Entrevista com Rodrigo Pimentel nas Páginas Negras

por Jan Theophilo
Trip #89

Policial jovem e idealista que serviu 12 anos no Bope, o capitão Rodrigo Pimentel pediu baixa da corporação, desencantado com o estado das coisas, a corrupção e a ineficiência da polícia brasileira

O capitão Rodrigo Pimentel se rendeu. Famoso por criticar de forma aberta e inteligente a Polícia Militar, onde serviu 12 anos no Bope (Batalhão de Operações Especiais), ele acaba de pedir baixa. Nesta entrevista, um dos melhores policiais do Rio de Janeiro explica por que abandonou a polícia – após uma série de pressões e represálias que sofreu na esteira de sua participação no documentário Notícias de Uma Guerra Particular, de João Salles, onde dá um depoimento amargo sobre a situação da polícia brasileira.

Para Rodrigo, a PM carioca transformou-se numa fábrica de “sádicos que matam sem qualquer assistência psicológica como nenhuma outra polícia no mundo”. Diz que os policiais não estão onde deveriam estar para dar segurança à população, porque precisam perseguir metas de apreensão de armas e drogas. "Virou uma polícia de estatística", diz o ex-capitão. A crítica contundente à política de segurança é ilustrada com casos impressionantes de violência nas ruas da cidade, vividos e reportados em detalhes por ele.

Rodrigo Pimentel tem 30 anos e nasceu no dia 2 de março de 1971 na Vila Militar do Rio de Janeiro. É filho de um general e irmão de três outros capitães das Forças Armadas. A mudança da família Pimentel para a Urca, bairro da Zona Sul localizado aos pés do Pão de Açúcar, permitiu a Rodrigo viver uma adolescência de classe média tradicional nos anos 80. "Eu até tomava uma cervejinha, mas não gostava de meus amigos fumarem maconha", lembra ele, que, após sua experiência nas ruas, hoje defende a legalização total das drogas. Torcedor do Fluminense, nunca foi de freqüentar muito o Maracanã. Rodrigo preferia sair de casa para assistir a shows na cena emergente do punk rock daqueles anos: "Eu ia ao Circo Voador ver show do Cólera, dos Replicantes, dos Inocentes. E só ouvia a Fluminense FM", diz referindo-se à "Maldita", extinta rádio niteroiense de rock que fez história em décadas passadas.

ELITE

"Sem dúvida as letras eram o contrário do que eu pensava, mas, quanto mais eu as ouvia, me dava ainda mais vontade de ser polícia", afirma Rodrigo. O namoro com a corporação começou aos cinco anos de idade, quando o seriado americano SWAT passou a ser exibido na televisão. "Se quiser, cito o nome de todos do elenco", conta orgulhoso, mencionando também séries como Plantão de Polícia e Vegas, que fizeram sua cabeça. "Acho que toda criança um dia sonha em ser astronauta, bombeiro ou policial. A minha vontade nunca passou", diz ele, explicando como acabou virando "tira".

 Como a polícia do Rio pouco oferece em termos de treinamento especializado para seus oficiais, parte deles vai estudar no exterior. Nos 12 anos em que esteve na polícia, Rodrigo fez cursos em Israel, Inglaterra e Estados Unidos, pagos com dinheiro do próprio bolso. São chamados cursos táticos, onde o policial aprende qual o melhor armamento usar para cada tipo de operação, buscando a menor possibilidade de causar feridos. Nessas aulas e nas amizades que começou a fazer com policiais estrangeiros, Rodrigo começou a perceber que havia algo de muito errado em seu sonho. "Eles não acreditavam que a polícia do Rio sobe morro sem colete nem rádio, por exemplo. Por outro lado, eu comecei a ver que nosso trabalho não é feito de maneira inteligente." Em 1994, uma operação de madrugada em uma favela do Complexo do Alemão deu outra mexida na cabeça do capitão. Ao entrar em um barraco, Rodrigo deu de cara com uma ratazana gigantesca passando ao lado de um neném que dormia em uma esteira. "E a mãe achava aquilo tudo muito normal", lembra ele.

O impacto deflagrou uma nova fase na vida de Rodrigo, que passou a estudar questões relativas a segurança pública com cada vez mais seriedade. Dedicou-se ao tiro de longa distância, o chamado sniper, e a treinar os calouros do Bope. No relato desconcertante que se segue, capitão Rodrigo narra suas aventuras nos morros cariocas, comenta ações desastradas da polícia - como a do seqüestro do ônibus 174, no Rio, que resultou na morte da refém - e fala sobre o que aprendeu na profissão. "O que mais valeu pra mim foram as experiências de vida, ter adquirido noção dos problemas sociais brasileiros", conta ele, que também revela sua maior decepção: "Foi perceber que a polícia é uma polícia do governo e não do povo. É a mesma mentalidade de 1813, quando criaram a Guarda Real no Rio de Janeiro, cuja maior preocupação era reprimir os capoeiras. Não vou dizer que pouco mudou; não mudou foi nada." 

