A influenciadora e apresentadora de Nova Iguaçu fala sobre infância, fama na internet, BBB, cancelamento, racismo e relacionamento
Foi no quarto da sua mãe, com um colchão velho e um pano amarelo improvisados como fundo, que Camilla de Lucas começou a gravar vídeos para o YouTube. Com a alegria e naturalidade de sempre, ela ligava a câmera para mostrar suas maquiagens, ensinar a finalizar o cabelo ou dar dicas de moda. Tudo em meio a uma rotina corrida de estudos e trabalho na área das ciências contábeis, que teve que ser deixada de lado quando a fama começou a chegar. “É muito mais difícil para a mulher negra produtora de conteúdo ter um alcance grande. Eu acredito que fui uma exceção”, diz a carioca.
Em 2020, com vídeos curtos que mostravam todo seu talento para o humor, Camilla começou a ganhar mais projeção na internet. Além de contratos com marcas e grandes projetos, o sucesso a levou ao convite para participar do Big Brother Brasil. “Quando me ligaram e perguntaram ‘você quer participar do BBB?’, eu respondi na hora que queria. Só quando desliguei que fui pensar: ‘Gente, o que eu tô fazendo da minha vida?’”, lembra. Sem medo do cancelamento e falando o que pensava, a carioca saiu do programa como vice-campeã, e ganhou um contrato com a Rede Globo. Seu desafio mais recente foi ser co-apresentadora do programa "The Masked Singer Brasil".
No papo com a Tpm, Camilla fala sobre a infância em Nova Iguaçu, onde vive até hoje, haters, solidão da mulher negra, relacionamento – ela acabou de ser pedida em casamento por seu namorado, Mateus – e o papel dos influenciadores na luta por representatividade.
Tpm. Como foi sua infância?
Camilla de Lucas. Minha infância foi muito feliz, eu sempre fui uma garota muito animada. Cresci com aquele mix de poder brincar na rua desde que fizesse minhas atividades escolares. Os meus pais foram muito presentes na minha infância, sempre acompanharam tudo. As minhas amizades, o que eu fazia, minhas atividades. Lembro que na época de escola, do nada, durante a semana, meu pai falava que queria ver o meu caderno. Eu ficava super brava, ele conferia até se eu colocava a data no cabeçalho.
Qual era a profissão dos seus pais? Meu pai trabalhava na área administrativa de uma empresa de ônibus de turismo e a minha mãe era diarista.
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Você sabia o que queria ser quando crescesse? Eu tinha o objetivo de ser modelo. Sempre fui muito magra e muito alta, e eu gostava de acompanhar as top models. Mas isso foi mais na pré-adolescência. Quando pequena eu gostava muito de brincar de secretária. Sentava ali, pegava uns pedaços de papel do meu pai, e fingia que estava escrevendo. Acho que se não fosse influenciadora talvez seguiria nesse caminho da área administrativa.
Sua altura já te incomodou em algum momento? Chegou a sofrer bullying por isso? Na época de escola eu recebia alguns apelidos, né? Lembro de me chamarem de bambu, porque eu era magrinha. Eu não gostava quando alguém zoava, claro, mas nunca foi um complexo, nunca me magoou muito. O que ainda é um problema é a minha perna, que é muito comprida. Ainda é difícil encontrar calça, por exemplo. Essas coisas já me chatearam, mas hoje eu coloco um shorts curtinho para exibir a perna mesmo.
A Camilla adolescente, no início da juventude, era muito baladeira? Ah, eu sempre gostei de sair. Mas a minha mãe era muito medrosa, até hoje ela é. Lembro da primeira vez que eu saí para uma casa de shows aqui em Nova Iguaçu. Estava chovendo e minha mãe ficou lá, na porta da casa dos meus primos, até a hora de a gente ir embora. Mas agora que moro sozinha já me livrei, a pressão sobrou para o meu irmão, que ainda mora com a minha mãe.
Você tem quantos irmãos? Eu tenho só um irmão, Gabriel, que é mais novo que eu. Graças a Deus, brinco que é só uma pessoa para dividir o pedacinho de terra.
