Quando as coisas deram errado?

Os problemas de sustentabilidade começaram há 10 mil anos com a invenção da agricultura

Você olha a cidade pela janela e se pergunta: quando foi que as coisas deram errado? É tentador acreditar que foi há poucas décadas, quando as cidades resolveram que o automóvel era mais efi ciente que os bondes. Ou que foi entre 1960 e 1999, período em que o consumo anual dos recursos do planeta pelos seres humanos passou de 70% da produção natural (quando ainda éramos, portanto, “sustentáveis”) para 125%. Achar que os problemas começaram há pouco tempo dá a ingênua esperança de que as soluções estão facilmente ao nosso alcance, tipo trocando carro por bicicleta, tomando banho dia sim dia não ou elegendo o candidato certo.

Na verdade, as coisas deram errado há muito, muito tempo. Sabe os desertos poeirentos do sul do Iraque? É obra da mais antiga das civilizações, a dos sumérios, que há uns 5 mil anos esgotou terras até então exuberantes (tantas bobagens eles fi zeram por lá que as enchentes começaram a sair do controle, dando origem ao mito de Utnapishtim, na epopéia de Gilgamesh, que depois viraria a história de Noé no Velho Testamento). E a paisagem árida e pedregosa da Grécia? Agradeça aos gregos antigos e suas cabras, que extinguiram as vastas fl orestas que existiam ali. No Diálogo de Crítias, Platão escreveu: “As montanhas que agora não têm nada... tinham árvores há não muito tempo. A terra se enriquecia com as chuvas anuais, e não, como hoje, era lavada por elas... resultado do fl uxo das águas sobre a terra devastada...”.

Quer dizer então que começamos a fazer besteira há uns 5 mil anos? Não. Começamos antes. Em O pior erro na história da raça humana, um pequeno texto de 1987, Jared Diamond argumenta que as coisas começaram a dar errado com a invenção da agricultura, há cerca de 10 mil anos, e a conseqüente explosão populacional. A agricultura traz em si mesma o desequilíbrio ecológico, na medida em que separa uma área, antes com diversidade, para um cultivo específico. Ao contrário do que se pensa, por muito tempo a agricultura não representou uma vida melhor, pois a dieta diversificada dos povos caçadores-coletores gerava mais saúde e expectativa de vida. No entanto, estes acabaram perdendo a guerra pelo controle do planeta em função do crescimento demográfico dos plantadores de cereais. Uma centena de malnutridos ainda é mais forte do que um único bem nutrido. E aqui estamos nós, com a agricultura e o que ela gerou: a explosão populacional, as megacidades, o hiperconsumo e as superproduções de poluição, esgoto e lixo.

Pose de bacana
Dos sumérios até hoje é enorme a lista de civilizações que desapareceu tendo como uma das causas principais a falta de sustentabilidade. Lista que deveria nos sinalizar o que pode vir pela frente. Mas aprendemos? Não. A coisa já não está boa e a Terra ainda ganha mais de 70 milhões de pessoas por ano (a população de quase duas Argentinas), enquanto perde para a erosão uma área agricultável equivalente ao território da Áustria. Dependemos mais e mais da tecnologia e da produtividade, mas elas têm limites. Vivemos uma unanimidade pró-capitalismo e nos viciamos em comprar freneticamente eletrônicos, carros, alimentos, tudo. Se para a economia o crescimento exponencial do consumo é fundamental, para a ecologia ele tem sido fatal. E, sejamos honestos, não é mesmo fácil mudar hábitos arraigados há 10 mil anos. Mas o bom é que pelo menos você se preocupa, e fi ca bem bacana usando sacolinha retornável no supermercado.

*ANDRÉ CARAMURU AUBERT, 46, historiador que trabalha com tecnologia, não quis ofender os ecochatos. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br

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