Uma das maiores empresárias do país, ela garante que seu crescimento não foi movido pelo dinheiro: ”Tive mais medo de perder meu propósito do que da morte”
Uma das figuras mais importantes do cenário corporativo brasileiro, a empresária Luiza Helena Trajano começou a trabalhar aos 12 anos. Filha única, ela passava as férias escolares atendendo no balcão da loja de eletrodomésticos dos tios em Franca, no interior de São Paulo, cidade onde nasceu. Essa loja era o Magazine Luiza, onde fez carreira até chegar à presidência, em 1991. Sob sua administração, a rede varejista expandiu e hoje tem mais de mil lojas físicas espalhadas pelo país, além de uma operação pujante no e-commerce.
Luiza é também uma das vozes que defendem um mundo mais igualitário. Além de ações e campanhas do Magazine Luiza contra a violência doméstica, ela fundou em 2013 o grupo chamado Mulheres do Brasil, que hoje reúne mais de 40 mil mulheres em torno de pautas como educação, empreendedorismo e a valorização da mulher em espaços de poder. Em conversa com Paulo Lima no Trip Fm, ela relembra sua trajetória e fala sobre dinheiro, pandemia e os aprendizados como executiva e mãe. Ouça o programa no Spotify, no play abaixo ou leia a entrevista completa.
Trip. Luiza, você começou mesmo a trabalhar com 12 anos? Como é que era a sua família? Como foi a sua infância?
Luiza Trajano. Eu sou filha única. Com 12 anos eu gostava muito de dar presente, até por estar sozinha. Aí minha mãe falou assim: "Vai trabalhar, ganha e dá o presente". Então foi só em dezembro que trabalhei com essa idade. Mas com 17 anos eu me formei e fui trabalhar na loja. A minha família veio de uma família simples. Eu já tive uma vida melhor, não precisei trabalhar para estudar. Mas eu gostava mesmo, e entrei muito novinha, já era vocacionada para isso. Com 12 anos eu comecei a trabalhar para poder dar presentes, e foi uma experiência muito legal, porque eu não só dei presentes como descobri também o meu talento para lidar com pessoas, atender. Interessante que todos meus primos, meus filhos, e agora minha neta, que fez 13 anos nesta semana, foram à loja em dezembro trabalhar durante 25 dias antes de entrar de férias, e também foi para comprar presentes para dar para a família. É legal poder repetir essa história. Quando você tem uma experiência positiva, e você gosta da experiência e faz bem, inspira as pessoas. Eu nunca pensei que a minha neta fosse viver essa experiência e fosse até dar presente.
Por que você foi estudar Direito? Eu também estudei Direito e me faço essa pergunta até hoje. Fui trabalhar em comunicação, nunca exerci o direito. Queria fazer essa pergunta para a minha colega bacharel. No fundo eu queria fazer psicologia, mas Franca não tinha na época, e Direito era uma boa faculdade. Não me arrependo de ter feito, porque você aprende muita coisa, mas eu nunca exerci. Eu fiz administração junto, pelo menos durante três, quatro anos, eu nem me formei. Você podia fazer os dois na época. Mas eu venho de uma família empreendedora, então eu respeito muito meus colegas do Direito porque eu sou formada, mas eles sabem muito mais do que eu.
