Fafá de Belém: Onde tem holofote, estou dançando

por Denise Meira do Amaral

A cantora, que completa 45 anos de carreira com biografia à vista, é eloquência pura: ela vai de lives, política, maternidade, casamento e até cabelos brancos – assumidos com muito orgulho na pandemia

Fafá não ri. Ela gargalha. Fafá não ama, ela morre de paixão. “Por amor só não matei”, confessa, durante conversa por telefone com a Tpm, de seu apartamento nos Jardins, em São Paulo. Quarentenando desde o final de março, Fafá só saiu de casa para ir ao banco e, mais recentemente, para viajar a Portugal, sua segunda casa, onde apresenta um show online ao vivo neste domingo, dia de seu aniversário, diretamente do Santuário de Fátima – que tem como padroeira a santa que serviu de homenagem à seu nome de batismo: Maria de Fátima Palha de Figueiredo.

Com 45 anos de carreira completados neste ano, Fafá aproveitou o isolamento social para cozinhar, aprender a mexer com “essas coisas de computador”, escrever o rascunho do que se tornará sua autobiografia, conversar com seus fãs 60 + e assumir suas raízes brancas pela primeira vez: “Foi uma libertação”. Nascida em Belém, de ascendência indígena e portuguesa, a cantora busca força justamente nas adversidades: “Nunca fui a mais bonita, a mais gostosa, a mais cobiçada, a mais comportada, a que se conformava", conta. "Ou escolhia ser aquela pessoa amarga ou ser aquela que gargalhava até quando faziam bullying comigo”.

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Na entrevista a seguir, feita às vésperas de sua viagem a Portugal, recheada de gargalhadas longas e deliciosas, a voz do Pará que canta a essência do Brasil elege a paixão ao amor – “detesto dormir de conchinha” –, fala sobre sua atuação como atriz em filme ainda mantido em segredo e faz críticas ferrenhas ao governo: “É puro deboche. Um deboche das instituições, da ciência, da música, do teatro. Hoje somos motivo de deboche no mundo inteiro. Eu vivo entre Portugal e Brasil há 36 anos e o Brasil é tema de programa de humor por lá”.

Trip. Como está sendo sua rotina nessa quarentena?

Fafá de Belém. Fiquei quatro meses em casa, mas trabalhando muito. Tive que mudar toda a escala do ano por conta da pandemia, então trabalho não falta, bicho. Saí apenas duas vezes nesse período, para ir ao banco – e me enchi de Lysoform [desinfetante]. Tive que aprender a mexer em coisas de computador, banco digital... Porque antes eu mandava cheque, imagina? Há anos não ficava o mês inteiro em casa. Está sendo maravilhoso, estou revisitando os cômodos, encontrando objetos que nem sabia mais. Também tenho cozinhado. Arroz molhado com ervas, com cogumelos, com frutos do mar, de bacalhau, com caranguejo. Aprendi a fazer café como o da minha mãe, em coador de pano, e aprendi a arrumar a cama em dois minutos. Tenho meditado com uma professora, porque tem dias que a madrugada não me deixa dormir. Outro dia, numa dessas noites de insônia, maratonei “As Telefonistas” [série da Netflix]. Às vezes olho no relógio e já são quatro, cinco da manhã e ainda não dormi. Aí uso um app de meditação. Respira, não pira [gargalha]. Tenho escrito muito. Escrever é muito bom porque consigo expressar coisas que não saberia dizer pra mim mesma.

O que tem escrito? Sempre escrevi. Tem coisas que escrevi há tempos. Minha ideia é organizar tudo em uma biografia. Como escrevo sem tempo cronológico, estou aproveitando a quarentena para organizar isso.

Como tem lidado com o isolamento social? Tem momentos de angústia? Não tenho temperamento de humor depressivo, sou mais para eufórica. Mas tive dias complicados, acordava achando que alguma coisa ia acontecer. Eram 15 dias, que viraram quatro meses, e que parece que vai durar até o resto da vida. Mas não sou de me desesperar. Sempre gostei de ficar sozinha, de viajar sozinha. Eu nem sabia o quão estava preparada para isso. Ano passado dormi 45 dias na minha casa, o resto passei viajando. O setor de cultura vai ser um dos últimos a voltar, sabe-se lá quando vamos ter a vacina. Se você vacilar, entra em desespero.

Você tem acompanhado alguma live? Gosto muito da live da Teresa Cristina. Assisti a do Fábio Junior, do Gil, do Milton Nascimento.

