ia ficar, quando a gente ia sair, se a gente ia sair. Era como se estivéssemos vivendo em um universo paralelo, onde o tempo todo paira um clima de não saber o que vai acontecer. Eu tive taquicardia, problemas no estômago, falta de ar, sintomas de trombose. Mesmo sendo jovens e saudáveis, ficamos muito mal.
Eu chorava todos os dias, a noite inteira, e o médico falava que eu não podia ficar assim porque iria piorar. Eu pedia alta, mas estava no oxigênio, não podia sair. Fiquei seis dias internada e o Vinicius oito. Eu recebia fotos e informações dela o dia inteiro, mas o que foi um terror mesmo foi a saudade do toque, da presença. O horário em que eu mais chorava era à noite, que era quando entrava no quarto dela para dar leite, colocar para dormir. Foram momentos desesperadores.
Eu falo que o salvou a Liz – e a gente – foi a rede de apoio que se formou ao nosso redor. Meu irmão e minha cunhada, que tinham pouquíssima convivência com a Liz, ficaram com ela. Tentaram amenizar ao máximo o impacto para ela, deram carinho, tentaram seguir a rotina que tínhamos em casa. Não tem o que eu faça na minha vida que possa agradecer o que eles fizeram. Mesmo assim ela ficou muito triste, não comia, perdeu peso.
Logo que saí do hospital pedi para levarem a Liz para me encontrar. Ela deu uma rejeitada, não queria ir no meu colo. Ficou chateada, estava magrinha, carente. Aí com o tempo fomos confortando ela, dando muito colo, muito beijo. Agora, quando a tiro do meu colo ela fica com medo, parece que acha que vai ser abandonada. Mas já está bem, ganhou um pouco de peso.
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Enquanto eu estava no hospital, minha mãe teve alta da UTI. Hoje estamos nos recuperando, vamos fazer fisioterapia, mas fora de perigo. É como se a gente tivesse saído de um pesadelo. Foram momentos difíceis, mas a gente está aqui, vivos, apesar dos milhares que estamos perdendo todos os dias. Apesar do desespero e do medo, nos sentimos muito amados, e isso foi muito importante. Eu não sei como agradecer à família e aos amigos, eles foram nosso apoio."
Créditos
Imagem principal: Arquivo pessoal