Trip - É verdade que desde o lançamento do filme Notícias de Uma Guerra Particular, de João Salles, você vem sofrendo perseguições? RODRIGO PIMENTEL -  Primeiro fui proibido de participar do lançamento do vídeo em São Paulo. A ordem veio do comando da Polícia Militar. O chefe do estado maior, atual comandante geral da PM, coronel Wilton Soares Ribeiro, viu o filme e me proibiu de participar do lançamento. Não aceitei a proibição e fui lá assim mesmo. Meus superiores ficaram espantados com a tônica da minha crítica. Segundo eles, eu teria tocado em assuntos delicados da política de segurança pública.

O que incomodou tanto o comando da PM? Foi a frustração de um oficial da polícia em participar daquela política de operação em favelas. Veja bem, eu não sou contra essas operações, desde que você tenha um objetivo razoável a ser alcançado: você saiba onde tem um cativeiro, uma casa de endolação [onde são feitas as trouxinhas de maconha], você saiba onde está um traficante conhecido da justiça. Agora, operação meramente para ir na favela buscar o confronto com o marginal, acho que isso não é segurança pública. Isso causa um transtorno para a população e para o policial. E, na época do governo Marcello Alencar, a política era a do confronto. A missão era buscar o confronto na favela custasse o que custasse. Seja a vida de policiais, de inocentes ou de marginais.

O que levou você a pedir baixa da Polícia Militar? Eu estava cada vez mais incompatibilizado com a forma como é conduzida a segurança pública no Rio. Os problemas são fáceis de se resolver, mas nada muda. Se você fizer um paralelo entre a política de segurança pública do governo atual e a do anterior, vai ver que nada mudou. Ela continua sendo mensurada por estatísticas. Mensalmente, os comandantes de batalhão são cobrados: quantas armas o batalhão apreendeu este mês? Quantos quilos de maconha o batalhão apreendeu este mês? O comandante que não atingir certos parâmetros perde o comando do batalhão. Essa política de cobrança de estatísticas estimula o confronto.

Quem estimula isso? O coronel Josias Quintal, secretário de Segurança Pública. Ele que cobra da polícia essas estatísticas. Mas por que isso não é razoável? A função da Polícia Militar é a de preservação da ordem pública. É uma polícia preventiva. Se você estiver com policiamento ostensivo na rua, o número de armas apreendidas vai cair, porque vai diminuir o número de assaltos e logicamente vai cair o número de confrontos.

Quando você começou a sofrer represálias? Em novembro de 1999, depois que dei uma entrevista para o Jornal do Brasil. Me mandaram para o DGP [Diretoria Geral de Pessoa], que a gente chama de "geladeira". Você recebe o salário, mas fica em casa sem fazer nada. Depois de um tempo na geladeira, o professor Luiz Eduardo me convidou para trabalhar com ele. [Luiz Eduardo Soares é antropólogo, ex-coordenador de Direitos Humanos e Cidadania do governo Garotinho e responsável pelo plano de segurança pública que ajudou a eleger o governador. Foi demitido durante uma entrevista de Garotinho na TV após denunciar irregularidades cometidas por policiais. Precisou exilar-se nos EUA quando o carro dos policiais do Bope, que fazia sua segurança, sofreu um atentado.]

Houve resistência do comando da PM? Houve. O coronel Josias Quintal achava que eu devia ser punido pelo que disse ao JB, não ser premiado e não poder trabalhar com o Luiz Eduardo. Se me permite, queria dizer que considero o professor Luiz Eduardo Soares a pessoa que mais entende de segurança pública no Brasil. Me envergonha como policial dizer que um antropólogo sabe mais de segurança que um delegado, um coronel. Mas sabe. Eu acho que a essência do trabalho da polícia não está na polícia, está na sociologia.

Você estabeleceu laços muito fortes com o professor Luiz Eduardo, não? Sim, principalmente depois que ele deixou o governo e passou a ser seguido. Um casal de colaboradores dele chegou a ser ameaçado dentro de um shopping center. O mesmo casal que providenciou a saída dele do Brasil. Estavam fazendo compras quando perceberam que alguém estava atrás deles. Me ligaram pedindo segurança. Quando cheguei ao shopping, encontrei a mulher num salão de cabeleireiro. Ela me apontou um homem encostado em frente ao salão. Ele já esbarrara neles várias vezes com o intuito de intimidá-los. Abordei o sujeito e perguntei o que ele estava fazendo ali. Me disse que era policial e tinha pinta de policial mesmo. Falei que era policial também, que estava com aquela senhora e perguntei o que ele queria com ela. Ele disse que não queria nada e foi embora.

Você trabalhou com Soares na Coordenadoria de Direitos Humanos. Qual era exatamente a sua função? Eu era assessor. Ajudava na elaboração de um projeto de apoio psicológico aos policiais, que até hoje não existe. Isso efetivamente só ocorreu no 9o Batalhão da Polícia Militar. Era para se expandir para todos os batalhões, mas o projeto foi abandonado. Não tem polícia no mundo que não tenha um serviço de apoio psicológico. Mas no Rio o policial vai numa operação, mata dez marginais e volta para o serviço. Muitos já se transformaram em sádicos. Em São Paulo, o policial que participa de uma troca de tiros tem um acompanhamento que dura sessenta dias. No Rio não há nada disso.