Como é sua relação com a família? Os meus pais são separados, mas os dois vivem perto de onde eu moro hoje. Então eles estão sempre me visitando, eu vou na casa deles. Temos uma união muito bonita, é todo mundo próximo. Amo viajar com a família do meu pai, levar a minha mãe para passear.
Como você decidiu começar a criar conteúdos na internet? Eu sempre acompanhei algumas blogueiras, e pensava: ‘Será que um dia posso ser também?’ Mas eu postava no Instagram sem muito objetivo de trabalhar com isso. Até que as pessoas começaram a perguntar onde era tal lugar que eu estava, de onde era minha roupa, sobre minha maquiagem, meu cabelo – que era algo que eu amava. E aí decidi criar um canal no YouTube. Em abril de 2017 postei o primeiro vídeo e, para quem não tinha seguidores ainda, tive muitas visualizações. Achei legal e decidi continuar, sem pretensão de virar um trabalho, como um hobby mesmo. Em dezembro fechei meu primeiro contrato com uma marca de cabelo, e acabou que deu certo.
Nessa época você estudava? Eu fazia faculdade de Ciências Contábeis e trabalhava na área administrativa de uma imobiliária. A minha rotina era muito doida. Se eu tinha um vídeo de cabelo para gravar, por exemplo, eu acordava mais cedo, me gravava finalizando o cabelo com creme e ia para o trabalho, porque demorava para secar. Eu trabalhava perto de casa e por isso voltava para almoçar. Comia super rápido e mostrava o resultado do cabelo. À noite, eu ia para a faculdade, que começava às seis e meia, e ao voltar editava o vídeo.
E deu pra aguentar nesse ritmo por muito tempo? A primeira decisão que tomei quando as oportunidades começaram a aparecer foi sair do meu trabalho, porque eu comecei a viajar muito para São Paulo. No início meu chefe até me liberava no sábado, mas começaram a aparecer jobs na semana, com uma grana bem legal, e decidi sair. Só que aí a faculdade também começou a ficar complicada. Sempre tirei notas boas, e não estava conseguindo manter. Quando tirei um cinco, falei: ‘Não dá, vou trancar’. E, além disso, já não estava mais sentindo aquela vontade toda de continuar o curso.
Você sentia falta de blogueiras negras? Já existiam várias criadoras de conteúdo negras na época, pelo menos no YouTube. Mas o que eu sempre problematizei é por que essas meninas não têm o alcance que elas merecem. Até hoje temos gente muito incrível que produz conteúdo e não tem um alcance muito grande. Eu acredito que eu fui uma exceção nesse meio. Tinha gente tão boa quanto eu, mas para a mulher negra produtora de conteúdo é muito mais difícil.
Você tinha um espaço para gravar os vídeos? Eu gravava os vídeos no quarto da minha mãe. Fazia uma bagunça, ela ficava irritada, era uma confusão. Apesar de gostar, eu nunca fiquei presa a ter o melhor cenário, uma câmera incrível, para fazer acontecer. Porque eu acreditava – e acredito – que aquilo que vai prender o público é o que eu estou falando. Eu dava um jeito. Lembro que na época queria ter um fundo amarelo, mas não tinha uma parede amarela. Fui ao centro de Nova Iguaçu, comprei um tecido e prendi em um colchão velho que minha mãe tinha para visitas. Tem até um vídeo em que eu tô dançando e o colchão cai na minha cabeça. E eu deixei, porque é a vida real. As pessoas se identificam, querem ver isso.
Você estava em uma carreira ascendente. Foi difícil a decisão de ir para o BBB? Que nada. Quando me ligaram e perguntaram: ‘Você quer participar do BBB?’, eu respondi na hora que sim. Quando desliguei que fui pensar: ‘Gente, o que eu to fazendo da minha vida?’. Mas é porque eu sou assim, se eu quero uma coisa não fico nem na dúvida. Já faço na hora pra não mudar de ideia. Mas é importante, para as pessoas públicas que querem participar, levar em consideração, pensar bem sobre, porque tudo muda. As pessoas me viram acordar com o pijama cinza, com cara de remela. É muita coisa, você expõe todos os seus lados, todas as suas fraquezas.
