Zezé Motta fala à Tpm sobre sua biografia, em que relembra mais de 50 anos de carreira, de Xica da Silva ao Black is beautiful, passando pelo Teatro Arena
“Se você quiser ouvir todas as minhas histórias, não vai dormir hoje!”, brinca Zezé Motta. Ao ser entrevistada, a atriz e cantora resgata memórias em detalhes, se emociona, solta gargalhadas e trata com leveza até os assuntos mais espinhosos. Aos 74 anos — são 50 de carreira — , ela lança a biografia Zezé Motta - Um canto de luta e resistência, escrita por Cacau Hygino, na próxima quarta-feira, dia 13 de dezembro.
No livro, ela relata um dos capítulos mais importantes da carreira, em que interpretou Xica da Silva, em 1976, no filme homônimo dirigido por Cacá Diegues. Na época, conquistou sucesso internacional e o título de sex symbol. “Essa história me causou problemas, porque eu tinha esse compromisso de ser um Mulher-Maravilha, não podia decepcionar os parceiros. Estava tão preocupada que esqueci meu próprio prazer. Precisei trabalhar isso na minha análise.” Vinte anos depois, voltou a se encontrar com Xica da Silva (dessa vez, interpretada por Taís Araújo, em novela da Rede Manchete) no papel de mãe da protagonista.
editarremoverZezé sempre usou a dramaturgia como ferramenta de resistência. Atuou no espetáculo Roda Viva, escrito por Chico Buarque, que foi um marco da luta contra a ditadura militar — o espetáculo voltou a ser reencenado pelo Teatro Oficina neste mês. Também integrou o Teatro de Arena levando a peça Arena conta Zumbi, dirigida por Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, aos Estados Unidos, na época de efervescência do movimento Black is beautiful. “Comecei a achar os negros de black power lindos e me perguntava porque no Brasil a gente se achava feio”, relembra. “Na infância e adolescência, passei por um processo muito sério de total negação das minhas origens, de embranquecimento.”
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Neste ano, ela gravou a terceira temporada da série 3%, da Netflix, prevista para 2019, em que interpreta a vilã Nair; atuou no longa M8 – Quando a morte socorre a vida, dirigido por Jeferson De, com previsão de estreia para o primeiro semestre de 2019, e segue fazendo shows do seu sétimo disco solo, O samba mandou me chamar, lançado em julho, com participações de Xande de Pilares e Arlindo Cruz.
Em entrevista à Tpm, a canceriana fala sobre envelhecimento, carreira, militância e relacionamentos.
Tpm. Como é envelhecer para você?
Zezé Motta. A minha profissão é privilegiada porque posso interpretar personagens de todas as gerações. Nas minhas orações, agradeço a Deus por poder fazer arte no Brasil, o que não é fácil. Sendo mulher, negra, com mais idade, fica mais complicado ainda. Os meios estão sempre querendo investir em novos rostos. Mas eu fiz 74 anos e tenho sido bastante solicitada, tem hora que acho que não vou dar conta de tudo.
Como lidou com a negritude na infância? Com uns 12 anos fui morar num prédio de classe média baixa, no Rio, e a maioria dos moradores era branca. As crianças falavam: “Seu cabelo é duro, ruim, sua bunda é grande, seu nariz é chato”. Isso me incomodava muito. Queria ser aceita. Entrei numa paranoia de que era muito feia. Pretendia, assim que tivesse dinheiro, fazer uma plástica no nariz, cheguei a investigar se havia alguma cirurgia que diminuía o bumbum. Na infância e adolescência, passei por um processo muito sério de total negação das minhas origens, de embranquecimento.
Você já comentou em entrevistas que demorou para assumir o cabelo crespo. Como foi isso? A minha mãe já alisava o cabelo, então, aprendi com ela. Comecei a alisar, mas não ficou muito legal. Assim que pude, comprei uma peruca chanel. Quando viajei para os Estados Unidos com o Teatro de Arena fui muito criticada por estar num grupo de vanguarda, representando a vida de Zumbi dos Palmares, usando uma peruca chanel. Os universitários do Harlem chamaram o [Augusto] Boal e perguntaram: o que essa alienada está fazendo no seu grupo? Boal respondeu que eu não era alienada, mas preferia o cabelo daquele jeito. Fiquei tão constrangida... Já acompanhava toda a movimentação do Black is beautiful, toda a vida de Angela Davis. Comentei o caso com a [cantora e compositora] Carmen Costa e, no dia seguinte, ela me levou de presente uma peruca black. Foi um dos melhores presentes que recebi na vida. Depois, deixei o cabelo natural, nunca mais tentei me embranquecer.
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E você já teve que alisar o cabelo para interpretar algum personagem? Já fiz uma novela, Corpo Dourado [1998], em que o diretor de arte queria que meu personagem tivesse cabelo liso porque ela era uma empresária e tinha que se diferenciar das funcionárias negras que usavam trancinha. “Tudo pela arte”, como a gente costuma brincar.
Como foi atuar em 3%, uma série que teve repercussão internacional? Foi uma experiência nova até mesmo porque minhas personagens nas novelas costumam ser boazinhas. O que gosto na personagem é que é uma vilã. Foi ótimo. Sempre faço a mãe e agora a avó! Já estou de avó, minha filha... E na vida real são seis netos.
Está solteira? Tô e não faz parte do meu projeto casar, no momento. Mas ainda estou na expectativa de ter um encontro de amor, uma companhia pra ir ao cinema, pra dar beijo na boca, dormir de conchinha. Tenho certeza que casar de novo não daria certo porque quando você fica muito tempo morando sozinha, acostuma com a ideia de ser dona do seu tempo, do seu espaço. Mas canceriano é movido a paixão, né? Sinto falta. Uma amiga minha disse que estava em crise porque estava apaixonada e não era correspondida. Falei: "Ai, que inveja, tô com uma saudade de me apaixonar [risos]".
O que ainda não fez e sonha fazer? Fiz um curta interpretando [a escritora] Carolina Maria de Jesus, dirigido pelo Jeferson De. Tinha uma proposta de gravar um longa [sobre a escritora], com outro diretor, mas ainda não rolou. Fiquei com esse sonho de fazer um longa dela, quero que sua história seja conhecida pelos brasileiros. Carolina tinha que entrar no currículo escolar.
Créditos
Imagem principal: Nana Moraes / Divulgação