A cobiça dá lugar a uma reavaliação do que realmente é necessário e do que nos faz feliz
Resistimos à tentação de repetir o título do editorial do mês passado (para quem não nos acompanha mensalmente, o texto veio encabeçado pela frase “Eu te disse, eu te disse”). Não nos dobramos a outra bem convidativa, a de usar o trecho daquela música do Benjor que diz “Deu no New York Times...”. Também não demos em letras grandes o mote de nossas campanhas que ao longo de anos mostravam aos leitores pautas publicadas pela Trip e depois replicadas por outras publicações e veículos “inspirados” por nossas páginas: “Trip deu antes e gostou”.
É que o assunto agora, apesar de feliz, não é brincadeira. Cabe, claro, algum tipo de comemoração. Mas não a de quem compete pelo furo jornalístico ou pela piada mais divertida. Em vez da gargalhada, o momento chama um sorriso sereno de satisfação. De ver que aquilo que faz sentido para o todo acaba transpondo quaisquer obstáculos e se estabelecendo. Até mesmo nas praias mais improváveis. Tão certo e natural quanto a calma que vem depois do swell.
No dia 7 de maio, aquele que para muitos, apesar das turbulências que enfrenta, é a maior referência da imprensa diária mundial e uma espécie de bastião, espelho e alto-falante da chamada cultura de mercado norte-americana, publicou uma extensa matéria com chamadas, fotos e teor que mereceram a atenção de muitos observadores.
O New York Times deu um grande artigo, sob o título “Mudança de valores”, que começa com “A cobiça dá lugar a uma reavaliação do que realmente é necessário e do que nos faz feliz”.
A leitura deixa claro que o percurso será longo e que a sociedade norte-americana ainda tende a relativizar e a colocar a lente do mercado, do dinheiro e da competição entre seus olhos e qualquer assunto. Mas é evidente, e o artigo não deixa dúvidas, que a mudança de drive já é uma realidade. Imposta ou pelo menos agravada pela crise econômica, é verdade. Mas inexorável.
A Folha de S.Paulo, que reproduz o conteúdo do jornal americano semanalmente em suas páginas, deu o devido destaque ao assunto. E trouxe logo abaixo outra reportagem que completava a primeira. Uma boa e ampla abordagem sobre a experiência do Butão como formato criativo e absolutamente inovador de gestão de um povo. Uma gestão focada em indicadores mais humanizados e equilibrados, uma lógica que presta atenção na saúde física e mental, no tempo livre, nas relações humanas, no aprendizado de diversos saberes, na coerência, na preservação da vida e do ambiente, em coisas tão simples como fundamentais. Algo definitivamente bem distante do modelo que as chamadas nações desenvolvidas vêm utilizando há décadas e que tem esfarelado a olhos vistos nos tempos mais recentes. Vejamos mais um trecho extraído do artigo referido: “Você vê no que dá uma completa dedicação ao desenvolvimento econômico? (...) As sociedades industrializadas decidiram agora que o PIB é uma promessa violada”.
E aí, até mesmo aqueles leitores da Trip citados no início, os que não nos leem todos os meses, hão de reconhecer os fundamentos do pensamento que externamos pela primeira vez em 2005 e que revisitamos desde então todos os meses nas nossas páginas, sites, nas ondas de rádio, celulares e em todos os suportes aos quais temos acesso.
Neste mês, o assunto é interdependência. A noção de que tudo o que somos, vemos e sentimos são partes de um mesmo organismo. Que tudo o que está vivo e até mesmo o que não está compõem um grande corpo que não pode prescindir nem da mais insignificante e pequena parte, sob pena de ver o efeito dessa falta se irradiar de forma grave por todo o resto do organismo.
É de tudo isso que estamos falando na edição presente e em tudo o que fazemos aqui. E esperamos que em breve essa mesma percepção possa estar na capa do Times de Nova York ou de outros veículos importantes e, mais que isso, presente nas reflexões de mais gente. Não por vaidade jornalística, nem por qualquer outra razão. Mas por uma questão de sobrevivência do organismo maior que nos liga.