Mas existe um serviço parecido no Hospital da PM, não? Só que o policial tem que ter iniciativa de procurar. Não existe uma tentativa de trazê-lo para isso. No Rio, acham que policial que procura psicólogo é maluco. Dizem que não é coisa de militar. Uma vez, em 1994, participei de uma operação em que quatro marginais foram mortos. Para você entender, quando um tiro de fuzil pega num braço, o membro sai. No rosto, arranca metade da cabeça. Um dos marginais perdeu o queixo, mas continuou vivo. Passadas duas semanas da operação, eu continuava sonhando com aquelas cenas. Sete meses depois fomos premiados por aquela ação. Éramos sete policiais naquela operação e cinco carregavam péssimas lembranças daquilo.

A sua situação na PM começou a ficar mais complicada após o seqüestro do ônibus 174 [quando uma trapalhada da polícia resultou na morte da refém]? Depois que dei entrevistas sobre o fatídico caso 174, me mandaram para o 16o BPM [do bairro de Bonsucesso], o pior batalhão da PM. Me perguntaram para onde eu queria ir. Respondi que qualquer um, menos o 16o. Foi justamente para aonde me mandaram. Claro que foi um castigo. Por sinal, deixa eu contar o que aconteceu no 174. Nós, oficiais do Bope, nos especializamos nos EUA e em Israel com dinheiro próprio. Você ganha um dinheiro de bico e pede autorização para fazer um curso na SWAT de Nova York, por exemplo.

São os policiais que tomam a iniciativa? Esses treinamentos não são convênios firmados entre as polícias? É tudo com a gente. Nós íamos nas embaixadas falar com os adidos policiais, fazíamos contato pela internet com os departamentos de polícia. O comando entrava com a boa vontade de nos liberar do serviço. Quase a totalidade dos oficiais do Bope tinha formação nas escolas americanas e européias de negociação de conflitos. No dia em que ocorreu o 174, eu estava no gabinete do coronel Wilton Ribeiro acompanhando tudo pela televisão, enquanto ele falava com o coronel Penteado pelo telefone. No Bope, tínhamos quatro oficiais habilitados para fazer tiro de sniper [o disparo a distância de atiradores de elite]. Nenhum deles estava no local naquele momento.

Mas havia homens do Bope no local, com fuzis de mira telescópica. Mas não estavam habilitados para isso. Tiro de sniper é coisa muito séria. Tem mil fatores que influenciam o disparo. Eu falei com o coronel, mas ele me disse que o governador havia determinado que não fosse dado o tiro de sniper. Ele havia colocado para o governador quais eram as possibilidades, e o Garotinho disse que queria o marginal vivo. Eu também queria, todo mundo queria. Então eu falei para o coronel que ele precisava explicar para o governador que aquilo não era tecnicamente o mais viável, o mais correto a ser feito.

Mas esse tiro era para ser dado em última instância, não? Para não colocar em risco a vida dos reféns? Mas a vida dos reféns estava em risco subjetivo. Nós sabíamos que a menina não estava morta. A outra menina, muito inteligente, conseguiu sinalizar pra gente que ela estava viva. Todos os policiais que ali estavam sabiam que a refém estava viva.

Como está Marcelo Santos, o policial do Bope que errou o tiro a meio metro do seqüestrador Sandro e que causou a morte da refém? Ele está trabalhando no Bope, em serviços internos. A cabeça dele está legal. Ele não foi nem denunciado pelo Ministério Público.

Afinal, naquele episódio, ele tinha ordens para fazer o que fez? A delegada Marta Rocha chegou à seguinte conclusão no inquérito: ele agiu sob ordem. Eu tenho muita mágoa porque a polícia ainda não fez um estudo de caso daquela situação. Se aquilo acontecesse hoje, passados vários meses, o resultado seria igual. Por que digo isso? Ninguém sabe até hoje por que aquilo deu errado. Falta de comando? Falta de gerenciamento? Errou porque o coronel não estava habilitado para gerenciar? Tudo bem, mas formaram-se coronéis habilitados para gerenciar aquela situação? Não.

O governo disse que o Bope ia ser retreinado, que iriam comprar fuzis novos para os snipers. Compraram fuzis M 16, mas não são armas próprias para sniper. A PM prometeu comprar fuzis Remington para o Bope, mas os fuzis não estão aí até hoje. O Bope tem seis fuzis HK próprios para snipers, mas todos estão sucateados e velhos. Têm mais de vinte anos de uso e estão com fungos.

