Queda de braço do pacto

por Lino Bocchini
Trip #211

Nenhuma montadora do Brasil assinou o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo

Sete anos de convites depois, nenhuma montadora brasileira assinou o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo 

O Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo é um projeto lançado em 2005 por mais de 200 entidades e associações, como o Instituto Ethos e a Organização Internacional do Trabalho. Seu objetivo é acabar com situações que a lei define como “análogas ao trabalho escravo” – ou seja, condições desumanas, humilhantes e impossibilidade de desligar-se de seu patrão (como as denunciadas em junho de 2011 envolvendo a marca de roupas Zara, em São Paulo). Centenas de empresas brasileiras assinaram o pacto, como Pão de Açúcar, C&A, Walmart e a própria Zara (dois meses depois das denúncias), assumindo o compromisso de adotar medidas para erradicar o trabalho escravo de toda a sua cadeia produtiva – e não apenas em suas fábricas ou pontos de venda. Entre as empresas, não há nenhuma montadora.

“Elas são convidadas desde 2005, mas nenhuma assinou o pacto”, diz Leonardo Sakamoto, ganhador do Prêmio Trip Transformadores 2011 e presidente da ONG Repórter Brasil, uma das sustentadoras do projeto. Ao assinar o pacto, as montadoras teriam que ajudar a fiscalizar toda a cadeia produtiva do automóvel, que remonta, por exemplo, aos altos-fornos onde o ferro-gusa (matéria-prima do aço) é produzido, alimentados a carvão – vindo muitas vezes de carvoarias ilegais, que destroem a mata nativa e são coniventes com o trabalho escravo. Outro ponto sensível é o couro, vindo de criações de gado não regulamentadas, e as plantações de cana que abastecem os carros flex. “Se nossa ONG consegue mapear, enormes empresas conseguiriam com ainda mais facilidade”, pondera Sakamoto.

Depois de anos de recusas no Brasil, Sakamoto embarcou para Detroit, nos Estados Unidos, em 2010, em uma comitiva com membros da OIT, na tentativa de que a importância do pacto fosse reconhecida “de cima para baixo”, a partir das matrizes das multinacionais. “Ford e Toyota nos receberam e ouviram tudo, mas não assinaram”, diz o jornalista. E por que tanta resistência? “Porque as montadoras não querem gastar com isso, não são pressionadas nem pelo governo nem pelo público”, acredita. “Elas não pagariam nada ao entrar no pacto, mas não dá pra ter responsabilidade social sem gastar nenhum tostão. Pra impedir que o consumo de bens como o automóvel arruíne a vida de alguém lá longe, elas teriam que rastrear seus fornecedores, investir em melhorias do processo, abrir mão de fornecedores baratos em nome de outros que trabalhem dentro da lei... e o pessoal não quer fazer isso.” E há esperanças? “Tem um público novo, mais jovem e organizado, com mais capacidade de comunicação e que não aceita determinadas práticas. O consumidor uma hora vai se cansar, e nós vivemos numa democracia em que a informação corre. Mas será que as empresas querem mesmo que esse tipo de informação corra?”

O lado das montadoras

Perguntamos a todas as montadoras instaladas no Brasil por que elas não assinam o pacto. A Ford disse que “repudia qualquer atividade relacionada ao trabalho escravo”, citou iniciativas da empresa que combateriam o problema, mas disse que “no momento não há planos para a assinatura”; a Toyota disse que nunca foi convidada a assinar; Mitsubishi diz “seguir de forma integral todas as leis trabalhistas do Brasil”, mas não entrou no mérito da assinatura. Volkswagen, Honda, Nissan, GM, Citroën, Pegeout e Hyundai não responderam até o fechamento desta edição.

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