Você tinha medo das pessoas não gostarem de você? Do cancelamento? Eu sempre fui muito segura quanto a isso. Participar de um programa como esse é uma provação de público, é um risco as pessoas gostarem de você ou não. E sobre o cancelamento, não que seja normal, mas eu já sabia que podia acontecer. Ainda mais nessa época em que todo mundo, por qualquer coisa, quer ser contrário àquilo que você acredita. Eu não tive medo, mas quando voltei do meu primeiro paredão, eu gritei: 'Eu não tô canceladaaaa’.
O que você sentia quando estava lá dentro? A minha linha de perfil na internet sempre foi do humor. Só que lá dentro da casa eu fui pega de surpresa, porque eu vivi muitos momentos bons, mas também tive momentos em que eu sofri muito. Então eu não sentia tanta vontade de ficar rindo o tempo inteiro. E eu sabia que o pessoal estava esperando que eu ficasse zoando, brincando, fazendo barraco. Eu faço barraco nos Stories? Faço. Mas eu faço quando eu acho que eu tenho que fazer, não por conta da expectativa do outro. Eu até tive vários memes porque eu sou muito expressiva, mas eram coisas naturais, nada programado pela expectativa daqui de fora.
Como foi chegar lá e ver vários participantes negros? Eu fiquei muito feliz. Eu já falava muito sobre a quantidade de pessoas pretas em reality. Quando cheguei, eu pensei: ‘Poxa, será que só vai ter eu?’. E aí fiquei muito feliz quando percebi que não. A primeira pessoa que eu abracei lá dentro foi o João, e já rolou uma conexão.
Foi fácil ficar tanto tempo sem o celular? Eu era completamente viciada em internet, estava sempre no celular. A parte do pré-confinamento foi a mais difícil, a que eu mais sofri. Mas lá dentro eu acabei esquecendo, você se acostuma. Em alguns momentos em específico me dava uma vontade de entrar no Twitter, pra saber o que estavam falando da gente, o que estava acontecendo aqui fora. Hoje já até dei uma diminuída no celular, não fico o tempo inteiro nas redes sociais.
Falando em redes sociais, como você lida com os haters? Eu sinto vontade de xingar todo mundo, de mandar todo mundo tomar naquele lugar. Dá vontade de rebater, mas não adianta nada. Da mesma forma que as pessoas que gostam de você vão estar ali contigo, as pessoas que não gostam vão estar. Por isso eu só bloqueio. Eu já respondi muito, gravei vídeo mandando indireta. Mas é um processo de amadurecimento, de não passar por esse desgaste.
E as críticas e cobranças que vem por parte de pessoas que gostam de você? Acho que as pessoas muitas vezes não entendem que não é porque eu compartilho algumas coisas da minha vida que elas têm o direito de opinarem em tudo.
Você acredita que ainda é mais difícil para mulheres negras ocuparem o espaço de influenciadoras? Sim, e eu acho que é importante quem já está trabalhando na área cobrar das marcas. Olhar para uma campanha e perguntar: ‘Por que não tem mais mulheres negras?’ A gente tem que chamar, tem que cobrar para que as marcas tragam outras meninas também. Tem muita produtora de conteúdo incrível que só precisa de oportunidade.
Como você lida com se posicionar na internet? Eu sou muito sem filtro. Falo o que eu acredito, seja na política, na vida pessoal. Não fico com receio de as pessoas se incomodarem. Mas eu não acho que uma pessoa pública tem que se posicionar sobre tudo, só sobre aquilo que ela se sente confortável. Até porque temos um alcance muito grande na internet, dar uma informação errada é péssimo. É importante ter responsabilidade.