Por que não se tentou o tiro de sniper? A verdade é a seguinte: o coronel Penteado bancou uma ordem do governador e não falou para ninguém. Eu entendo que tenha havido um acordo de cavalheiros ali. Porque, se o Penteado chega na televisão e diz "erramos sim, mas erramos porque o governador não deixou a gente atirar, porque a gente queria atirar", aí a situação ia ficar muito ruim para o Garotinho. Acho que houve um acordo. O Penteado protegeu o governador mesmo. Nunca disse que o governador havia ligado para ele. Eu não estava na hora, mas todos os oficiais que estavam presentes disseram que o governador ligou mais de uma vez para perguntar o que ele ia fazer.

Mas o governador admitiu que dera a ordem para não atirar. Olha, sobre essa ordem existem quatro situações para ocorrências com refém. Primeira coisa: espere ou negocie, é a primeira alternativa tática. Segunda alternativa: agentes químicos como gás lacrimogêneo e gás pimenta. Mas o pouco que a gente tem é só para jogar no leilão da Telebrás. Terceira alternativa tática: o sniper. Se não der para usar o sniper, parte para o assalto, que foi o que o Marcelo Santos fez. Mas o assalto é, das quatro, a alternativa menos precisa, mais vulnerável e perigosa. O sniper substituiria aquela ação desastrosa, ridícula do Marcelo Santos. Agora, tinha sniper ali? Não tinha. Tinha fuzis apropriados para isso ali? Tinha, mas os fuzis estavam sucateados e velhos. Dava para a gente fazer mesmo assim com um fuzil daqueles? Dava, não ia ser tão preciso, mas dava. Um tiro de fuzil tem condição de matar um marginal em sete milésimos de segundo. Não dá tempo de um espasmo muscular. Se ele estivesse com o dedo no gatilho, apontando para a menina, ia morrer sem apertar o gatilho. No Rio de Janeiro a gente nunca fez um tiro assim, na cabeça. Em São Paulo eu sei que já fizeram. Enfim, a situação ali era mesmo para o tiro certeiro. Eu gostaria que o marginal saísse vivo, ainda mais porque o capitão Batista disse pra mim depois que ele pediu emprego...

Como assim, pediu emprego? Ele não pediu uma pistola, duas granadas e mil reais? O capitão Batista ligou e disse pra mim: "Pimentel, está dando tudo errado por aqui. Pede para o coronel Wilton tirar o coronel Penteado daqui". Nunca um coronel iria mandar outro coronel sair de lá. O capitão havia previsto que aquilo estava tomando uma linha desastrosa. Duas pessoas negociando, o marginal com total liberdade. Detalhe: o Penteado é gago. Já falou com gago nervoso? Não sai nada. E ele ainda tem tique nervoso, que todos vocês viram na televisão. Além disso, ele não sabe blefar. É uma pessoa muito militar. E o blefe faz parte dessas negociações. E o marginal pediu emprego. Qual é a boa estratégia de negociação? Você diz para o marginal que até aquele momento ele não cometeu qualquer crime grave, que não matou ninguém e que aquilo tudo vai dar uns dois anos de cadeia, com direito a sursis e coisa e tal. Não deixa de ser verdade, né?

E isso não foi dito? O marginal pediu emprego para o coronel Penteado e isso nunca foi noticiado. O capitão Batista ficava dizendo que ia tentar arrumar alguma coisa, mas o Penteado dizia que não tinha jeito, que ele tinha que ser preso. O Batista vai sair da polícia qualquer dia. Ele é excelente aluno de Direito da PUC, vai passar num concurso e largar a polícia. Aliás, tive uma discussão uma vez com a Clarissa, filha do governador Garotinho, quando ela estudava Direito na Cândido Mendes. Eu tinha ido falar do filme do João [Salles, Notícias de Uma Guerra Particular] e não sabia que ela estava no auditório. Um aluno me perguntou o que eu achava da liberação das drogas. Eu disse que preferia não expor minha posição pessoal porque falaria por mim, não pelo capitão da polícia. Mas ele insistiu e eu acabei dizendo que acho que tem que liberar mesmo. Morre muita gente à toa. Depois a Clarissa me abordou na saída da faculdade e disse que eu não deveria ter falado sobre liberação de drogas. Cabeça pequenininha, sabe? Menina educada, fala muito bem e bonita, muito bonita. Tomou uma vaia naquele dia, quando disse que era filha do governador, mas respondeu com um discurso que foi até bem aplaudido.

Então você, um policial que combateu o tráfico, é a favor da liberação das drogas?Olha, eu nunca experimentei nada, nem maconha, porque não gosto do cheiro. Mas apesar disso sou a favor da liberação de todas as drogas. A maior droga não é o álcool e ele não é legalizado? Por que Prozac pode? Só porque é droga de rico? Acho uma hipocrisia da sociedade reprimir uma coisa e liberar a outra. Na minha opinião, é muito melhor liberar de uma vez do que continuarmos assistindo a situações como a do Rock in Rio 3, em que todo mundo fumou, cheirou e a polícia não pôde reprimir porque havia algum tipo de acordo com a produção do evento.

