por: Vivo

O recorde mais importante da Olimpíada já foi quebrado

apresentado por Vivo

Já era tempo de alcançarmos o marco histórico que levou mais de um século (e muita luta) para ser conquistado: nos Jogos de Paris, teremos igualdade no número de atletas homens e mulheres

Quando 241 atletas se reuniram em Atenas, na Grécia, para a primeira celebração dos Jogos Olímpicos modernos em 1896, não havia nenhuma mulher entre eles. Duas décadas depois, na estreia da delegação do Brasil na competição, 65 mulheres participaram dos jogos disputados na Antuérpia (1920), entre mais de 2.500 homens. Nenhuma era brasileira. Foi necessário mais de um século de luta para uma conquista histórica: a total paridade de atletas homens e mulheres em um dos maiores eventos esportivos do mundo. Entre os 10 mil atletas que desembarcam em julho em Paris para disputar a 33ª edição da Olimpíada, metade é mulher. Já era tempo de alcançar esta marca – e essa conquista é de todas as mulheres que lutaram por ela.

Foram atletas como a nadadora Maria Lenk, que aos 17 anos foi a primeira (e única) mulher entre 82 homens da delegação brasileira nos jogos de Los Angeles (1932); a saltadora Aída dos Santos, que desafiou o preconceito e o racismo para entrar para a história; a jogadora Marta, que marcou ao menos um gol em todas as cinco edições dos Jogos Olímpicos que participou. Foram Daiane dos Santos, Formiga, Rafaela Silva, Maurren Maggi, Fofão, Hortência, Ana Marcela Cunha, Fabiana Murer, Adriana Behar, Shelda Bedê, Martine Grael e outras tantas que quebraram recordes, abriram caminhos, inspiraram meninas e tiveram que enfrentar desafios muito além das competições. Foram todas as que não se calaram diante da falta de participação, apoio, patrocínio e visibilidade das mulheres em competições para provar que lugar de mulher é, sim, no esporte.

O caminho foi (e segue sendo) longo. As mulheres foram oficialmente autorizadas a participar dos Jogos Olímpicos pela primeira vez em 1900, em Paris, onde 22 atletas competiram em cinco esportes. Na época, elas representavam menos de 2% dos participantes. A representatividade feminina cresceu gradual e lentamente ao longo das décadas até chegar à paridade numérica nos Jogos de 2024. Ainda que as brasileiras tenham estreado na competição em 1932, com Maria Lenk, levou mais de 30 anos para que chegássemos a uma final olímpica, com Aída dos Santos disputando a medalha no salto em altura. Mas o primeiro ouro brasileiro feminino só chegou em 1996, em Atlanta, com a dupla Jackie Silva e Sandra Pires no vôlei de praia. 

A Olimpíada de Londres, em 2012, foi a primeira edição a ter mulheres competindo em todas as modalidades. Por incrível que pareça, até então não era permitido que disputássemos, por exemplo, no boxe. A limitação da participação feminina em alguns esportes demorou a ser superada – e enfrentou muita resistência. No Brasil, chegou até a ser oficializado um decreto-lei que proibia as mulheres de praticarem esportes "incompatíveis com a sua natureza", como o futebol e a luta. Assinado por Getúlio Vargas em 1941, o veto só foi derrubado em 1979. As autoridades afirmavam que o corpo das mulheres era "delicado demais" para tais esportes e a violência nos gramados poderia prejudicar a "maior missão" das mulheres: ser mãe. A maternidade, inclusive, segue sendo um desafio para as atletas, que ainda estão longe da equidade de condições de treinamento, patrocínio e visibilidade na mídia.

A pressão por iniciativas e políticas que promovem a equidade de gênero, tanto em âmbito nacional quanto internacional, foi crucial para alcançar avanços – e segue sendo indispensável para abrir caminho para novas conquistas. A "Agenda 2020", do Comitê Olímpico Internacional (COI), é um exemplo da resposta a essa cobrança. Uma espécie de roteiro para o futuro da competição, ela incluiu entre suas recomendações a igualdade de gênero não só entre os participantes, mas também em cargos de liderança e gestão esportiva. Atletas também têm tomado a frente nessas iniciativas, usando sua visibilidade para lutar por mudanças concretas. Figuras como a jogadora de futebol Marta tem amplificado essa voz, incentivando que as mulheres se apoiem nessa batalha e tornem-se referências não só umas às outras, mas também para as próximas gerações. "Hoje a gente sai na rua e os pais falam. 'Minha filha quer ser igual a você'", afirmou Marta em uma entrevista coletiva. "Hoje temos nossas próprias referências. Não teria acontecido isso sem superar os obstáculos. É uma persistência contínua". E essa persistência está longe do fim. Afinal, já é tempo de derrubar toda e qualquer barreira e desigualdade para as mulheres no esporte.

