O País em Botafogo

por Ronaldo Lemos
Trip #183

O uso da internet para a preservação de um bosque mostra a importância da mobilização

O uso da internet para a preservação de um bosque no bairro carioca mostra a importância da mobilização “hiperlocal” na internet, que dá visibilidade a problemas e lugares específicos

Vou contar uma história triste, mas com final otimista.

Moro em Botafogo, no Rio, perto de um bosque com cerca de 400 árvores. É uma das últimas áreas verdes do bairro. Em 96 a prefeitura fez uma “troca” com uma construtora, cedendo a área para construção de um prédio. Os moradores se mobilizaram e entraram na Justiça. Por 12 anos a questão ficou parada. Nesse período, a área ficou degradada. Não podia ser usada nem para fins públicos nem privados. A proposta de revitalização dos moradores é criar no local uma escola de jardinagem, que preserve o bosque.

No entanto, depois de idas e vindas, o tribunal tomou sua decisão. Vitória da construtora e derrota dos moradores. Em pouco tempo as árvores serão cortadas e um prédio de 14 andares será construído. A questão tornou-se, então, política. Quando foi secretário do Meio Ambiente, o prefeito Eduardo Paes defendeu a preservação da área. Mas como chamar a atenção dele agora, especialmente com a Olimpíada (que querem que seja a mais sustentável já realizada)? O que são 400 árvores no bairro de Botafogo perto de R$ 25 bilhões a serem gastos?

Ghandi 2.0
Entra aí a ideia de mobilização “hiperlocal”. O termo indica uma tendência da internet, que é a capacidade de mobilizar e dar visibilidade para lugares e problemas específicos. Em outras palavras, se a internet pode ser usada para contestar as eleições do Irã ou para questionar a legitimidade do presidente do Senado, pode também servir de ferramenta para a mobilização de moradores de um bairro.

E foi o que aconteceu. Rapidamente foi criada uma página no Twitter (www.twitter.com/respirabotafogo), um canal no YouTube e uma lista de discussão que, de cara, juntou 200 moradores. Os objetivos da mobilização são dois. O primeiro é chamar a atenção da prefeitura para a situação do bosque. Afinal, um bairro saudável (para não dizer “sustentável”) precisa de equilíbrio entre áreas verdes, prédios, comércio, lazer e serviços. Botafogo em 1996 era muito diferente de hoje. Uma simples olhada no Google Maps (outra ferramenta de mobilização) mostra a quantidade assustadora de prédios em construção no bairro, desequilibrado há anos.

O segundo objetivo é de registro. Os moradores do bairro transformaram-se em um coletivo de documentaristas, acompanhando os últimos dias do bosque. Todo o material, captado a partir de câmeras de vídeo e fotos, por diversas perspectivas e olhares, vai ser transformado em filme. É ao mesmo tempo uma preservação da memória do bairro e uma forma de atribuir responsabilidade para as gerações futuras.

E onde está o otimismo nessa história? Acredito que esse tipo de mobilização hiperlocal, que é tão característica do Brasil “offline”, vai se tornar cada vez mais comum com a rede. E seu destino vai seguir a lição de Gandhi. Primeiro são invisíveis, depois ridicularizadas, então incomodam e aí viram fator de mudança. Acho que do sumiço das 400 árvores de Botafogo pode ficar uma lição para ser germinada em muitos outros lugares.

*Ronaldo Lemos, 33, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br

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