E por causa dessas suas opiniões polêmicas você acabou transferido para o único batalhão para onde não queria ir... Tem uma história curiosa. Uma vez eu estava fazendo uma escolta para o [conhecido traficante carioca] Uê, que ia num depoimento. No meio do caminho ele me perguntou se eu havia participado de determinada operação no Morro do Cruzeiro, no Complexo do Alemão. Eu falei que estava lá, mas não estava não. Queria saber o que ia sair dali. E ele falou: "Vem cá, naquele dia vocês tinham cheirado uma cocaína, né? Porque a gente atirava, atirava e atirava em vocês e vocês continuavam subindo o morro. Que coisa de louco". Mas aí eu fui para o 16o BPM. Nossa... Você vê. Ou melhor, você não vê porque eles não fazem na sua frente: porque sabiam que eu era o capitão Pimentel, do Bope. Mas a gente ouvia relatos de todo o tipo de mineira, extorsão, corrupção. No Bope, eu ficava preservado disso aí.

Por que você tinha tanto pavor de ir para o 16° Batalhão? Porque o 16o era tudo aquilo que eu não queria. Eu queria ficar longe de favela. Longe de operação policial com confronto. Mas aconteceu. Eu fui uma vez ao Complexo à tarde, eu e mais cinco policiais, e achamos um carro abandonado, um Megane. Comunicamos ao comandante e dissemos que íamos deixar o carro ali e iríamos buscá-lo no dia seguinte. Mas o coronel insistiu que tínhamos que tirar o carro de qualquer jeito. Argumentei que ia levar umas duas horas para chegar um reboque, e, como estávamos em julho anoitecia por volta das 18 horas, quando a favela já era dos marginais. Mas o coronel disse para eu não me preocupar porque ia para o local com mais cinco policiais de reforço. Ao chegar lá, ele mandou que eu descesse com meus homens levando o carro no reboque. "Pimentel, vou ficar nesse platô te protegendo, quando você chegar lá embaixo, protege nossa descida."

O que aconteceu? Cumpri a ordem. Quando estava descendo, meu celular tocou e um soldado me avisou que estávamos cercados por mais de vinte marginais. Perguntei o que deveria fazer, porque não tinha experiência naquela favela. "Capitão, é melhor o senhor se abrigar e esperar acontecer", respondeu o soldado. Eu olhei para o sargento – a gente escuta histórias do 16o BPM em que alguns policiais são envolvidos com o tráfico – e perguntei: "se tem algum policial envolvido, por favor se acuse e avise aos marginais que só queremos tirar o carro daqui". Um soldado virou-se e respondeu: "Olha, capitão, nessa rua aqui eu não conheço ninguém, mas se a gente fosse por aquela rua de lá, pela outra boca de fumo, até dava para negociar". E os marginais se aproximando da gente, todos de fuzil Colt e M 16 nas mãos.

O que vocês fizeram? Estávamos desembarcados, que eu não sou louco de descer embarcado [gíria da polícia carioca que significa andar no morro dentro de um carro, onde seria um alvo mais fácil para os traficantes], fazendo uma proteção lateral ao reboque. Eu estava com cinco policiais incluindo o reboquista, que era um sargento já bem idoso. Eu estava completamente cercado e com medo que algum dos homens atirasse primeiro. Meu celular tocava e os companheiros que estavam em cima diziam que estávamos muito mal parados. Nisso um dos meus homens atirou num marginal. Em menos de dois minutos de troca de tiros, meu cabo que estava atrás de mim, o cabo Nobre, morreu. Tomou um tiro no pescoço e caiu morto. Eu ouvi ele gritar com voz forte: "eu tô pegado". Pegado é uma gíria que os marginais usam, e a polícia adotou, que quer dizer que você foi baleado. Quando olhei para trás, o Nobre estava no chão, cheio de sangue em volta. Vi que ele tinha partido desta para melhor. Outro companheiro quis puxá-lo para um abrigo, mas confesso que estava com muito medo de sair de onde estava. Eu tinha me abrigado atrás de um poste, que estava se esfarelando com os tiros mas me protegia. Eu não fui, mas meu companheiro foi até lá e puxou o corpo. Lamento muito por não ter ido. Chorei durante dias por causa disso. Porque não era o momento ideal para mostrar covardia, era para mostrar o máximo de coragem e liderança possível. Um pastor evangélico ajudou meu amigo e puxou o Nobre para dentro da Igreja. Ele estava num lugar de ângulo melhor e mandou a gente ficar onde estava. Quando os marginais viram que o Nobre havia morrido, pararam de atirar. Pedi para o reboquista ligar o carro para que a gente pulasse para dentro do reboque e fugisse da favela. Com meu telefone, liguei para o chefe de operações da PM. Por sinal, é proibido usar celular em operações. Eles acham que o policial vai usar pra fazer mineira, coisas assim. Mas, nesse dia, se a gente não estivesse com celular, morria. Você sabe que a PM não tem rádio...

