O livre acesso à pornografia promovido pela internet mudou como enxergamos o sexo?
O livre acesso à pornografia promovido pela internet mudou nossa maneira de enxergar o sexo – e, por que não, o mundo. Mas quais são os efeitos dessa enxurrada de imagens explícitas: ansiedade nos homens e insatisfação nas mulheres ou maior tolerância sexual?
Alguns anos atrás, o estudante de filosofia inglês Matt McCormack Evans estava na biblioteca de sua universidade quando viu uma bibliotecária colocando livros nas prateleiras. A cena lhe pareceu sexy – e ele logo pensou que seria legal procurar algum material pornô com bibliotecárias, segundo contou ao jornal inglês The guardian. Evans, que tinha acesso livre à internet na universidade e frequentava sites de sexo explícito, percebeu que sua percepção da realidade estava mudando por conta da pornografia que consumia. A dele e a de seus colegas homens. E isso não era uma coisa boa.
O momento da verdade veio quando Evans viu um cara apertar a bunda de uma mulher numa balada. Foi o estopim para a criação do site Anti Porn Men Project, manifesto e manual de instruções para quem acredita que o material com sexo explícito disponível na internet em geral é degradante para as mulheres e influencia o comportamento dos homens em relação a elas.
“Quando eu via material pornô, eu pensava: ‘Isso é algo à parte da minha vida, não vai afetar a maneira como eu vejo o mundo’. Mas eu percebi que afetava sim”, conta Evans, de 22 anos. “A pornografia não satisfaz as necessidades sexuais do homem. Nem de ninguém. Então, se o pornô não cumpre nem esse papel básico, por que não há mais pessoas questionando sua existência?”
Mais do que um punhado de imagens explícitas, a pornografia é hoje campo de debate político e social. Ela incentiva a exploração das mulheres ou só representa os desejos ocultos da sociedade? Ver pornografia torna alguém mais insensível ou menos preocupado com o bem-estar sexual do parceiro? A disputa entre os que são a favor ou contra o pornô mostra que existem outras questões envolvidas, para além dos juízos morais. Não há consenso entre as mulheres, muito menos entre os homens, que ainda hoje são o principal alvo da multimilionária indústria do pornô.
Mas todos – especialistas em sexualidade, filósofos, jornalistas e cidadãos comuns – concordam em um fato: nunca foi tão fácil ter acesso à pornografia. Se antes tínhamos de ir à banca de jornal, constrangidos, comprar uma revista ou escapar para o fundo da locadora de vídeos para buscar novidades na seção “adulta”, hoje a internet oferece muito de tudo, no conforto do lar, de forma gratuita.
O instituto de pesquisa Top Ten Search Review estima que a indústria pornográfica faça circular U$ 97 bilhões por ano no mundo (número que chega a R$ 100 milhões no Brasil). São 420 milhões de páginas com sexo explícito na internet. Quase metade dos usuários (43%) acessa esse tipo de conteúdo. Hoje, a idade média para a primeira exposição à pornografia está na casa dos 11 anos.
“A pornografia não satisfaz as necessidades sexuais de ninguém. Então, se o pornô não cumpre nem esse papel básico, por que não há mais pessoas questionando sua existência?”
Existem consequências para esse open bar da sacanagem? A jornalista americana Pamela Paul diz que sim, e são graves. Em seu livro Pornified, ela alega que a superexposição às imagens pornográficas está tornando as relações sexuais menos espontâneas, criando impaciência nos homens e ansiedade nas mulheres. Eles querem performances como as que veem em vídeos e elas têm medo de não corresponder às expectativas. Os homens estão se viciando em pornografia e deixando as mulheres de lado para se dedicar a horas intermináveis de sexo online. Para chegar a tais conclusões, Paul fez uma pesquisa com mais de cem pessoas, a maioria homens.