Você é uma das mulheres CEOs pioneiras. Até hoje são poucas no mundo, e aqui no Brasil é uma porcentagem ínfima de mulheres na presidência ou na diretoria das empresas. Como foi para você, mesmo estando em uma empresa familiar, assumir a presidência do grupo? Você teve que se provar mais que os outros, principalmente do que os homens, como executiva? Aconteceu que eu já era de direito de fato. Eu fui vendedora, gerente de loja, encarregada, e depois compradora. Eu fiz toda uma carreira e cheguei à presidência em 1991. A minha família é mais empreendedora do que gestora, e eu nunca escutei não, aprendi demais. Em 91 eu passei a ser de direito, muda muito. Falando de ser mulher agora, eu fui criada numa família de mulheres fortes que trabalhavam. Isso ajuda muito, para mim e para a minha época. A minha tia, que fundou a empresa, que sempre lutou muito, e acho que ela foi uma divisória da família, o antes e o depois, em relação ao patrimônio. Antigamente, na cidade tinham aquelas lojas muito tradicionais, com vários setores: construção, presente, tecidos, que era mais forte do que confecção. E ela tomava conta do setor de presentes. Tomava conta tão bem, ganhava tantos prêmios, que ela nunca entendeu eu ter que dar curso para os funcionários, porque ela nunca precisou de curso e fazia isso muito bem. Depois ela casou, se mudou de Franca para São Carlos. O sonho dela era comprar uma loja para gerar emprego para a família e em frente onde ela trabalhava tinha uma loja à venda chamada "A Cristaleira". E aí ela comprou, com muito sacrifício, só tinha o dinheiro da prestação.
E olha como a gente tem um sangue de marketing: como ela era muito conhecida, fez um concurso na única rádio que tinha na cidade nessa época, tô falando do interior. Ela fez um concurso público para escolher o nome da loja e o povo escolheu o Magazine Luiza, por causa do nome dela. Então eu fui criada nesse espírito de mulher trabalhando. Minha tia tinha uma inteligência empreendedora maravilhosa, até hoje ela saca muita coisa. E ela falava assim: "Não tem crise". Se uma loja não estava bem, ela falava: "Troca o gerente". Mas ela não tinha muita inteligência emocional, não entendia como eu tinha que dar curso para o pessoal tratar o cliente bem, foi mais difícil para mim essa parte. Mas ela era muito esperta, muito inteligente. E eu tive uma mãe – que infelizmente morreu quando eu tinha trinta e poucos anos, suficiente para eu ter os 3 filhos – que tinha muita inteligência emocional, muita. Então eu tive a oportunidade de ter duas mulheres fortes, eu sou uma privilegiada. Mas hoje eu percebo que o machismo é muito arraigado. Eu falo para os meus amigos, falo para os homens que tentam hoje entender isso (e são muitos) que é uma coisa muito arraigada. Eu sou totalmente a favor da junção masculina e feminina. Não teria criado três filhos adolescentes trabalhando fora se não fosse a força masculina do meu marido. Nunca deixei de dar minha visão feminina, sou super feminina para administrar. Eu choro, eu intuo, eu cuido das pessoas. Mas respeito muito o masculino, e falo para eles: "Vocês têm filha, vocês vão ter neta. A conquista ainda é muito grande, tem muita coisa para se conquistar, então nos ajude aqui".
Outro preconceito aqui no Brasil que é muito forte é a gordofobia. Alguns anos atrás você passou por um processo de reeducação alimentar e por uma cirurgia bariátrica, e mudou bastante a sua constituição corporal nos últimos anos. Queria saber como é que foi isso na sua vida. Eu sempre fui muito magra na época de adolescente, que talvez você sofra mais com isso. Me casei com 49 quilos. Depois eu tive um hipotireoidismo por tensão, por estresse, engordei e não conseguia emagrecer. Tanto é que eu não sou magrinha, eu queria até ser hoje, mas eu sou mais cheia do que magrinha. Eu não tive adolescência assim, eu não casei gorda, mas se tivesse também, eu tirava de letra. Eu não sei explicar, sou uma pessoa que tenho uma autoestima muito legal, você pode falar qualquer defeito meu que eu não levo pelo lado pessoal. Mas, por outro lado, eu entendo o que uma gordura faz, o que uma discriminação faz.