Você usou o tempo todo o seu aparelho particular? Sim, o que eu pago a conta. Avisei ao chefe que estávamos cercados e que havia um policial baleado. Nisso, um soldado meu sacou uma granada de estilhaços. Não sei onde ele arrumou, com certeza apreendeu de algum traficante. O policial subiu na igreja e disse: "Vou jogar essa granada no beco e dar uns tiros naquela direção, depois nós aproveitamos a oportunidade para fugir".

Esse é um procedimento típico de guerra, não? Exatamente. É o chamado tiro de saturação. A gente atira para um lado qualquer e sai dali. O policial fez isso e nós saímos no reboque. Quando chegamos no asfalto, tinha mais de cem policiais lá embaixo. Mas eles não subiram para ajudar a gente, ficaram com medo. Os cinco que estavam lá em cima também não desceram para me ajudar. Depois que todo mundo soube que um policial havia morrido, virou pessoal, surgiram uns quarenta que queriam subir para vingar o companheiro. Resolvi não participar, estava muito abalado pelo que havia acontecido, foi um volume de fogo sem igual. Quando eu estava descendo, tivemos que nos abrigar perto de uma birosca e, no meio dos tiros, olhei para dentro e vi que estava passando um jornal na televisão, com a notícia: "Tiroteio intenso no Complexo do Alemão, policial baleado e outro cercado no alto do morro". Dizem nossos informantes que, depois da notícia na TV, os marginais reduziram o ímpeto. Dias depois o comandante geral esteve no 16o BPM e me perguntou o que havia acontecido. Disse que ocorrera o de sempre: uma operação à noite, dentro da favela, sem armamento adequado. Todos os nossos armamentos falharam.

Qual era o armamento exatamente? FAL. Mas nossos FAL foram fabricados em 1962, início da época FAL. São fuzis com quatro décadas de uso. Todos eles falharam, todos os meus policiais estavam sem coletes, nenhum deles tinha rádio portátil. Não havia a menor chance de aquilo dar certo.

Mas ao menos a ordem para descer com o carro naquele momento foi correta? De jeito nenhum. Eu questionei o coronel Davi, comandante da unidade, a respeito de dormirmos ali em cima para descer de manhã. Os policiais todos me pressionavam nesse aspecto. Mas nós temos medo de acharem que somos medrosos. Acho que se eu tivesse insistido mais, ele cederia. Era um capitão e dois sargentos falando. Dava para nos protegermos lá em cima, estávamos num lugar muito alto. Eu falei para o comandante que aquele carro ia custar a vida de um policial. O Nobre tinha se divorciado da esposa há cinco anos e exatamente naquele dia tinha voltado com ela. Ele trabalhava interno no 16o, mas quis trabalhar comigo porque me achou bacana e eu já havia trabalhado com dois irmãos dele, sargentos do Bope. Deixou um filho que está com seis anos de idade. Eu dei a notícia para a família, que tinha ouvido a história no rádio. Quando cheguei ao Batalhão, o pai dele me ligou perguntando se era verdade. Pior que perder um companheiro numa operação é avisar a família. Eu já tinha tido essa experiência umas quatro vezes no Bope. Tentei fugir do telefone, mas naquele dia eu era oficial de dia do batalhão e tive que providenciar tudo.

Depois a polícia subiu para se vingar, certo? Não houve um erro de comando aí?Lógico, e eu compartilho desse erro. O saldo dessa operação foi o seguinte: um carro recuperado, um cabo PM morto e quatro civis baleados. Depois quiseram que eu dissesse que um desses civis era traficante. Fui até o hospital conferir, mas constatei que ele não era. Isso para mim é um desfecho típico de operação policial. E você pergunta, valeu a pena? Se tivéssemos matado dez marginais, teria valido a pena? Ferimos quatro moradores e um pai de família morreu. Operação policial em favela é um risco muito grande para a população. Um fuzil FAL perfura uma parede de tijolos e mata todo mundo que estiver dentro da casa. Nossa função é dar proteção para a população, não é pegar marginal. Senão, seríamos da Secretaria de Combate ao Crime. Mas somos da Secretaria de Segurança Pública. Um exemplo é o trabalho que está sendo feito no Pavão/Pavãozinho. O comandante sabe que não está ali para prender marginal, mas para levar segurança para a comunidade.

Como esse episódio mudou sua trajetória? Bem, depois da morte desse policial do 16o BPM, procurei o comandante e disse que não tinha ambiente para continuar lá porque me julgava responsável pela morte do policial. Então me transferiram para o 2o BPM, onde assumi a seção de apurações de delitos policiais. É um local interessante porque ali você vê a quantas anda a credibilidade da PM perante a população: é péssima. São duas queixas por dia, o que é demais. Deixa eu colocar uma questão importante. O Garotinho está divulgando amplamente que abriu 7 mil novas vagas para a polícia. Mas o salário que ele oferece na Nova Polícia é o mesmo da Velha Polícia: 400 e poucos reais para um soldado. Então, quem quer ganhar 400 por mês hoje? Quem é marginal e quer uma carteira de PM e um revólver. Você vai entender por que eu digo isso. Uma vez, um policial em Niterói teve o carro e a arma roubados na praia por quatro alunos do curso de soldados do 23o Batalhão. Eu estava entrando no quartel com um cidadão que queria fazer uma denúncia de extorsão, quando um oficial se aproximou e me contou a história. Imagine a cara de um civil que se dispõe a denunciar um policial por extorsão e, ao entrar num quartel, ouve que um policial fora assaltado naquele dia por quatro outros policiais. Ele desistiu do depoimento na hora.