Como começou a fazer lives? Uma madrugada recebi uma ligação de uma amiga que trabalha em hospital contando que um grupo de profissionais de saúde tinha sido agredido dentro de um ônibus em Aracaju, porque achavam que estavam transmitindo o vírus. Eles foram xingados, uma coisa horrível. Ela me ligou e perguntou se eu podia falar com eles. Acho que ficamos todos tão próximos nessa pandemia que a solidariedade e o afeto são a única solução. Cantei para eles e no final acabei dando uma gargalhada. Comecei então a fazer lives de conversas aos domingos. O que fazia na sala de casa faço na sala do mundo com a internet. Queria abraçar essa saudade que a gente tem de sair, de estar junto. Entrevistei o padre Fábio de Melo, o Milton Cunha, o Mandetta [ex-ministro da Saúde]. Depois comecei um papo de mulher, uma vez por mês, com a Luiza Helena Trajano, Cissa Guimarães, e só depois veio a live musical. Resisti porque não queria fazer aquele formato de competição de quem doa mais que quem, com QR code... Comecei a pensar nas pessoas que estão em casa, como eu. Porque tudo o que tinha até então era voltado para o público jovem. Mas e a gente? Eu tinha uma programação já desenhada para meus 45 anos de carreira, e uma delas era um show só com canções de novelas. Na época em que bastava ter uma música na novela que tudo acontecia [gargalha]. Fiz a primeira live cantando e nem sabia como funcionava [gargalha longamente]. Minha filha, Mariana, e o João [da equipe de Fafá] foram me ensinando. Tudo feito em casa. Eu amei. Desenhei como um show. Queria que as pessoas vissem que me maquiei para elas, que me vesti pra elas.

Como vai ser sua live em Fátima, em Portugal, no dia do seu aniversário, em 9 de agosto? Ela é presencial, sem plateia, mas você pode assistir de qualquer lugar do mundo, por dois euros. O valor [2 a 5 euros] e a plataforma deixam mais democrático o acesso a arte. Acho que essa quarentena vai fazer as pessoas reverem o valor dos ingressos. Vai haver um equilíbrio maior. É possível fazer. Esses valores gigantescos são tão antigos, chega a ser desumano.

Quais foram os cuidados adotados durante as lives na sua casa? Tenho um centro de desinfecção em casa. Ao chegar os sapatos passam por um tapetinho com água sanitária e depois são deixados lá fora. A pessoa passa por um spray desinfetante e depois a camiseta é substituída por uma limpa. As máscaras são trocadas de duas em duas horas. Não podemos correr risco nem deixar que ninguém corra. A gente reveza os músicos para que todos sejam beneficiados com o cachê e tal. Tenho obsessão em manter minha privacidade. Por isso limpei toda a sala, deixei só o fundamental. Acho que a memória da gente é muito íntima. Já somos pessoas tão públicas que o que se pode preservar da vida privada é sagrado.

Qual a importância das lives em tempos de pandemia? A música, assim como os filmes, as séries, são fundamentais. Sem arte ninguém vive. Cantar para mim é vital. Falar com as pessoas é vital. Sentir que estamos interligados, mesmo que por uma tela plana é fundamental para nossa sanidade mental, para os nossos afetos, para podermos nos reencontrar daqui a pouco, quando tudo isso passar.

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Você começou as lives sem patrocínio. Como foi essa busca? Nós que temos mais de 50, 60 anos somos invisíveis no Brasil. Como artista a gente existe, mas na hora de buscar patrocínio, não. A gente não fala para aquela massa que toma cerveja. Mas e as pessoas que estão em casa, da minha faixa etária, vão fazer o quê? É como se a gente não fizesse parte da sociedade. Quero falar com eles.

Para a mulher essa invisibilidade é ainda maior? Muito mais. Mulher de cabelo branco não pode. Homem fica charmoso. É puro preconceito dessa sociedade machista. Quantas mulheres não se dão com mulheres porque tem medo de perder o marido? Fomos ensinadas pela sociedade a ter essa rivalidade entre nós. Isso é muito ruim, como se não pudéssemos nos fortalecer. Mas isso tem melhorado. Acho que a mulher começa a ser mais solidária.

