O embate entre o otimismo de nosso colunista e as previsões pessimistas de um dos intelectuais mais respeitados da atualidade
Ele é o autor dos best-sellers internacionais Sapiens – Uma breve história da humanidade, Homo Deus – Uma breve história do amanhã e 21 lições para o século 21. Em novembro, tive três oportunidades de conversar publicamente com Yuval Noah Harari. O mais importante desses encontros ocorreu no Congresso Nacional, com a presença dos presidentes da Câmara e do Senado e de um vasto número de deputados e senadores.
Foi muito bom ver Harari dando a dimensão dos desafios da humanidade atualmente. Ele diz que temos hoje problemas que são globais e transcendem os limites dos Estados-nação e cita três exemplos: o risco de uma guerra nuclear, o aquecimento global e as questões trazidas pela tecnologia. Nenhuma dessas questões pode ser resolvida por um país isoladamente, são pontos que afetam e precisam ser abordadas por todos os humanos do mundo.
Brasil acima de tudo?
Outra mensagem importante do pensador israelense diz respeito ao que se entende por nacionalismo. Pela definição que ele compartilha, ser nacionalista não é odiar quem vem de fora e não faz parte da “nação”, mas, sim, amar seus compatriotas. As consequências dessa distinção são profundas: quem ama seus compatriotas coloca o interesse do país acima de seus interesses privados.
Um nacionalista de verdade jamais nomearia amigos ou familiares para exercerem funções públicas, pois, se ele amar realmente seus compatriotas, vai preferir nomear as melhores pessoas possíveis para exercer posições de liderança, assegurando que a nação seja cuidada pelos melhores e não pelos membros de seu clã (cuidar do clã em primeiro lugar é o oposto de nacionalismo!).
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Outro ponto interessante levantado por ele em Homo Deus é quando expõe a ideia de superação do humanismo. Esse é um ponto em que discordamos. Para o autor, o “humanismo”, isto é, a visão que coloca o homem como prioridade na natureza, está em decadência. Harari gosta de nos preparar para um mundo em que a tecnologia terá superado o homem. Ele diz que seria “natural” aceitarmos esse reposicionamento da humanidade como algo secundário na ordem da existência das coisas.
Realmente discordo dele. Me parece uma espécie de derrota desistir do humanismo dessa forma por causa da tecnologia. É como se tivéssemos sido vencidos pelas próprias ferramentas que criamos. Ou, ainda, como se a tecnologia fosse convergir para um ponto em que suplantaria toda a complexidade não só da humanidade, mas também do cosmos.
“Me parece uma derrota desistir do humanismo por causa da tecnologia. É como se tivéssemos sido vencidos pelas ferramentas que criamos”
Ronaldo Lemos
Eu me recuso a ser derrotado. Enxergo a tecnologia não em um movimento de convergência, mas de divergência. Ao contrário do que Harari menciona, em vez de se converter em força superior única, a tecnologia vai espelhar a diversidade das comunidades políticas e culturais do planeta. O risco não é de uma força tecnológica unificada, mas, sim, de uma fragmentação tecnológica cheia de divergências irreconciliáveis. Em outras palavras, onde o autor enxerga a decadência do humanismo por causa da tecnologia, eu enxergo o oposto. Vejo a humanização da tecnologia, para expressar o que a humanidade tem de melhor, mas também expor seus piores e mais nefastos defeitos.
Acredito que a luta humanista continua. Onde Harari enxerga singularidade, eu enxergo multiplicidade. E, nesse sentido, a multiplicidade pode ser muito positiva, desde que sejamos capazes de construir instituições que mantenham o diálogo entre as diferentes comunidades políticas e culturais, com respeito à relevância de cada uma delas. E mais importante: desde que não percamos de vista o cosmos, onde nós humanos sempre fomos e seremos apenas um detalhe na grande complexidade da qual fazemos parte.
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