Já faz algum tempo que você começou a direcionar a sua energia e o seu dinheiro para o outro. Além da geração de milhares de empregos, eu estou falando de pegar a sua grana e o seu tempo e colocar para funcionar a serviço de quem não tem nada. O que tem sido observado de fato é que a cultura de doação deu uma acordada nas últimas 12 semanas. Tem números que mostram que o Brasil doou mais em seis semanas do que em dois anos. A desigualdade, as questões raciais, estão aí há séculos. Por que a elite financeira brasileira precisou desse trauma de uma pandemia, dessa mortalidade em massa, para perceber que tinha o outro passando fome e que o negro está numa situação de desvantagem gigantesca? Será que a gente não enxergava isso antes? Eu vou muito para o sertão com os Amigos do Bem, então faz 5 anos que eu sei o que é não ter água. O que aconteceu, e eu não estou aqui defendendo, é que nas empresas brasileiras você trabalha com crenças. Se você analisar como se tinha valor até pouco tempo na Bolsa de Valores, era através de resultado a curto prazo. Em 2011, o Magazine entrou na Bolsa, e nós já éramos a melhor empresa para se trabalhar há 10 anos. Em road shows eu até falava: "Somos a melhor empresa para se trabalhar, a gente cuida dos funcionários". E isso não valia um real a mais a nossa empresa. Eu continuava porque acreditava nisso. A epidemia acelerou algumas coisas que estavam paradas, que estavam começando. Depois que a Bolsa teve muita quebra de resultado no mundo inteiro, que começou com o Banco Lemann, depois foi consultoria famosa, ela começou a rever seus valores.
As empresas de família passaram a ser mais valorizadas. As áreas de Recursos Humanos eram um departamento pessoal lá no cantinho, que o presidente não tinha nem acesso. Hoje você percebe que de 3 anos pra cá toda diretoria de RH está diretamente com o seu CEO. Estava acontecendo uma mudança. Você percebia que, para você entrar em uma empresa, não era mais só você estudar numa faculdade grande. Isso era importante, mas se descobriu que as pessoas eram contratadas pelas capacidades técnicas e eram mandadas embora pelo comportamento. Já começaram a mudar isso. As empresas já estavam fazendo o teste cego, e daí davam mais oportunidades. O que eu quero dizer é simples: os empresários tiveram muitas crises também. Muitas crises, uma atrás da outra: cortava zero, inflação não sei quanto, juros altos, burocracia do país, e eles tinham que sobreviver. Eu não estou aqui defendendo, estou dizendo que essa crença foi formando neles um tipo de egoísmo como é visto fora hoje, mas que era a sobrevivência. Então eles achavam que sobrevivendo nesses momentos, gerando emprego para toda a sua empresa, já faziam o suficiente. Porque era dia e noite de preocupação. Não estou querendo justificar, eu estou querendo explicar historicamente o que levou a isso.
Agora o que aconteceu: todo o mundo parou. E nós tivemos que ficar em casa. E aí começaram a ver que as pessoas que trabalhavam para você não podiam vir, você tinha que fazer o serviço de casa. Então essa epidemia nos confrontou com aquilo que muitas vezes o tempo e a sociedade iam nos envolvendo, e não dava para ver. Na hora que você para, você vê o tanto que você estava fazendo mal para a natureza, que o céu de São Paulo está lindo. Você vê o tanto que você gasta de gás carbônico. Você vê o tanto que aquela pessoa que te servia dentro de casa era útil. O que eu estou tentando falar é que não adianta ficar analisando o passado e fazendo um diagnóstico, a gente tem que agir.
O Mulheres do Brasil tem vários comitês, um é de saúde. Eu já estudava há três anos que o SUS é o melhor sistema de saúde que existe no mundo, foi tirado da Inglaterra. Eu falava isso nas minhas palestras todo dia. Se você vê os pilares do SUS, e nós vamos fazer uma campanha para mostrar, você fica impressionado. Temos que ter orgulho. Mas uma coisa é não ter gestão. E quando não tem gestão a gente começa a cobrar alguém e a se desfazer do que tem, a falar :"Lá não presta". Nós vamos sair com uma campanha muito forte do SUS. Somos hoje quase 50 mil mulheres e vamos explicar o que é o SUS. Nós estamos vendo os gargalos, o porque não funciona, e com 50, 60 mil pessoas atrás, nós vamos ser ouvidas. Nós vamos ser ouvidas porque é um país democrático.
