A genética adverte: usuário de cannabis não é dependente
Um estudo norte-americano revelou que experimentar maconha pode estar mais ligado à genética da curiosidade do que a uma predisposição ao vício, desmontando velhos estigmas sobre a planta
Créditos: Unsplash
em 8 de dezembro de 2025
O debate sobre a maconha esteve por décadas preso à visão de que usuários se enquadram ou como criminosos ou como dependentes. Travestida de ‘apoio à saúde’, a associação do consumo ao vício contribuiu para um forte estigma sobre o uso da planta. Mas uma nova pesquisa pode provar que não é bem assim.
Um estudo recente publicado por pesquisadores de Yale, chamado The Genetics of Cannabis Lifetime Use, propõe um olhar mais profundo sobre essa dicotomia simplista – literalmente até o DNA. A investigação demonstrou os fatores biológicos que levam uma pessoa a experimentar a erva pelo menos uma vez, independentemente de desenvolver ou não dependência.
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A equipe analisou dados genéticos de mais de 250 mil pessoas de diversas ancestralidades, num dos maiores estudos do gênero já realizados. Os resultados são fascinantes: eles sugerem que experimentar maconha pode estar mais ligado à genética da curiosidade e da busca por novas experiências do que a uma predisposição ao vício.
O principal achado foi a associação do uso vitalício de maconha com o gene CADM2, conhecido por estar envolvido em comportamentos exploratórios e impulsivos. Chamado por neurocientistas de “gene da curiosidade”, suas alterações estão associadas a maior abertura à experiência, propensão a assumir riscos moderados e até a mais parceiros sexuais.
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Em outras palavras, o mesmo circuito neural que nos ajuda a explorar o novo e buscar prazer também pode influenciar a decisão de experimentar cannabis. Faz sentido, não faz? Um ponto crucial da pesquisa foi a comparação entre quem apenas experimenta e quem desenvolve dependência. Apesar de haver correlação genética moderada entre os dois comportamentos, os genes implicados são diferentes.
Isso reforça a ideia de que ‘curiosidade’ e ‘compulsão’ seguem caminhos biológicos distintos. Enquanto a dependência se correlaciona fortemente com outros transtornos psiquiátricos, quem apenas faz uso da planta mostrou associações positivas com traços de personalidade exploratórios e até maior escolaridade.
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Os mesmos mecanismos que levam alguém a testar novas comidas, ideias ou práticas culturais também parecem modular a probabilidade de experimentar substâncias psicoativas. Não se trata, portanto, de um ‘gene da maconha’, mas de um gene da exploração – um traço evolutivo que pode ter sido vantajoso até para a sobrevivência humana.
Se a distinção entre uso e abuso tem base biológica, isso pode ajudar a reduzir o estigma em torno da maconha, especialmente em contextos terapêuticos. A conclusão maior é que experimentar, ou passar a usar, não implica automaticamente uma predisposição genética ao vício.
Esses achados também oferecem insights para políticas públicas: se a genética do uso ocasional é diferente da do abuso, estratégias de prevenção e regulação devem ser mais refinadas, distinguindo o que é vulnerabilidade de apenas curiosidade.

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