São muito comuns as histórias de corrupção na polícia? Fiz amizade uma vez com o adido policial do consulado da Itália no Rio, um capitão da polícia de lá. Ele me garantiu que a polícia italiana era muito mais corrupta que a nossa. Perguntei: "Como assim?". E ele respondeu: "é que lá a polícia é corrupta, mas a população anda sempre certa, você não consegue tirar um centavo de um cidadão italiano". Você pára o carro e ele está documentado, o cara não anda sem carteira e, aqui no Brasil, eu não agüento mais. No começo eu nem dormia, chegava em casa com raiva. Minha esposa tem um grupo de amigos com quem saímos, vamos a festas – amigos diferentes do meu relacionamento de polícia – e eu volta e meia ouço alguém falar que deu dinheiro para algum policial. Em 100% das festas que vou, ouço histórias assim. Um amigo meu foi parado numa blitz da polícia outro dia e estava só com a carteira dos Alcoólatras Anônimos. Mas conseguiu se safar dando 15 reais para o policial. Quando ele me contou, disse: "Pimentel, eu fiquei com pena dele. É muito pouco dinheiro. Para mim, não teve dor de cabeça, deixei de pagar uma multa de 400 reais". A nossa cultura é assim, as pessoas não sabem que estão fazendo mal. Uma vez eu dei uma idéia para o professor Luiz Eduardo que a achou um tanto pesada: espalharmos cartazes nas ruas com os dizeres "Não dê dinheiro ao policial, você está cometendo um crime". Boa parte da população não sabe disso. As pessoas contam histórias em rodas de cerveja como se fossem fatos engraçados. Talvez os cartazes desmoralizassem um pouco a classe policial, mas nós frisaríamos também que nem todos os policiais aceitam propina.

O que aconteceu depois que você foi para o 2º Batalhão? Eu fiquei no 2o BPM uns cinco, seis meses. Mas o que aconteceu? Comecei a ser procurado por policiais recém-formados, muitos já da Era Garotinho. "Capitão, o senhor é das operações especiais... dá aula de tiro, né? É que a gente não aprendeu a atirar no curso. Cada um deu uns dez tiros apenas". Eu achei que eles estavam brincando comigo e comecei a fazer uma enquete entre os policiais. No máximo, achei um que tinha dado vinte tiros, o que é irrisório. Como alguém pode se formar na polícia com vinte tiros?

Você está falando de tiro de revólver? Revólver. De fuzil, nunca deu tiro. Nem de calibre 12, nem de fuzil, nem de submetralhadora. Eu cheguei para o comandante geral e relatei que os policiais estavam se formando simplesmente sem dar tiros. O instrumento de trabalho de um fotógrafo é a sua máquina, certo? O do policial é a arma. E ele não sabe usar o instrumento de trabalho dele. Alguns tinham humildade de dizer isso para mim e queriam ter aula. Só que a polícia não tinha munição

para as aulas. A PM comprou dois mil fuzis M 16 desses americanos e os policiais não deram um tiro sequer. Estão usando a arma na rua, colocando em sério risco de vida a população fluminense. Se eu tenho medo quando vejo um policial com fuzil na rua, imagine a população.

Uma imagem comum em filmes americanos é a do policial praticando tiros na delegacia. Isso então não acontece no Brasil? Aqui isso não existe. Um policial americano dá duzentos tiros por mês. Eu conheço muito Nova York. O prefeito Rudolph Giuliani mandou recolher todas as pistolas dos policiais e deu para eles revólveres. "Agora vocês só vão poder voltar a usar pistola quando passarem por uma prova de pistola", avisou. A tal prova era dificílima. Os policiais só passavam na terceira, quarta tentativa. Em Nova York, hoje, a maioria já usa pistola, mas você ainda vê uma parte usando revólver. Eu conheci um policial do 16o BPM que foi acusado de matar uma menina com um tiro no pescoço numa casa na Penha. Ela estava brincando dentro de casa, tomou o tiro e morreu. Ele perseguia um Tempra com quatro marginais e atirou no carro. A menina morreu do lado de lá. Logicamente ele não atirou na menina, ele mirou no Tempra. A família ficou muito chocada e acusou a polícia de omissão de socorro, porque foram atrás do Tempra e não socorreram a menina. O policial me procurou porque sabe que gosto desses assuntos e me contou: "Capitão, eu não sei se fui eu que acertei a menina, mas eu efetuei vinte disparos". Perguntei para onde ele tinha apontado. "Para o carro com os marginais". Pedi para dar uma olhada na ficha de tiro dele – é uma ficha que todo policial tem que controla quantos tiros ele deu no ano, quando está em instrução. Pois bem, ele estava há cinco anos sem aula de tiro – e ele tinha simplesmente cinco anos de polícia! É uma irresponsabilidade tão grande! Ninguém ainda mexeu nos pontos cruciais, que são: salário, que tem a ver com auto-estima; instrução policial e qualificação profissional.

