Em NY, um projeto faz pensar sobre a viabilidade de tornar o Minhocão um parque suspenso
Há alguns meses Nova York ganhou um presentão batizado de High Line Park. O projeto de revitalização urbana da megacidade americana é muito estimulante e poderia, ou deveria, servir de estudo para São Paulo. O High Line é um parque suspenso e adaptado onde entre os anos 30 e 80 operou uma linha de trem que transportava mercadorias até a área dos armazéns da cidade. O que era uma região árida entre os bairros de Meatpacking e a rua 34, zona oeste de Manhattan, é onde agora funciona, das sete da manhã às dez da noite, uma via verde, florida, turística e aconchegante. A obra que deu origem ao parque é quase o que é o nosso Minhocão: 4 km aproximadamente de extensão, 10 m sobre o asfalto e em alguns trechos passa lambendo os edifícios. A diferença é que estamos em Nova York e olhando a rua lá embaixo percebe-se o tamanho do abismo que separa as duas cidades e seus cidadãos. O parque que recebe nova-iorquinos e turistas caminha beirando o rio Hudson sobre o downtown, parte mais incrível de Manhattan. Antes de o parque ser aprovado havia ali um dinossauro a ser abatido: uma via férrea suspensa que ligava uma região a outra e, pior, sem finalidade desde 1980. Um drama semelhante ao nosso na questão sobre o que fazer com o Minhocão que corta a cidade ligando as zonas leste e oeste e onde circulam quase 100 mil veículos por dia.
O High Line Park nasceu da vontade de preservar a história da cidade, assunto em que os americanos são bons. Cidadãos que aderiram à causa em parceria com a prefeitura de Michael Bloomberg desistiram da ideia de destruir o que estava erguido e partiram para o plano B. Foram alguns anos entre o desenho e a inauguração dos primeiros 2 km, a metade do projeto. O site da prefeitura de Nova York conta que só no segundo semestre de 2009 mais de 30 novos projetos de escritórios e galerias de arte, lojas, restaurantes e bares pegaram carona na obra e colaram na vizinhança, oxigenando mais ainda o downtown NY. O projeto Designing the High Line foi conduzido pela entidade Amigos do High Line, milhares de pessoas que doaram tempo e dinheiro à causa, em parceria com a prefeitura. Foram mais de 700 times de 36 países diferentes, projetos e muita conversa, até escolherem o desenho de duas empresas americanas especializadas em arquitetura, engenharia, paisagismo e arte pública: a James Corner Field Operations e a Diller Scofidio + Renfro. O empreendimento é muito humano, uma aula de urbanismo e visita obrigatória aos leitores que tiverem oportunidade de visitar Nova York.
Gothan City
Desde que o projeto de revitalização do centro da cidade de São Paulo foi anunciado com confete e serpentina pela atual prefeitura, a situação é de dar dó. Um factoide sob a bandeira de uma cidade mais justa para um paulistano mais feliz.
A revitalização do centro de São Paulo, deveriam saber eles, tem de começar primeiro pela pessoa, e depois pelo edifício. Enquanto não socializar, educar e se fazerem respeitar as leis, São Paulo vai se aproximando rapidamente de um cenário mais Gothan City ainda, com as ruas tomadas por mendigos, travestis e uma segunda geração de zumbis envenenada pelo crack e derivados que proliferam por todos os cantos. Tudo na moral. Tudo observado a distância pelos “homens” que tapam o nariz pra falar do assunto.
Abaixo o Minhocão
Em maio passado veio a “ideia genial!” e o prefeito Gilberto Kassab tirou da cartola um déjà-vu. Atrás de Erundina, Marta e Serra, é a quarta vez em que um prefeito de São Paulo anuncia: “Vamos derrubar o Minhocão!”, o nada popular elevado Costa e Silva, pepino datado de 1971. Implodir o elevado já foi orçado pela Erundina em quase US$ 100 milhões há alguns anos. Se considerar a inflação, o que a história política nos ensina, uma execução desse porte, no mínimo, dobra de valor. Sob essa ótica, o prefeito Kassab está certo: melhor seria enterrar de vez o Minhocão e tudo que estiver por perto.
Lelé: “é preciso investir em transporte público de qualidade e parar de fabricar automóveis, ou então o problema viário é insolúvel”
Palavra de arquiteto
A melhor solução para o Minhocão é a demolição. Um jardim suspenso é paliativo, você resolve a parte de cima, mas embaixo não. O problema viário é fato, e as ações que têm sido feitas pelas cidades são imediatistas e não trabalham a raiz da questão: é preciso investir em transporte público de qualidade e parar de fabricar automóveis, ou então o problema é insolúvel.
João Filgueiras Lima, Lelé, arquiteto e ganhador do prêmio Trip Transformadores 2009
O Minhocão foi um trauma. Arruinou muita gente, deixou obscura uma paisagem antes viva. O Maluf deveria ser condenado a morar com a família num prédio ali. E a demolição é uma solução, mas, sem cuidado, vira outro trauma. Para onde iria todo entulho? E o barulho? Quantos anos iriam levar? Uma alternativa é tirar umas vigas, o que já enche de luz embaixo, e fazer um jardim com ciclovia, como em NY.
Rafic Farah é designer e arquiteto
No High Line Park a intervenção pontual irradiou mudanças no entorno. Já no Minhocão é diferente. Existem muitas opções do que poderia ser feito, mas os carros devem ser retirados. Demolir não é uma saída, a questão é mais profunda. E, em qualquer caso, a população deve ser consultada. Afinal, se ela não cria afetividade com o lugar, não respeita e não mantém.
Ciro Pirondi é um dos arquitetos idealizadores da Escola da Cidade