Hoje o CEO da empresa é o seu filho Frederico, que já está há alguns anos à frente da companhia. Na gestão dele foi consolidada a que foi considerada uma das transições mais bem feitas de uma empresa eminentemente física para o mundo virtual. É o sonho de todos os varejistas, e vocês fizeram, e parece que o papel do Fred foi muito importante. Já vi empresas familiares darem muito certo, mas tem milhões de histórias de empresas que quebram por causa de briga. Como é ver o seu filho assumindo? Dá orgulho ou um pouco de ciúme também? Primeiro tenho que dizer que a maior riqueza é ver filho encaminhado. Em segundo, tenho que dizer que nunca falei pra ele trabalhar na empresa e nunca falei para ele ser presidente de lugar nenhum. Sim, todo mundo acha que eu bati ele no computador e ele saiu aqui. Tanto eu quanto meu marido sempre demos um exemplo de solidariedade, de sair da mesa e dizer "muito obrigado", de achar que o dinheiro não compra nada, que você tem que pegar uma coisa e levar até o fim. Eu tenho três filhos. Uma é chefe de cozinha, que resgatou o Brasil na gastronomia, a outra é pedagoga, filósofa, muito comprometida, que se casou e mora em Portugal. A maior fortuna que eu tenho são meus filhos compromissados. O Frederico realmente entrou na cedo na FGV, trabalhou fora, e ele quis vir pro Magazine.
Nós somos uma das primeiras e únicas empresas no mundo digital que nasceu do analógico. Nossos grandes concorrentes, Amazon, Alibaba, já nasceram digitais. E ninguém acreditava que a gente ia conseguir fazer isso. Nós entramos na bolsa em 2011 e nossa empresa valia 4 bilhões de reais. A nossa empresa chegou a valer 400 milhões porque a gente não separava o "ponto com". E aí sim, quem comprou naquela época ganhou muito dinheiro, e quase ninguém comprou, só teve um investidor que investiu 5%. Eu e a minha tia que comprávamos. Mas eu falo que a gente conseguiu isso porque o propósito da família não era ganhar dinheiro, era gerar emprego. A minha família nunca ligou. E eu não passei pro Frederico. Quando eu não quis mais ser CEO eu passei para o Marcelo Silva, e ele que passou para o Frederico. Nada de carta marcada, pois a empresa naquela época já estava na Bolsa. Já tínhamos um sócio estrangeiro, que tinha 13%, e um sócio que era banqueiro, o Unibanco, que foi sócio do nosso crediário, o Luizacred. A gente já tinha uma empresa que era familiar, e a família ainda tem 60% empresa, mas assim, é uma empresa super profissional. Primeiro vem o respeito que a gente tem com a instituição. A nossa família é pequena, mas ela tem respeito à instituição.
Desde que eu sou pequenininha, a gente nunca comprou e ficou devendo, a gente nunca misturou gavetinha. No interior a gente fala "não mate a galinha de ovos de ouro", então a gente sempre teve respeito. E o Frederico veio porque ele quis, eu tenho um sobrinho que é acionista e também tá no Magazine. Eu venho de uma família que simplicidade é forma de vida mesmo. Falei que minha mãe era muito inteligente e quando eu tive o primeiro filho ela disse: "Minha filha, não pegue culpa porque não tem receita". Tem mãe que trabalha fora e tem filhos ótimos e outras têm filhos péssimos. Se tivesse receita, largava tudo e fazia aquela receitinha, que nem tem nada melhor. Então você não pega culpa, até porque tire as suas expectativas: se ele for ruim é porque você trabalhou, se foi bom é porque que Deus ajudou. Você não vai ter mérito nenhum, e eu nunca esperei ter mérito.