Vi que começou a deixar o cabelo branco. É parte desse processo de empoderamento feminino? Estou há três anos tentando deixar cabelo branco, mas a assessoria, o cabeleireiro nunca deixavam. Nas minhas férias, em novembro, fiquei um mês sem pintar e passei a usar só aquele spray, sabe? Tudo bem ser uma opção pintar o cabelo, mas não ser uma obrigação. Ter sempre de fazer uma raizinha é um saco [gargalha longamente]! Como diria o Roberto Carlos, “você é mesmo essa mecha, de branco nos meus cabelos” [cantarola]. Sabia que quem me deu consultoria de cabelos brancos foi a Vera Holtz? Eu disse: “Vera, estou louca pra deixar”. Ela disse: “Deixa, o cabelo fica maravilhoso”. Estou feliz. Foi uma libertação. No mês seguinte fui convidada a fazer um filme da Thalita Rebouças [“Um Pai no Meio do Caminho”, para a Netflix] e meu personagem usava uma peruca com a raiz grisalha. Decidi usar meu cabelo mesmo, só coloquei um aplique.

Conta um pouco sobre esse filme. Que papel você faz? Faço uma guru. Filmei em fevereiro, em uma comunidade do Rio. Tem o Marcelo Médici, Dú Moscovis e a Maísa – que é maravilhosa. A mãe dela também é incrível, ficamos amigas. No filme a personagem da Maísa sai de uma comunidade em busca do pai. Mas não posso contar muito sobre o filme ainda.

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Como é a Fafá atriz? Eu adoro. Estudei teatro. Inclusive, contem comigo, se quiserem me chamar... Me chama que eu vou [gargalha]! Eu participei de duas novelas [“A Força do Querer”, da Globo, e “Caminhos do Coração”, da Record] e de um filme, "Amazônia Caruana" [de Tizuka Yamasaki]. Estou aberta. Onde tem holofote, estou dançando.

Em tempos de pandemia, muita gente tem paquerado pelo Zoom... Já tentou? Menina [gargalha]! Acho que agora a gente vai ter que adaptar tudo. Mas eu trabalho muito no feeling. Eu preciso do olho no olho. Precisa fazer bater o coração. Sou de grandes paixões. Por amor eu só não matei. Mas morri todas as vezes [gargalha]. Sou de muito amor e muitas gargalhadas. Quem sabe não aparece outro agora e, de repente, tudo muda? Cada um que se ama é diferente. Não tenho pudores. Nunca tive. Se estou apaixonada, estou apaixonada. Se tomo tombo, tomo tombo.

E agora, você está apaixonada? Estou atrás de me apaixonar. Tem até pessoas em vista, mas antes de beijar não dá para saber. Se não suar gelado na nuca, se não engolir borboletas, não adianta. Só vou saber pessoalmente. Uma coisa é a paixão, outra é o amor, e outra é o tesão. São vários departamentos. O ideal é ter tudo junto. Prefiro a paixão ao amor. O amor é muito sereno [gargalha]. Acho que por isso nunca tive um casamento que durasse mais de três anos e meio. Sempre me vi andando pelo mundo, não sei se um dia vou me casar pra sempre. Mas o sopro da vida muda. E quem sopra não somos nós.

O casamento nunca foi um sonho? Não. Mas quem sabe serei atropelada e o que considero um pesadelo se torne maravilhoso? Sempre caminho pra frente, adoro descobrir coisas. Não fico sentada em meu baú desfiando meus discos com canções de 40 anos atrás. Adoro cantar o novo. Aliás, acho que está começando a surgir um projeto de música. Quando sonho com a música e acordo com ela, é porque o disco está vindo. Mas não vou adiantar, é claro.

Você teve quantos maridos? Só assumi o pai da Mariana [o músico Raul Mascarenhas] e quando já estava grávida. Mas tive outros. Não gosto de expor minha vida pessoal. Acho que os casamentos fazem parte de um foro mais íntimo.

Você acredita no formato casamento? Acredito em qualquer modelo de amor, desde que haja concordância entre as partes. Cada um escolhe sua forma. Pode ser poliamor, pan, um relacionamento aberto. Quem resolve isso são as partes envolvidas e ninguém tem nada a ver com isso. Paixão é paixão. Não estamos aqui pra julgar ninguém. Eu, por exemplo, detesto dormir de conchinha. Mas tem gente que adora. Eu acho chatíssimo [gargalha]! Não poder levantar para ir ao banheiro porque a pessoa vai acordar, sabe? Me mexo muito durante a noite. Mas bicho, no auge da paixão, até vai [gargalha longamente]!

Você tem acompanhado o cenário musical paraense? A música do Pará é muito forte. Você tem o bolero, a marujada, o carimbó. É uma música muito rica, descobri-la é um encantamento. Ela vem desde a música erudita, no final do século 19, e vai passando pelos batuques, mistura com a música portuguesa, com o caboclo. Nos anos 20, 30, Belém foi a capital cultural do país. Manuela Bandeira, Tarsila do Amaral, Pagu, Mario e Oswald de Andrade e Villa Lobos foram morar em Belém. Teve uma explosão de poetas, escritores e músicos. Belém é um lugar a se descobrir. Nossos igarapés, cachoeiras, frutas, mercados, nosso mar de água salobre, além de um povo muito alegre. As mulheres sempre de boca pintada e com vestidos estampados. Gostamos de namorar.

