Para quem segue receitas malucas para se manter jovem, Stevens Rehen manda o alerta: “Tem muito hype nessa área, muita pseudociência, é preciso tomar cuidado”
Este ano, o Festival Path reuniu cerca de 20 mil pessoas, nos dias 19 e 20 de maio, para discutir inovação a partir de diversos olhares. “Discutimos questões mais humanas sobre como a sociedade, em conjunto, deve buscar soluções", explica Fábio Seixas, de 35 anos, empreendedor, agitador cultural e criador do Path.
O processo de curadoria do evento, que promove shows, palestras e workshops em mais de 150 horas de programação conta com a parceria da Trip há quatro anos. “O Trip Transformadores e a própria Trip nos inspiram. Pessoas que têm projetos incríveis precisam de mais luz, merecem mais e mais palcos”, diz Fabio.
Uma das figuras inspiradoras convidadas para essa edição do festival foi o neurocientista, professor da UFRJ e diretor de pesquisa do Instituto D’or, Stevens Rehen. Ao lado do jornalista Felipe Gil, ele ministrou a palestra “Old is gold” para falar dos avanços científicos em relação ao envelhecimento humano. “A utopia de reverter a morte é um grande desafio para a ciência. A biotecnologia está trazendo novidades”, explica o neurocientista.
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A ciência nos últimos séculos ofereceu recursos para que a expectativa de vida fosse prolongada, o que demanda discutir constantemente o medo de envelhecer. Por que isso assusta tanto? Para Stevens existem dois motivos principais. O primeiro está ligado à própria evolução da espécie, que entende envelhecimento como a “consciência da morte”. O segundo argumento é cultural, já que a juventude é supervalorizada em nossos tempos.
Animais como o rato-toupeira-pelado, que é estudado pela Calico (empresa de pesquisa californiana) trazem desafios para as teorias de evolução e podem oferecer pistas sobre a longevidade humana. Ele vive até 30 anos (um highlander entre os roedores), tem a capacidade de reverter o câncer e não apresenta sinais de envelhecimento celular depois de passar pelo período reprodutivo, que dura até os seis meses de idade. “As mulheres têm um tempo reprodutivo menor que o do homem e vivem mais, talvez o rato-toupeira-pelado nos ajude a entender isso”, explica Stevens.
Além das pesquisas com animais, estudos vêm sendo desenvolvidos com o objetivo de descobrir como preservar os telômeros (sequências de DNA que existem nas extremidades dos cromossomos), cujo desgaste é responsável pelo envelhecimento. A maioria das pesquisas está em andamento, não oferece respostas concretas e muito menos fórmulas mágicas para evitar o envelhecimento.
Para quem segue receitas malucas para se manter jovem, Stevens manda o alerta: “Tem muito hype nessa área, muita pseudociência, é preciso tomar cuidado.”
Viver mais e melhor
O que a ciência comprova é que alguns hábitos podem tornar nossa existência mais longa e agradável. Praticar exercícios, por exemplo, reduz a erosão dos telômeros, melhora a capacidade cognitiva e provoca a neurogênese (formação de novos neurônios), o que ajuda no combate à depressão. Dormir bem está relacionado ao melhor aprendizado e consolidação da memória. A alimentação com restrição calórica foi testada em animais mostrando que eles vivem 30% mais com esse tipo de dieta. Embora isso não seja comprovado em humanos, Stevens comenta que faz sentido do ponto de vista biológico e evolutivo: “Nunca tivemos tanta oferta de comida como hoje, talvez o nosso corpo não necessite”, explica Stevens.
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Sobre o futuro da alimentação, ele provoca: “É mais um problema de boi do que de gente”. Não é possível imaginar um futuro em que as pessoas viverão 150 ou 200 anos sem repensar o consumo de carne e a forma como ela é produzida. “Hoje já existe hambúrguer feito em laboratório, que antes custava 100 mil dólares e hoje custa mil. A tecnologia tende a se popularizar. Além disso, existe o consumo de insetos para fornecimento de proteínas”, conta.
“Viver mais significa mais tédio?” questionou Felipe Gil depois de refletir sobre o recente caso do australiano David Goodall, de 104 anos, que pediu pela morte voluntária assistida na Suíça, onde o procedimento é legalizado. Stevens é otimista sobre essa questão: “Não dá pra generalizar. Quanto mais temos tempo de vida, mais podemos inventar coisas. Não consigo imaginar que o tédio vai gerar uma espécie de suicídio coletivo”.
Créditos
Imagem principal: Alexandre Bigliazzi