Mulheres humilhadas
A associação entre pornografia e maus-tratos a mulheres está calcada no pensamento de duas filósofas feministas americanas: Andrea Dworkin e Catherine McKinnon. Juntas, escreveram em 1983 um projeto de lei para a cidade de Minneapolis no qual a pornografia era classificada como violação dos direitos civis das mulheres. A lei chegou a ser aprovada na esfera legislativa, mas foi vetada pelo prefeito. O argumento básico pode ser resumido à ideia de que revistas, filmes e sites pornográficos reproduzem relações desiguais entre homens e mulheres e incentivam a submissão das mulheres e até o estupro. Num depoimento à advocacia geral dos EUA em 1986, Dworkin declarou que no país existia “uma pornografia na qual todas as maneiras possíveis de humilhar uma mulher viraram uma forma de prazer sexual”.
A pesquisa "The Social Costs of Pornography", publicada em 2010 pelo instituto Witherspoon (ligado ao Partido Republicano), leva esse argumento além e chama a atenção para problemas como o vício em pornografia e o suposto incentivo que ela dá a abusos sexuais. Usando dados de pesquisa em psicologia, o estudo indica que os comportamentos apresentados em vídeos são imitados e levam a um maior número de casos de violência contra a mulher. Na conclusão, a pornografia é comparada ao tabagismo, e o instituto recomenda que o governo americano interfira para regular a circulação de imagens de sexo explícito.
É só fantasia
Mas há quem pense diferente. Outro estudo de 2009 mediu os efeitos positivos da pornografia em lugares onde ela era proibida e passou a circular livremente. Ex-professor da Universidade do Havaí e especialista em sexualidade humana, Milton Diamond argumenta que nesses locais o número de crimes relacionados ao sexo diminui. Seu estudo também aponta o que a pesquisa do Instituto Witherspoon timidamente admite: não é possível relacionar o aumento de abusos sexuais à livre circulação da pornografia. Apresentando dados de países como EUA, Polônia, Japão, Canadá, República Tcheca, China e Finlândia, Diamond mostra que não dá para afirmar cientificamente que ver material explícito seja prejudicial à sociedade e agrida, prejudique ou humilhe as mulheres. Seus dados dizem o contrário: quem assiste a vídeos de sexo explícito apresenta inclinação maior para a tolerância com as mulheres.
E, se há feministas que querem censurar a pornografia, existem também aquelas que não veem mal nela e até são a favor. Num artigo de 1997, Judith Butler, renomada filósofa norte-americana e professora da Universidade de Berkeley, argumenta que o pornô se baseia na relação entre os gêneros, mas “não constitui a realidade”. O principal componente dele é que representa uma “alegoria da vontade masculina e da submissão feminina” e que “repete sua impossibilidade de realização”. Ou seja, a pornografia não corresponde a comportamentos reais. Está mais para a fantasia.
Há também quem ache que feministas mais radicais estejam equivocadas em achar que todas as mulheres têm a mesma opinião. No site Our Porn, Ourselves algumas declaram não se sentir “ameaçadas ou prejudicadas pela criação ou visualização de pornografia” e apoiam “os direitos de qualquer gênero de ver, criar e desfrutar de pornografia sem julgamentos”. E há grupos de mulheres interessadas em criar conteúdo pornográfico com viés feminista, tentando transformar o pornô dominado pela visão masculina em conteúdo que agrade também às mulheres. Lançado em 2009, o DVD Dirty Diaries reúne 13 curtas produzidos na Suécia com essa proposta. Em seu manifesto, as cineastas dizem: “O erotismo é bom e precisamos dele. É possível criar uma alternativa à indústria pornográfica mainstream fazendo filmes sexy dos quais gostamos”.
Pornô prosaico
As imagens que ilustram esta página fazem parte do livro PornoTapados (editora Belleza Infinita, 2007) e foram criadas pela artista espanhola Paloma Blanco. Durante alguns meses de 2006, Paloma – que hoje trabalha desenhando troféus – divertiu-se fazendo pinturas sobre fotos de publicações pornográficas e, assim, convertendo cenas de sexo hardcore em ações prosaicas como cozinhar, comer, ver televisão, cantar, dançar, ler etc. Apenas os semblantes de prazer e os textos originais permanecem. A edição traz reproduções das pinturas, utilizando o formato, o papel e a encadernação típicas das revistas do gênero.
Vai lá : www.bellezainfinita.org