Nosso colunista-viajante cria dialeto para transmitir sensações que não consegue expressar em língua nenhuma
Eu falo várias línguas, mas muitas vezes não encontro a palavra certa - em nenhum idioma - para expressar certos conceitos e sensações que me parecem absolutamente universais.
Por isso, muitas vezes apelo a termos e palavras que eu mesmo invento. O meu sonho de imortalidade é que um dia esses termos façam parte de um Aurélio ou de um Houaiss da vida. Para você entender melhor, vou dar o exemplo de dois termos criados por mim.
Batistini: quando era criança, sempre ia com minha família para o Guarujá [litoral de São Paulo] passar férias e fins de semana. Descendo a serra, na via Anchieta, avistava uma placa que indicava a entrada de um lugarejo chamado Batistini.
Na direção de seu Dodge Dart com teto de vinil, meu pai sempre fazia careta e resmungava ao passar pela placa. "Batistini", ele dizia, "que nome besta." Ou então: "Batistini, que lugar mais idiota". Era infalível.
Diante daquela placa, meu pai era possuído. Como pôde Deus criar um lugar chamado Batistini? Hoje, a palavra batistini faz parte do meu vocabulário e do vocabulário de muitos amigos no Brasil, na Itália, na Guatemala, na Inglaterra e nos EUA. "Estar com batistini" significa nutrir forte antipatia por alguém ou algum lugar, fruto de puro preconceito.
A revolta do meu pai não era com os habitantes da cidade - que ele nunca se deu ao trabalho de conhecer. Eram a idéia e o som da palavra batistini que o irritavam e indignavam. Por isso é que, no meu vocabulário particular, batistini significa uma implicância aleatória, sem motivação, com um objeto, pessoa, lugar ou idéia.
Essa implicância não tem motivação ou tem uma ou mais motivações inconscientes. Quer exemplos? Um juiz de futebol pode estar com batistini de um ponta-esquerda qualquer. Uma criança pode ter batistini de jiló refogado. Uma mãe pode nutrir um forte batistini pelo namorado da filha que nem conhece direito.
Afinar o pescoço: anos antes de me conhecer, minha esposa estava passando férias na Índia. Durante um eclipse solar, ela estava num templo hindu com o seu guru e conheceu um indiano. Foi amor à primeira vista.
Ela voltou para a Inglaterra apaixonada, e os dois começaram a se corresponder. Meses depois, ela volta para a Índia com o coração cheio de ansiedade, e ele vai buscá-la no aeroporto de Nova Déli para um reencontro que deveria ser ultra-romântico.
Mas, no momento exato em que o vê, no átimo em que a figura do indiano atinge suas retinas, ela é assaltada por uma inelutável desilusão e percebe que o sujeito tem o pescoço exageradamente fino, detalhe que não havia percebido antes porque, quando o conheceu, ele estava vestindo blusa de gola olímpica.
A descoberta da finura do pescoço estragou o encanto, e a paixão foi embora. A partir daí, tudo o que o indiano fez e disse pareceu errado aos olhos dela. Adotei o termo thin neck (pescoço fino em inglês) para exprimir o momento exato de uma forte, imediata e irreversível desilusão de origem romântica, moral ou ideológica.
Na verdade, antes que o pescoço de alguém afine, já existe a suspeita de que algo esteja errado. Mas a ficha só cai quando o pescoço afina. É uma espécie de epifania negativa. O pescoço de um professor querido pode afinar no momento em que você percebe que ele tem cera no ouvido.
Uma vez o pescoço de uma supergostosa com quem eu estava saindo afinou porque entrei no banheiro depois dela e vi a marca da bosta na privada. Uma holandesa afinou o pescoço com um amigo meu na cama. Na hora de gozar, ela emitiu uns grunhidos guturais absurdos que o fizeram brochar instantaneamente.
P.S. Não sei como terminar esta coluna. Espero não ter afinado o pescoço com os leitores.