Ao lado da Vivo, que embarcou nessa luta e celebra este recorde inédito no Dia das Mulheres, listamos algumas atletas que fazem parte dessa história – e que você precisa conhecer:

Rebeca Andrade: ginasta de ouro

Natural de Guarulhos, na Grande São Paulo, Rebeca Andrade foi criada pela mãe, Rosa Santos, que era empregada doméstica, com a ajuda de seus quatro irmãos — que viraram sete após o segundo casamento da matriarca. Embora gostasse de dançar e dar cambalhotas quando criança, a atleta revelou que o esporte chegou de surpresa em sua vida. Aos 4 anos, sua tia a levou para aulas no ginásio onde trabalhava. Aos 9, se mudou para outros estados para treinar e, aos 13, já estava competindo pela seleção brasileira. Hoje, aos 24 anos, ela é um dos nomes mais importantes da ginástica artística mundial. Na Olimpíada de Tóquio 2020, Rebeca se tornou a primeira ginasta do Brasil a ser campeã olímpica e a garantir duas medalhas (ouro e prata) numa única edição dos Jogos. Já no Mundial de Ginástica Artística de 2023, faturou o título de maior medalhista brasileira num único torneio (ela subiu cinco vezes no pódio). A campeã faz questão de enaltecer suas origens. “Baile de Favela”, música de MC João, virou marca registrada da atleta. Ela, que é fã de funk, explicou que a escolha da canção na apresentação que lhe rendeu a prata olímpica foi uma homenagem à cultura brasileira. "Sou negra e vou representar preto, branco, marrom, todas as cores, verde, amarelo. Acredito que fiz isso hoje, trazendo minha música para cá", declarou depois da vitória.

Rayssa Leal: prodígio do skate

Nascida em Imperatriz, no interior do Maranhão, Rayssa Leal ficou famosa aos 7 anos, quando viralizou na internet um vídeo em que ela aparecia vestida de Sininho, personagem de Peter Pan, encaixando no maior estilo a manobra conhecida como heelflip. Em 2019, com apenas 11 anos, estreou nas competições internacionais. Naquele ano, competiu na Street League Skateboarding Championship Super Crown 2018, no Rio de Janeiro, e terminou em 13º lugar. Rayssa iniciou sua ascensão no esporte num momento-chave, quando a marginalidade conferida ao skate até meados dos anos 2000 deu lugar a grandes investimentos e a entrada nos Jogos Olímpicos. Aos 13 anos, ela conquistou a prata na Olimpíada de Tóquio 2020, tornando-se a mais jovem medalhista olímpica brasileira. "Eu fico maravilhada e me sinto incrível por representar o Brasil e todas as meninas com essa medalha", declarou. Campeã pan-americana e medalha de ouro no skate street dos Jogos Pan-Americanos em Santiago, no Chile, em 2023, a skatista é uma das principais figuras do esporte e inspiração para uma ainda mais nova geração.

Aída dos Santos: um salto para a história

Na delegação dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964, havia apenas uma mulher: o nome dela era Aída dos Santos. Negra e cria do Morro do Arroz, favela em Niterói (RJ), a atleta superou o racismo e a desigualdade de gênero para dar um salto, literalmente, para a história. Naquela altura, ela era a terceira mulher negra a defender o Brasil em Jogos Olímpicos — antes dela, Melânia Luz (Londres 1948) e Wanda dos Santos (Roma 1960), ambas no atletismo, haviam superado a barreira racial para figurar entre as atletas. Na capital japonesa, Aída brilhou. Ela conquistou o melhor resultado de uma mulher na história olímpica brasileira até então: quarto lugar no salto em altura. Mas o preconceito a acompanhou desde cedo, quando começou a jogar vôlei na juventude. "Não pude praticar como gostaria porque, naquela época, negro não jogava voleibol. Lembro de uma partida em que eu era a única negra em quadra e ouvi da arquibancada: ‘Sai daí crioula, o teu lugar é na cozinha!’. Quando terminou o jogo, pedi o microfone: ‘Meu lugar é na cozinha, na sala, no quarto, na varanda, mas também numa quadra de esporte", disse ela em entrevista ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Foi graças ao esporte que Aída conseguiu bolsas de estudo e formou-se em Geografia, Pedagogia e Educação Física. Deu aulas de natação e lecionou na Escola Estadual Aureliano Leal, onde começou no esporte, e em universidades, como a Gama Filho e a Universidade Federal Fluminense (UFF). “Sou uma mulher-leoa. Sei lutar por aquilo que eu quero. Valeu a pena tudo o que passei. Por isso, incentivo todo mundo a praticar esporte. O esporte vai levar você longe, porque mesmo quem não se destacar será um cidadão melhor. Se eu tivesse desistido da seletiva e não fosse a Tóquio, eu estaria no morro, lavando roupa para fora, trabalhando de faxineira. Querer é poder”, disse ela.

