”Por enquanto, tenho evitado tomar qualquer decisão movida pelo medo. Quero esperar o quanto puder e ver se algum dos meus planos ainda ficará de pé quando chegar a hora”
Logo que fiquei grávida, uma amiga querida me disse algo que eu nunca mais esqueci. Ao ouvir que eu estava com medo, sem saber como seria minha vida dali para frente, falou: "ter um filho é perder o controle. Disso e de todo o resto. Melhor abraçar a aventura e se jogar no abismo de uma vez". Ela tinha razão. Com o passar das semanas, fui percebendo que, por mais que eu tentasse, não poderia controlar quase nada. Meus hormônios se comportavam de um jeito estranho e me faziam chorar por nenhum motivo sem que eu pudesse evitar, meu corpo ia ganhando uma forma que eu não reconhecia no espelho e, a cada novo ultrassom, só o que eu podia fazer para evitar uma notícia horrível era rezar.
A gravidez, claro, é só uma amostra do que vem pela frente. Também não dá para escolher a personalidade desse ser que sairá da minha barriga, se terá ou não amigos, consciência política e bom gosto musical ou se vai me odiar e me achar uma péssima mãe em algum momento da vida. Eu juro que estava me acostumando a lidar com todas essas incertezas. Mas, de alguma forma, eram variáveis mais ou menos previsíveis, já enfrentadas por todas as mães que conheço e com quem troco impressões. O que eu nunca, em tempo algum, poderia esperar era que uma pandemia tomaria conta do mundo no fim da minha gestação e acabaria com qualquer chance de prever minimamente o dia de amanhã. Não só para mim e minha filha, mas para a humanidade.
Tudo o que eu estava fazendo para me preparar para o grande dia foi colocado em suspenso. Não posso mais fazer exercício, fisioterapia para o assoalho pélvico, nem comprar os últimos itens da lista do enxoval. Também preciso ponderar os riscos e benefícios de me expor ao vírus em um laboratório enquanto aguardo para fazer um exame ou tomar uma vacina.
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Minha primeira filha vai nascer no fim de maio e, para além de todas as ansiedades que naturalmente já tornam essa fase conturbada, não dá para saber como estará a situação dos hospitais quando chegar a hora do meu parto. Soube que as visitas foram totalmente proibidas para evitar a chance de contaminação. Já estou trabalhando a cabeça para viver esse momento longe da minha mãe, que por fazer parte do grupo de risco, provavelmente só poderá conhecer a neta depois de uns 15 dias. Algumas amigas grávidas estão cogitando dar a luz em casa, uma outra, já na reta final da gravidez, marcou uma cesárea para essa semana, com medo do que pode acontecer com o sistema de saúde se esperar mais alguns dias. Em Nova York, por exemplo, a coisa ficou tão séria que nem os maridos ou companheiras podem acompanhar as mulheres. Só de pensar nessa possibilidade tenho vontade de chorar. Por enquanto, tenho evitado tomar qualquer decisão movida pelo medo. Quero esperar o quanto puder e ver se algum dos meus planos ainda ficará de pé quando chegar a hora.
Confesso que está bem difícil manter a calma. Tentei meditar, fazer uma das várias aulas online de ioga que não param de ser anunciadas no Instagram e ficar um dia inteiro sem ler as notícias. Nada adiantou. Não consigo parar de me preocupar com a saúde das pessoas que amo, o caos que iremos enfrentar nos próximos meses e a falta de perspectiva para tudo isso ter fim. Acho que o mundo não será o mesmo depois do Coronavírus. Mas que mundo é esse, que ainda não existe, e minha filha vai conhecer?
Será que essa coisa, que é invisível aos olhos, nos lembrará do que é, de fato, essencial ou seguiremos nossas vidas do mesmo jeito individualista quando tudo isso acabar? Será que voltaremos a abraçar as pessoas como sempre fizemos ou ficaremos mais frios e distantes uns dos outros, feito os alemães? Será que vamos poder viajar o mundo? Será que transformaremos nosso sistema político? Será que recusaremos a ideia de passar tanto tempo no trabalho? Será que ainda vai dar pra deixar minha filha brincar no chão e pensar: “tranquilo, é assim que se cria anticorpos”?
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Gosto de acreditar que o mundo será o que fizermos dele. E é por isso que eu me concentro em encarar a possibilidade de colocar um novo ser humano no mundo como uma oportunidade de melhorá-lo. Quero criar a minha filha para ser justa, consciente e muito mais empática do que fomos até aqui. Quero que ela faça escolhas diferentes das que fizemos. Quero que ria da nossa cara quando eu contar quais eram as preocupações de alguns dos empresários do país quando a crise começou. E quero, principalmente, que o medo não vença essa batalha. Que a gente aproveite a chance que nos foi dada durante esse confinamento interno e reflita sobre o que queremos que volte à normalidade e o que queremos transformar.
Não vai dar pra decorar o quartinho da minha filha como imaginei, nem viver um parto totalmente tranquilo, nem ter a certeza de que meu trabalho ainda estará lá quando eu voltar da licença-maternidade. Mas vai dar pra fazer tudo diferente e, por enquanto, nutrir essa esperança é a única coisa que posso fazer para me controlar.