Sobre o amor e a guerra

Caramuru: ”A briga é um ato de violência que faz o parceiro se submeter à nossa vontade”

As estratégias militares do general Carl Clausewitz serviram também para uma terapia de casal. O psicólogo diria coisas como: “a briga é um ato de violência que tenta fazer o parceiro se submeter à nossa vontade”

Carl Phillip von Clausewitz (1780-1831) foi um general prussiano que conquistou fama e respeito durante as guerras napoleônicas na Europa, lutando do lado dos que no começo apanharam bastante mas, no fim das contas, derrotaram o imperador francês. E estava em plena atividade, comandando tropas na fronteira da Polônia, quando morreu de cólera, aos 51 anos. Mas o que assegurou que o prestígio militar de Clausewitz atravessasse os séculos não foi o que ele fez no campo de batalha, e sim o que pensou e escreveu.

O livro Da guerra, que reúne as reflexões de Clausewitz, é provavelmente a mais influente obra, em qualquer tempo, a respeito de estratégia militar. Que ela fosse uma favorita de Hitler e dos generais alemães da Segunda Guerra seria esperado; mas é menos natural que estivesse entre as obras de cabeceira de Karl Marx; que servisse como uma das principais fontes para o planejamento militar de Eisenhower, Lênin e Mao Tsé-tung; que fosse mencionada entre os livros favoritos de Bob Dylan; e que, finalmente, aparecesse em inúmeras obras de ficção, de 007 a filmes de Sam Peckinpah. De tudo o que Clausewitz escreveu, o que não foi pouco, a frase mais exaustivamente citada é a afirmação de que a guerra nada mais é que a continuação da diplomacia por outros meios. Ela é menos óbvia do que parece, especialmente porque desloca, de maneira original para a época, a guerra de um âmbito essencialmente militar para um quadro mais amplo com dimensões sociais e políticas (alguns anos depois, Tolstoi, em Guerra e paz, iria na mesma direção).

Eu me lembrei de Clausewitz quando pensava no tema desta edição da Trip e comecei a viajar. Se a guerra é a extensão da diplomacia, até que ponto a diplomacia pode ser a extensão de relacionamentos pessoais? Ou, por outro lado, até que ponto relacionamentos pessoais podem causar ou evitar guerras? Os exemplos são muitos. O mais famoso, e antigo, é o da Guerra de Troia, que na mitologia original teria sido causada quando Helena trocou Menelau por Páris. Um triângulo mais recente (não exatamente “amoroso”, mas ainda assim um triângulo), mas não menos clausewitziano, teria sido aquele entre Reagan, Thatcher e Gorbatchov. E que teria, no mínimo, apressado a desmontagem do bloco soviético.

No divã

Indo ainda mais longe: se Sun Tzu pôde ser aproveitado pelos teóricos do marketing e Zen virou arte de consertar motocicletas, por que Clausewitz não poderia ser usado por psicólogos de relacionamento? Fiquei pensando num terapeuta de casais que, tendo deixado para trás Freud e Jung, se apresentasse como clausewitziano. O psicólogo em questão, diante de um casal enfrentando brigas e dificuldades em seu dia a dia, diria coisas como: “Os erros causados por boas intenções são os piores erros”; “A briga é um ato de violência que tenta fazer o parceiro se submeter à nossa vontade”; “Ao pensar em destruir o parceiro, não se deve limitar à destruição física; a destruição emocional é muito mais importante”. Caramba, pensando bem, essas frases são verdadeiras lições de vida... E daria certo? Tenho certeza que sim, e que surgiriam centenas de centros de estudo, cursos de pós-graduação e livros dedicados à terapia clausewitziana.

Afinal, deve ter funcionado direitinho com o próprio, pois tudo indica que ele teve um ótimo relacionamento com Marie, sua esposa. Foi ela quem, após a morte do general, fez com que fossem publicados os seus estudos, até então inéditos, que o promoveram do status de um bem-sucedido oficial a um dos mais importantes teóricos militares da história. E, se tudo der certo, dos relacionamentos também.

*André Caramuru Aubert, 50, é historiador e trabalha com tecnologia. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br

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