É verdade que você pagou seus cursos de formação do próprio bolso? Sim. Um curso em Israel custa 6 mil dólares, nos EUA fica em torno de uns 2 mil. A diferença está naquilo que o curso te oferece. Em Israel, nós ficávamos em um stand de tiro do Exército em Cesaréia. Tínhamos transporte, alimentação e ainda fazíamos visitas a quartéis do Exército e fábricas de armas. Nos EUA, a aula começa a tal hora e pronto. Onde você dormiu, o que você comeu é problema seu. Fiz um módulo de sniper no HK Training Division Center. Tem cursos só para calibre 12, submetralhadora e pistola – esses eu fiz também. Em um curso desses você dá em média 1 500 tiros. Também fiz cursos de uso de armas de fogo em equipes táticas, as famosas SWATs. Em Israel estudei basicamente uso de armas de fogo e técnicas de sniper no International Secure System, uma das dez empresas credenciadas pelo governo para dar esses cursos, que tem professores emprestados pelo Mossad.

Você cansou de ser PM? Cansei. Porque hoje você não tem perspectiva de melhora. Só piora a cada ano que passa. Antigamente, nós formávamos um sargento em um curso de um ano de duração. Você tirava um homem do quartel, levava para um centro de informação e ele ficava um ano tendo aula até virar sargento. Era um policial melhorado. Hoje em dia, o curso de sargentos tem três meses de duração com aulas dia sim, dia não. E na ativa. Hoje em dia você vê o quanto o coronel Nazareth Cerqueira investiu em instrução. Esse grupamento de favela no Pavão/Pavãozinho é idéia dele. [Trata-se de uma experiência da PM chamada Grupamento de Policiamento em Áreas Específicas (GPAE), em que 100 homens cuidam da segurança de 20 mil moradores do complexo Pavão/Pavãozinho/Cantagalo. O comandante é um sociólogo e major que, ao assumir, reuniu todos os moradores – incluindo o tráfico, que mandou representantes –, dizendo que não queria ver nem armas nem drogas nas ruas. Em troca, garantiria a segurança da comunidade. Passados seis meses, os moradores experimentam tempos de paz como há décadas não vivenciavam.] O que você tem de bom hoje é resquício da época dele. As escolas funcionavam, os centros funcionavam. O salário é que sempre esteve ruim. Nunca teve bom salário.

Muitos policiais estão pedindo para sair da PM?Estão. O soldado, principalmente, entra para a polícia para ganhar 400 reais até terminar uma faculdade e arrumar um emprego melhor. A gente perde policial para ser carteiro. Eu já perdi um soldado que foi trabalhar como trocador [cobrador] de ônibus. Ganha mais e é menos arriscado. Aquilo me deu raiva. Em nenhum lugar do mundo alguém abandona a polícia para ser trocador de ônibus.

Agora, quais são suas perspectivas profissionais? Montei uma equipe com mais dois amigos e comprei um equipamento israelense. Estou fazendo ações preventivas e repressivas antigrampo para empresários. Bloqueadores de sinal de celular, por exemplo. Você está aqui numa reunião e não quer que ninguém te interrompa. O aparelho bloqueia o sinal num raio de vinte metros e não tem como ligar. Para você bloquear uma penitenciária, custa uns 10 mil dólares e o Desipe não comprou nenhum equipamento desses até hoje.

Você não teme represálias? Honestamente, não. Porque acho que as coisas que falo encontram eco na tropa. O Bope foi mandado para a praia, certa época, e meus soldados queriam levar os fuzis com ele. Eu perguntava: "a gente vai atirar na praia em algum marginal?". Tiro de fuzil é letal até 2 800 metros. Se você errar o tiro no Posto 6, vai acertar alguém que está com a família no Posto 2. E o policial invariavelmente erra, porque está sem aula.

Qual o tamanho da banda podre da polícia hoje? Olha, é pesado demais isso aí, vai embolar... E eu confio em metade dos policiais. Metade deles é de confiança. Mas eu diria que a maioria dos delitos não sejam delitos tão... bem, tudo é grave, né? Eu diria que são pequenas extorsões. Dinheiro de bicheiro, dinheiro de van, essas coisas.

Já que você teve que abandonar o sonho de ser policial, o que pretende fazer? Eu me ofereci para trabalhar com o Luiz Eduardo Soares em Porto Alegre, mas não foi feito nenhum convite oficial. Pretendo fazer uma pós-graduação em Sociologia Urbana. Estudei Direito três anos, mas chutei o pau da barraca. Direito não tem nada a ver com policial, é para advogados. Policial precisa saber o que é crime, e só. Acho mais importante estudar os problemas da sociedade.

Créditos

Christian Gaul

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