Você é organizada com o dinheiro? Com o que mais gosta de gastar? Eu sou uma pessoa muito organizada com as finanças. Eu trabalho com internet, é tudo muito novo, muito incerto, então eu me preocupo com o futuro. Mas eu não abro mão de aproveitar o momento também. Por exemplo, eu gosto muito de viajar, e de viajar e com conforto. Comida também, eu como muita besteira, então eu amo comprar lanche. Tanto que odeio gastar dinheiro com comida que é péssima, eu fico revoltada. Mas não ligo para roupas caras, bolsas, sapatos.
Há algum tempo, você presenteou seu pai com um carro. Como é poder proporcionar essas coisas para sua família? Os meus pais sempre fizeram tudo que podiam por mim. Se na época eu não podia ter o melhor videogame, eu tinha o mais simples, que era o que eles podiam fazer pra me deixar feliz. Nunca faltou nada, meus pais abriam mão de coisas pra eles e faziam pra mim e para o meu irmão. Eu já sabia do desejo do meu pai de ter um carro, e quando tive condições o presenteei. Eu amo presentear o outro, e fiquei muito feliz de poder proporcionar isso a ele.
Você acabou de ser pedida em casamento. Como é a Camilla em um relacionamento? Tô até com medo de responder, porque meu namorado está aqui na minha frente. Eu acho que sou carinhosa – do meu jeito, mas eu sou. Não sou ciumenta, sou bem tranquila. Mas de todas as características de um relacionamento, a que mais sou é amiga. Eu e o Mateus temos uma parceria muito grande, a gente se diverte sozinhos, em grupo, se tem uma fofoca a gente já corre pra contar um para o outro. Nós começamos a namorar porque tínhamos uma amizade, acho que é por isso que dá certo.
Hoje você está em um relacionamento, mas já sentiu a questão da solidão da mulher negra? Com certeza, isso é muito presente. Eu vejo que a maior parte das mulheres a partir de 40 anos que está sozinha é negra. Mulheres que também criaram seus filhos sozinhas. Eu escuto muito esse discurso de não querer casar, não querer entrar em outro relacionamento, porque homem não presta. Até ter o meu relacionamento de agora, eu pensava muito isso. Mas encontrei uma pessoa que gosta de mim de verdade, que me valoriza, que também entende todas essas questões, porque é muito importante estar com alguém que pensa parecido com você. Eu converso muito com as minhas amigas sobre a solidão da mulher negra, porque pode afetar nossa autoestima. Acho que a gente tem que montar mesmo uma base de reforço, de acolhimento. E até conversar com os homens, os filhos, para que valorizem essas mulheres e as respeitem da forma que elas merecem.
Você tem religião? Como é sua relação com a fé? Não tenho uma religião em específico, mas eu acredito muito em Deus. Tenho essa ligação forte na minha vida. Por já ter sido evangélica, de estar presente em todos os cultos, talvez seja a religião que eu tenha mais proximidade. Mas eu sei que Ele está presente comigo, independente da minha religião ou não.
Você acabou de fazer 27 anos. Se acha muito libriana? Eu não entendo muito de signo, não, mas eu acho que tem algumas coisas que tem a ver. Por exemplo, o signo de libra é o da balança, e eu sou uma pessoa que tem a vibe justiceira. Odeio ver as pessoas falando algo que não é verdade. E a minha teimosia acho que tem a ver com isso também.
O que você espera desse novo ciclo? Eu confesso pra você que eu já tô entrando naquela crise de: 'Meu Deus, já tenho 27 anos, será que ainda não tem uma poção mágica pra voltar para os 20 e aproveitar mais? Mas assim, parece que cada ano que passa minha vida se torna melhor. Então espero que o próximo ano seja melhor que o de 26. E se for melhor, nem tô preparada pra isso. Se seguir assim, imagina quando eu estiver nos 40?
Quais são seus próximos sonhos? Eu tenho vários sonhos, mas eu sempre gostei da sensação de ser surpreendida, sabe? Toda vez que eu quis algo, sem pedir sem imaginar, sempre foi mais do que eu imaginei. Então eu vou deixando a vida me levar, leva eu.
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