O empresariado hoje, como todo o Brasil, está meio dividido. E isso tem um aspecto bastante tenso e negativo, a tal da polarização. Qual é a sua avaliação como empresária super bem sucedida sobre a condução do país no governo atual? Eu adoro a democracia e, quando você gosta de democracia, você tem que aceitar quem o povo votou. O que eu tenho falado é o seguinte: eu não estou aceitando nada que não seja união, tanto de um lado quanto do outro. Eu acho que, nesse momento, tanto oposição como situação tinha que estar unida. Nesse momento nós temos a crise da saúde, nós temos uma crise econômica que não é fácil, e nós temos uma insegurança. Estou vendo em Portugal, onde mora uma filha minha, que eles se uniram, oposição e não. Eu falo: "Vamos dar um tempo". Os outros me falam: "Luiza, é a democracia". Ninguém está falando para não ter pontos diferentes, eu adoro a democracia. Mas a gente tem que se unir agora contra um único inimigo, que se chama vírus. A gente não pode matá-lo e não pode pedir para ele parar. O que eu estou tentando fazer agora é a união. Vamos amadurecer nesse momento e vamos nos unir.
“O poder e o dinheiro é um mosquitinho que te morde, e você não tem nada, você está.”
Luiza Helena Trajano
Segundo seu raciocínio a gente tem que se unir principal e fundamentalmente contra esse inimigo que é o coronavírus. Nesse momento temos o terceiro Ministro da Saúde durante a pandemia, em apenas três meses. E houve a questão da ocultação dos números de óbitos. Você acha que está sendo razoável essa gestão da pandemia? Eu não quero ficar falando se está razoável ou não. Eu acho que tinha que ter uma união. O mundo inteiro e o Brasil, com consistência, exigiram os dados e já passou a ter de novo. O que eu quero dizer é que nenhum salvador da pátria vai salvar o Brasil. É a sociedade civil organizada, sem paixões, para fazer o Brasil que precisamos, e por isso que nós temos o grupo Mulheres do Brasil há seis anos. Os outros falam: "Luiza, vai se candidatar", mas nunca me filiei a partido nenhum. Sou uma pessoa apaixonada pelo Brasil. O Magazine Luiza há 20 anos tem, toda segunda-feira, nas suas 1100 unidades, um rito que canta o hino nacional. Quem não quiser cantar não canta, mas a gente canta. Acho que nesse momento não adianta eu ficar fulminando. É importante que saiam os dados, e também que saiam certos. É importante que todo mundo saiba a verdade, a imprensa se una. Nesse momento todo mundo junto, qualquer divergência eu estou sendo contra.
Com relação ao dinheiro, você já passou por fases de ter pouco dinheiro, de ter muito dinheiro, de ter mais ou menos. Como é que você lida com essa energia do dinheiro? O que é o dinheiro e para que serve o dinheiro? O dinheiro para mim ele não é nem muito, nem mais, ele é conseqüência. A única coisa que eu tenho que dizer é que eu morro de medo de poder e de dinheiro, mas não no sentido de ter muito. O poder e o dinheiro são um mosquitinho que te morde, e você não tem nada, você está. Eu nunca tive vontade de ter mais, primeiro porque eu não passei necessidade. Eu estudei em colégio. Eu não tinha vontade de comer uma coisa e não comia. Eu sempre tive a vontade de acordo com o que eu podia. Quando nossas ações valiam 400 mil reais, ninguém da família nunca cobrou o Marcelo, como também agora parece que valem 90, 100 bilhões, e ninguém fala nada. Nós fizemos um road show para colocar dinheiro na empresa, e a família ficou com uma porcentagem. Ninguém pegou o dinheiro. A gente deixou lá aplicado e foi desse dinheiro que a gente doou agora. Não estou falando que a gente não gosta, mas ele é para nós uma coisa comum. Eu acho o poder até pior que o