Marta Silva: rainha do campo

No país onde o futebol é uma paixão nacional e um reduto predominantemente masculino, Marta Vieira da Silva desafiou estereótipos para se tornar uma lenda. Nascida na cidade de Dois Riachos, no interior de Alagoas, em 1986, Marta passou por todas as privações das crianças da região. Aos 6 anos tomou gosto pelo futebol e, aos 9, era a única menina do time da escola e nas peladas de rua. Hoje, aos 38 anos, a alagoana coleciona muitos títulos, recordes e atuações de tirar o fôlego até de quem não gosta de futebol. Eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo, é a atleta com mais gols na história das Copas do Mundo, com 17 gols; a maior artilheira da seleção brasileira, com 122 gols, foi a primeira a balançar as redes em cinco edições do torneio (antes de Cristiano Ronaldo) e ainda tem duas medalhas de ouro nos Jogos Pan-Americanos, em 2003 e 2007. Na Olimpíada, Marta também é uma lenda. Ela participou de cinco edições e foi a primeira mulher a marcar um gol em todas elas. Com a seleção brasileira, garantiu duas medalhas de prata, nos Jogos de Atenas, em 2004, e Pequim, em 2008. Além de abrir caminhos e de ser inspiração para diversas jovens atletas, a jogadora é embaixadora da ONU Mulheres no esporte. Ela foi escolhida pelas Nações Unidas como defensora da igualdade de gênero e do empoderamento feminino até 2030. “Quando comecei a jogar, eu não tinha um ídolo no futebol feminino. Não mostravam o jogo, como eu ia ver? Como eu ia entender que poderia chegar a uma seleção e me tornar uma referência?", disse Marta. "Minha luta é por respeito, igualdade e reconhecimento dentro e fora de campo".

Maria Lenk: pioneira olímpica

A paulistana começou a nadar aos 10 anos no Rio Tietê, em São Paulo, para “fortalecer os pulmões” após ter sobrevivido a uma pneumonia. Maria Lenk tomou gosto pelas águas e, desafiando os padrões de sua época, se tornou a primeira sul-americana a participar de uma Olimpíada, nos Jogos de 1932, em Los Angeles, quando tinha apenas 17 anos. Única mulher entre os 82 atletas da delegação naquele ano, ela se opôs às limitações impostas simplesmente por ser mulher e inovou no esporte aquático, popularizando o estilo borboleta, considerado por muitos o nado mais difícil. Em 1939, ano considerado o auge de sua carreira, a nadadora quebrou dois recordes mundiais: nos 400 metros e 200 metros do estilo peito. “Havia um conceito do amadorismo. Eu competi com um uniforme emprestado. Tive que devolver quando as provas acabaram”, revelou, sobre as dificuldades que enfrentou. Lenk esteve no Top 10 Masters por 20 anos, até sua morte, em 2007, aos 92 anos. Em 2022, ela se tornou Patrona da Natação Brasileira, título conferido para reconhecer seu legado no esporte.

Sandra Pires e Jackeline Silva: parceria de ouro

A espera de um século pela subida de uma mulher brasileira ao lugar mais alto do pódio terminou não com uma, mas duas medalhas douradas de uma só vez. Isso porque o primeiro ouro feminino do Brasil veio no vôlei de praia, nos Jogos Olímpicos de Atlanta 1996, ano em que a modalidade estreou na competição. Em uma final verde-amarela, Jaqueline Silva e Sandra Pires se tornaram as primeiras mulheres brasileiras campeãs olímpicas e abriram caminho para o domínio no vôlei de praia feminino ao vencer Adriana Samuel e Mônica Rodrigues — que ficaram com a prata. “Eu fui cortada da seleção porque eu lutei pelo reconhecimento das mulheres no esporte. Eu podia ter ido fazer outra coisa, mas tive a paciência de continuar no meu caminho e nessa luta. E isso virou a primeira medalha de ouro olímpica feminina. É algo extraordinário, é ser campeã eterna", disse Jaqueline. "Foi muito simbólico eu e Sandra Pires termos ganhado a medalha em um momento em que as mulheres não tinham reconhecimento no esporte. Isso abriu as portas do esporte feminino no Brasil, tudo começou a mudar."

Créditos

Imagem principal: Reprodução / Divulgação

Fotos: Reprodução / Instagram / Divulgação / Comitê Olímpico Brasileiro / Confederação Brasileira de Skate /

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