O Homem Aprisionado

por Luiz Alberto Mendes

O homem tem sua natureza desviada de sua progressão normal e saudável ao momento em que é aprisionado.

Sua energia estará voltada para a preservação de sua pessoa. Seguirá duras regras que contemplarão somente a sobrevivência. Há um pensamento no meio prisional: "ou você tira a cadeia ou a cadeia te tira". "Tirar a cadeia" significa cumprir sua pena com dignidade e inteligência, tentando aproveitar o máximo possível do enorme tempo ali disponível. "Ser tirado pela cadeia" significa cumprir a pena mais sofrida e estupidamente, buscando apenas passar o tempo até o final da pena, fugindo da realidade. Em ambos os casos, o primeiro muito menos, a noção de realidade do indivíduo voa para o fértil país da imaginação. O mundo real lhe foge como que drenado pela brutalidade do ambiente que agora é obrigado a encarar de frente. Seu referencial tempo/cultura é ontem, quando foi preso. Acontece que nada do que foi ontem continuará sendo como foi ontem. O homem preso para, embora tudo continue crescendo, desenvolvendo potenciais e descartando o que não tiver utilidade ou necessidade. A vida, fora das grades, será sempre hoje. Essa é uma das mais difíceis vivências para o ser humano que se perde da realidade no reduzido espaço onde faz seu tempo.

O futuro, sem dúvida, sempre será diferente do hoje, alias, diga-se de passagem, haja presente para tantos futuros possíveis. O homem encarcerado (homem em tese) esta com a mente presente atravancada de ontens. O substrato de seus muitos ontens, junto com as informações de segunda ou terceira mão colhidas de fontes duvidosas, é tudo o ele tem da realidade. Este ser contido, naturalmente, se desvia do real.

A este homem fora do espaço e do tempo real, é inútil bombardear com princípio morais, religião, regras de convivência social, ou ética. Será apenas lavagem cerebral que não se sustenta no tempo. Nada altera o curso de sua alma estagnada. Tudo o que aprendeu até então, a educação que possa ter recebido, os valores morais e familiares que o moviam, encalham. Tudo é deixado de lado como inútil para conviver no meio hostil em que foi forçosamente arremessado.

A delicada rede de sentimentos que o permeia por inteiro e que dirige sua vontade, agora esta canalizada para a luta contra o medo paralisante, a preservação de seu ego e de sua pessoa física. A lei da sobrevivência lhe é infiltrada até os ossos ao ponto de criar uma nova natureza, a prisional. Corre sério risco de se tornar um ser aprisionável; alguém sem vontade, amorfo, que tanto faz estar preso ou solto.

O homem preso, com o tempo de luta na resistência, corre sérios riscos de ceder e se estupidificar na alienação de sua condição de ser contido. Conheci muitos que se tornaram verdadeiros zumbis, já sem condições de uma convivência sadia, normal.  O amor, o afeto e a fraternidade que lhe são congênitas, agora serão emoções proibidas, inúteis e até nocivas ao ambiente perverso no qual é mantido enterrado vivo.

Tem solução? Claro que tem. Paulo Freire dizia, em outras palavras, que quanto à educação do homem aprisionado ele não sabia o que dizer, a didática dele era para a libertação. Mas se há um problema, só o homem seria capaz de resolvê-lo e, com certeza, resolveria no tempo. O próprio preso de hoje é muito diferente do preso que fui. No meu tempo era um "deus nos acuda". O abuso e desrespeito do preso para com o próprio preso tornava a convivência impossível. Os estupros, mortes e matanças eram parte da prática comum. Prisão era uma autêntica fábrica de monstros. Após a covardia do Massacre do Carandirú, a pouca confiança no poder público que o preso ainda possuía, acabou. Então nos voltamos mais para nós e nossas possibilidades. Há muito mais união, mais auto-gestão (esse é o futuro das prisões; serem geridas por pessoas presas), companheirismo, respeito e lideranças. Mas é preciso que as pessoas sociais frequentem as prisões, levem para dentro das prisões as informações que o tempo de agora oferece. As prisões precisam ser abertas a projetos sociais e a sociedade carece de inspecionar como é gasta a verba pública nas prisões. Certas informações necessitam ser questionadas. Como por exemplo, o índice de reincidência daqueles que saem da prisão esta a cerca de 75% (dados fornecidos pelo próprio Estado); e a verba que é dirigida à reintegração social do preso, porque não funciona? Como é gasta essa verba, alguém já se perguntou? Pois é, como sempre, a participação e o questionamento é a única solução, o dinheiro sai dos escorchantes impostos que pagamos.

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Luiz Mendes

08/04/2014.    

 

 

 

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