dinheiro, para te falar a verdade, porque o poder você usufrui. O dinheiro, quando você já tem casa, tem carro bom, ele melhora um pouquinho a sua vida, mas ele não muda a sua vida. E o poder te dá uma coisa muito séria. As pessoas te tratam diferente, só falam o que você quer ouvir. Eu fiz um pacto com Deus. Toda vez que eu tivesse subindo no salto alto do poder, era para ele me tirar o tapete, e ele me tira. Agora não, que eu já sou muito madura, mas ele me tira de uma maneira que eu falo "nossa!". Graças a Deus, hoje, tanto os meus filhos quanto a família lidam muito bem isso. O dinheiro para mim ele é uma consequência. Não que ele não seja bom. Agora ele precisa ser dividido, porque se você tem ele só para você, acho que deve ser uma coisa muito triste. Na minha família, o dinheiro serve para multiplicar. Nós somos a empresa que mais gerou emprego na crise. A gente gerou 400, 500, 600 empregos por mês, até vir a pandemia. Ninguém tem nada, você está. Quando isso incorpora dentro de você, você muda a vida. Eu posso estar hoje com saúde, amanhã eu não sei. Eu posso estar com dinheiro, daqui 30 dias eu não sei se eu tenho mais. Porque a Bolsa é assim né, a gente nem olha esse dinheiro. Esses dias me perguntaram e eu falei: "É papel, gente". Hoje eu tenho muito, daqui a pouquinho ela cai, depois ela sobe de novo.
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Com todo o drama, toda a tragédia e todo o sofrimento, tem um aspecto de aprendizado muito positivo dessa pandemia. Você citou algumas coisas com as quais a gente está sendo confrontado. Uma delas é a nossa fragilidade. A gente agora está vivendo bem mais perto da morte. As pessoas têm o péssimo hábito de achar que isso só acontece com os outros, achar que isso nunca vai acontecer com você, mas de repente ela ficou muito pertinho. Você tem medo de morrer? Eu era muito amiga íntima do Gilberto Dimenstein [jornalista, faleceu no dia 29 de maio de 2020]. Sofri muito, fico até emocionada. Eu sou uma pessoa que não tenho muita teoria da minha vida, tenho mais ação. E ele me falou uma coisa que eu acho que é o que eu sempre tive medo. Eu tive muito mais medo de perder meu propósito do que da morte. E da empresa perder o propósito dela, aquela empresa do interior, que faz para os outros o que eu gostaria fizesse, que erra e que pede desculpas. Hoje eu tenho certeza que eu posso morrer tranquila, porque o que esses meninos fizeram, eles cuidaram da saúde dos funcionários como ninguém. Eles têm dez médicos de plantão. O Frederico tem uma equipe cuidando da saúde, criaram a telemedicina. Eles cuidaram do humano melhor do que eu cuidaria. Olha, para eu falar isso... Então assim, eu estou muito feliz, pois no momento que eles estavam bem, com dinheiro, com o caixa, na frente da concorrência, eles pararam tudo. Trabalharam dia e noite para criar coisas para os autônomos, como o parceiro Magalu. Não dormiram sobre a vitória e cuidaram da saúde, da gestão e não mandaram ninguém embora. Até agora nós não mandamos ninguém embora. Se o Gilberto estivesse aqui agora, eu falava: "Gilberto, o povo tá me questionando muito de dinheiro, o que você acha que eu sou do dinheiro?". Sobre morte, ele me falou uma vez: "Nós temos muito mais medo de morrer o propósito do que de morrer a vida". Eu me emociono muito, era uma pessoa muito importante na minha vida.
Aproveito para fazer uma homenagem também à memória do Gilberto Dimenstein, que já teve aqui no programa. Um colega nosso, jornalista, e também como você, dedicou bastante tempo e energia para pensar mais no outro. Que ele esteja descansando em paz.
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