O que carrega do Pará em você? Tudo. Gostar de andar descalça, de não ter muita roupa, nossa culinária, nossos temperos, nossos banhos de ervas. O Pará está dentro de mim. É uma sinceridade de sentimentos que aparece no olhar. Às vezes, fujo pra lá rapidinho, sem que ninguém saiba. Vou comer peixe com farinha. Ainda tenho um irmão, primos e muitos amigos por lá.

Quais são as novas vozes da música nacional que tem acompanhado? Gosto da Alice Caymmi, de um menino de Belém que chama Lucas Estrela, uma menina de lá chamada Natalia Matos, do Johnny Hooker, do Filipe Catto, que tem uma voz super interessante. Adoro a Letrux, acho ela foda.

Como musa das Diretas, como enxerga o cenário político atual? Essa negação da ciência em meio a pandemia, o sucateamento da cultura... Entendo que a gente pode discutir o que é posicionamento de direita, de esquerda, de centro, mas o Brasil não se enquadra em nenhum desses perfis. Nem sei onde enquadrar quando você manda tirar água dos indígenas com os rios contaminados, quando você desmata a Amazônia, quando despreza a violência desse vírus, quando incita pessoas a irem para portas de hospitais fazerem buzinaço... Não sei onde isso se enquadra. É puro deboche. Um deboche das instituições, deboche da ciência, da música, do teatro. Hoje somos motivo de deboche no mundo inteiro. Eu vivo entre Portugal e Brasil há 36 anos e o Brasil é tema de programa de humor por lá. O Ricardo Araújo Pereira tem um programa aos domingos que a diversão é rir do Bolsonaro.

Isso te faz chorar? Não, também não. Chorar não dá. Eu participei do retorno da quebra do regime militar, da transição pra democracia, estive à frente da Campanha pelas Diretas, participei de todos os comícios. Foram 32 comícios. A política sempre foi viva dentro da minha casa. Mamãe era de um partido, papai de outro. Quando começou a ditadura morava em São Paulo. Quando voltei para Belém muitas pessoas tinham sumido, desaparecido ou se suicidado. Eu era menina, pré-adolescente. Belém é uma cidade muito politizada. A política nunca saiu da minha alma.

Já foi filiada a algum partido? Nunca. Mas vi esse país florescer, vi a democracia começar a caminhar. Nossa democracia é muito recente. Na época da ditadura criou-se uma consciência política muito grande. Nas Diretas é que se começa a falar em estado democrático. Muita gente hoje fala de política, mas sem profundidade. Precisam ler mais.

Quem são as pessoas que pedem a volta da ditadura? Eles não sabem o que foi ou é má-fé mesmo? Acho que tem muita gente que não sabe o que foi. Ignorância. O país está rachado entre nós x eles. Não vejo assim. Vejo um país só. Há muito tempo observo todos os movimentos. Quando surgiu o HIV, por exemplo, os portadores eram estigmatizados. Então criou-se uma perseguição aos homossexuais. Muitos foram assassinados só por serem portadores da “praga maldita”. Muitas pessoas puderam se mostrar homofóbicas. Perdi muitos amigos assassinados de formas bárbaras. Nessa última eleição sinto isso: quem era machista, racista, homofóbico, encontrou uma oportunidade. Mas por outro lado, eles são 30%. Onde estavam os 70%? Foi o anti-petismo? O Haddad deveria ter saído por outro partido? São perguntas. Pela última pesquisa, o Bolsonaro se elege. Eu não sei. O Brasil é um país muito peculiar. Ele importa o que há de pior dos Estados Unidos. Agora, ir pra casa e chorar, não! Porque sem resistência nada muda de rumo. O caos não dura pra sempre. Fico indignada como a direita cresceu no mundo. E muitos jovens de direita. Há de se refletir. Onde é que erramos? Os movimentos não nascem espontaneamente, eles são provocados. Outro dia vi pessoas gritando em frente ao Hospital das Clínicas [em São Paulo], com os olhos incendiados, perturbando os pacientes internados. Pensei: "Meu Deus, se isso não é o apocalipse, meu amor, não sei o que é..." Por isso digo, fé, esperança. Com alegria se combate a escuridão. Temos que ter essa capacidade de dar uma gargalhada para poder desviar o rumo do barco.

