por Alê Youssef

A Bienal, grande festa de hype, turismo e cultura de Veneza, aborda muitos temas políticos

DIRETO DE VENEZA

Veneza é uma maravilha. A história e a beleza da cidade encantam. Não ha um ângulo de visão que não seja majestoso e espetacular e nos dias ensolarados de setembro, tudo fica mais gostoso.
A cidade mais contemplativa do mundo que recebe em qualquer época do ano milhares e milhares de turistas, bomba ainda mais com dois mega eventos acontecendo simultaneamente: o Festival Internacional de Cinema e a Bienal das Artes. Entre os enormes grupos de japoneses, americanos e italianos que andam pra cima e pra baixo desbravando igrejas, monumentos e praças e casais apaixonados flutuando em gôndolas pelos canais,  circulam astros de Hollywood, produtores milionários e demais celebridades do Festival, além de hipsters de todo mundo, artistas excêntricos, colecionadores de arte e intelectuais antenados da Bienal.
Essa grande festa de hype, turismo e cultura, ganhou um caldo a mais esse ano: a política.  Veneza é nesse momento, além de tudo, uma cidade engajada.

A ilha do Lido, sede do Festival de Cinema, com seu tapete vermelho, clubes à beira mar e mansões espetaculares,  foi palco de boas manifestações. Michael Moore e seu documentário anti capitalista bradou contra o sistema, Oliver Stone celebrou Hugo Chaves em seu filme e o próprio presidente Venezuelano circulou por ali com direito `a discurso anti imperialismo europeu.  Filmes retratando a situação do Líbano,  questionando a igreja católica e mensagens de nomes como Nicolas Cage, estimulando novos cineastas a meterem a mão na massa, deixaram tudo ainda mais interessante. O grande destaque - que inclusive tive oportunidade de assistir - é o filme Soul Kitchen, do diretor alemão de família turca Fatih Akin. O filme muito divertido, aborda a sempre complicada questão da imigração.

No Pavilhão Arsenalle, sede principal da Bienal das Artes - onde ficam expostas as obras selecionadas pelo diretor da mostra, o sueco Daniel Birnbaum - a aproximação entre arte de política se fez muito presente.  Com uma curadoria bastante amarrada, temas como sustentabilidade, vida em sociedade,  capitalismo selvagem, geopolítica, urbanismo, reorganização das cidades, opressão, consumismo, religião e intolerância pautaram muitas obras.

Ao entrar no Arsenalle, o tom político fica evidente com  uma imensa flâmula feita em tapeçaria estampando a cara de todos os presidentes do G20 (inclusive do presidente Lula) e alusões ao lucro e escravidão que o sistema capitalista gera.

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Em uma série de desenhos com caneta hidrográfica em papel  intitulado Pattern Protects, a artista sérvia Marjetica Potrc, recriou um mapa do mundo imaginário, enfatizando pontos positivos e negativos de cidades e a busca pela sustentabilidade  e proteção. A particularidades de cada região são tão profundas que sobre São Paulo a artista enfatizou a pixação (que aliás ta virando moda na Europa).

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O tibetano Gonkar Gyatso, usou a estética das Thangkas - tradicionais pinturas religiosas do Tibet e Nepal - para representar um Buda que irradia stickers de ícones pop do século 20, numa manifestação artística explicita que liga religião, cultura pop e consumismo. Quando visto de longe a aparência é mesmo de um Thangka, mas de perto, os detalhes revelam a crítica.

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Utilizando projetores, Paul Chan de Hong Kong, faz de sua obra uma reflexão sobre a escravidão, a lei e o sexo, inspirada no sadismo e na tortura. A idéia da exclusão de qualquer direito de quem é explorado fica muito evidente.

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Os russos Elena Elagina e Igor Makarevich alertam o mundo para o perigo do totalitarismo com a águia nazista congelada.  O descongelamento gradativo pode significar uma possível volta do regime totalitário e intolerante.

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Anawana Halona da Zâmbia, representa através de um simples quiosque de rua  com produtos de países do terceiro mundo, a hipocrisia das políticas para estrangeiros  e acordos de livre comércio dos países do G8.

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O alemão  Tomas Bayrle cria com desenhos e arte gráfica típicos da Pop Art, uma discussão interessante entre o coletivo e o individual, com seu “carro cidade”. A ilusão se repete: de longe um carro e de perto a cidade dentro do carro.

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O consumismo é abordado de forma genial pelo chinês Chu Yun, que reúne diversos aparelhos eletrodomésticos em uma sala escura e cria, através das pequenas luzes que cada aparelho emite, uma nova constelação.

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Além das manifestações políticas do roteiro oficial da Bienal, o circuito off, ou seja, as exposições que estão em Veneza, mas não são vinculadas diretamente à Bienal, também trazem conteúdo engajado.

O grande destaque desse circuito extra oficial é com certeza a mais interessante exposição que vi: a Maping the Studio – coleção particular do bilionário francês François Pinault – mega investidor e dono de marcas como a Gucci. Seu acervo reúne obras de um dream team da arte contemporânea, entre eles Jeff Koons, Paul Mac Carthy, Takashi Murakami, Maurizio Cattelan, Feliz Gonzáles Torres e Barbara Krugrer.

Nesse universo milionário, a política aparece principalmente na reflexão sobre o totalitarismo. Mari Handofouth apresenta a pista de dança com luzes piscando no chão, em frente a um grande painel com diversas fotos, desenhos e imagens de ícones da intolerância, entre ditadores reais e personagens de filmes caracterizados por atores etc. Para mim, o grande hit pop da Bienal.

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Considerando que tudo isso está inserido em um vanstíssimo universo artístico com diversos outros conteúdos, estar em Veneza para testemunhar o encontro da Bienal das Artes e o Festival de Cinema é um dos melhores programas no mundo para quem gosta de cultura. Daqui a dois anos, tem mais.

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