Você completa 45 anos de carreira agora em 2020. Qual é o seu legado? Tenho muito orgulho da minha trajetória. Muito orgulho das portas que bateram na minha cara, e olha, foram muitas, querida, mas isso nunca me desanimou. Tenho muito respeito por tudo que construí. Olho pra trás e sei que tudo valeu muito. Mas tenho mais 40 anos pela frente.

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Você vai fazer 64 anos no dia 9 de agosto. Como é envelhecer para você? Não dou a mínima bola, bicho. Não tive tempo para a crise dos 30, dos 40, dos 50. Nunca escondi a minha idade, não faço botox, convivo com gente de todas as gerações. Procuro aprender coisas novas todos os dias. Quero aprender, querida, porque o mundo muda muito, e se você não acompanhar, bicho...

Seu nome é em homenagem a Nossa Senhora de Fátima. Qual a importância da fé em sua vida? A fé é fundamental. A fé não tem religião. Até o ateu tem fé. Na pandemia três coisas estão sendo fundamentais na minha vida: a alegria, a fé e a esperança. Minha vida sempre foi na contramão. Nunca fui a mais bonita, a mais gostosa, a mais cobiçada, a mais comportada, a que se conformava, a que agradava a todos, então tive que contornar muitas vezes, desde a minha gargalhada e o meu jeito de sentar, ­que não eram coisas de menina, eu não querer fazer bordados, e “quem não fazia bordado não arranjava namorado”. Há 60 anos isso era ainda mais pesado. Nunca vesti manequim 38 ou 40, sempre fui a gordinha da sala. Mas acho que tudo isso me fortaleceu. Ou eu escolhia ser aquela pessoa amarga ou ser aquela que gargalhava até quando faziam bullying comigo. Já cheguei a ir vestida de noiva ao casamento de uma menina que me enchia o saco, em Belém. Minha mãe costurou pra mim. Ela embarcava na minha onda. Eu tinha 16 anos.

Com quantos anos saiu de Belém? Fui para São Paulo com seis anos e fiquei até os nove. Morei no Rio dos 13 aos 16 e voltei pra Belém com 16. Fiquei até meus 18 em Belém e depois fui pra Bahia, participar de um show a convite do Roberto Santana e nunca mais parei.

Quais são suas memórias de infância? Uma casa sempre cheia e com um violão. Tenho muitas lembranças de toda minha família de férias, na praia, nos almoços grandes, da gente brincando na rua. Era eu e mais três irmãos, mas no mesmo quarteirão moravam minhas tias e primos, então a gente trocava de casa nos almoços, sempre regados a muita discussão política. E foi assim que eu cresci. Soltando pipa, criando pato, nadando nos igarapés e tomando banho de rio em Belém.

Como é a Fafá avó? [Fafá é avó de Laura e Julia, filhas de Mariana Belém com Cristiano Saab] É maravilhoso. Na maternidade estamos construindo a nossa vida, então ser mãe é uma caixinha de surpresas. Você não quer que nada saia errado. Agora quando vira avó, esse sentimento já vem com o treinamento e com uma sabedoria serena. Como mãe fui muito rigorosa. Criei a Mariana praticamente sozinha. Fui dura para ela não ser aquela filha chata de artista. Acho que criança precisa de rigor. Eu adoro as minhas netas, mas nunca avanço em cima das regras de pai e mãe. Porque o dia a dia é com eles. Elas sabem que podem transgredir comigo.

Você tem uma relação de amor com Portugal... Estou sempre por lá. Tenho um apartamento em Lisboa, mas mesmo quando não tinha, frequentava. Adoro! Dá pra andar, pra tomar um cafezinho na esquina. No Brasil as pessoas não andam nas ruas. Em Portugal existe carinho comigo, mas o culto ao ego não é como aqui. Lá somos pessoas normais. Millôr Fernandes me disse uma vez: “Fafá, cada hora você está chegando de algum lugar com um bando de amigos, precisa escrever uma biografia, vai se chamar "Sem Anos de Solidão" [em alusão ao romance de Gabriel García Márquez].

Você tem algum sonho em vista? O dia que acabar tudo isso vou parar para entender o que aconteceu comigo. Talvez essa ida a Portugal me dê uma luz. Mas eu nunca peguei um barco em Santarém e fui até Belém. É uma viagem que quero fazer quando tudo isso passar. Quero também viajar com a Mariana e minhas netas. Nós quatro, um mês pelo mundo.

Créditos

Imagem principal: Fernanda Gomes

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