Em busca de foco

por Carol Sganzerla
Trip #276

O fotógrafo Bruno Feder foi expulso do Sudão do Sul e escapou da morte por pouco, mas não abre mão de contribuir para transformar o mundo

A probabilidade de um fotógrafo que trabalha em áreas de conflito sofrer algum tipo de atentado é grande. A chance aumenta quando se trata do Sudão do Sul, país africano com índices alarmantes de violência e miséria, configurando uma das maiores crises humanitárias da atualidade – nos últimos anos, mais de 20 jornalistas estrangeiros foram mortos ali. Bruno Feder, 34 anos, teve a sorte de não virar estatística, mas, em março, suas câmeras e passaporte foram apreendidos. Durante 25 dias, ele foi proibido de sair do país e começou a ter seus passos monitorados. Até ser expulso. “Fui acusado de escrever artigos inflamados para a imprensa internacional, me locomover ilegalmente e me envolver com gente perigosa”, detalha o brasileiro. No país africano para documentar projetos de organizações humanitárias, esporadicamente contribuía com publicações como The Guardian e Huffington Post relatando os abusos de direitos humanos, situações de violência de gênero, abuso sexual de crianças. “Essas pessoas passam por situações terríveis e não têm voz para falar. Usei a minha e, por isso, fui deportado”, diz. “Estava na minha melhor fase profissional, foram anos construindo a confiança das organizações e tudo foi por água abaixo.”

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Bruno chegou a Juba, capital do Sudão do Sul, em 2015, para trabalhar com a Confident Children out Conflict, organização local que atua na proteção de menores órfãos e separados de suas famílias por causa da guerra que eclodiu no final de 2013 – a nação conquistou a independência do Sudão em 2011. O interesse de Bruno no país passava pelo fato de ser um dos mais novos no mundo. “Pensava, ‘quem são essas pessoas que estão lutando para se expressar dentro de um território, para ter sua própria cultura, sua língua e identidade?’”, diz. Paralelo às ações humanitárias, o fotógrafo desenvolve seu trabalho autoral registrando o modo de vida e as particularidades do povo sul-sudanês. E investe o dinheiro obtido na venda desses retratos em melhorias para a população. “Eles estão abrindo a comunidade para mim e preciso retribuir de alguma forma”, explica. Na tribo Mundari, em Terekeka, com os 11 mil euros cedidos por fotógrafos amigos, fizeram um poço artesiano para que pudessem ter água limpa e entregaram duas canoas.

Ex-tereótipos

Uma de suas preocupações, porém, é evitar a imagem estigmatizada da África: miserável e violenta. “Passei a ter um senso crítico mais apurado. A África é o continente mais diverso que existe, são mais de 2 mil línguas, diferentes etnias e as pessoas os enxergam como uma coisa só”, explica. Bruno também divulga pouco seu trabalho nas redes sociais por não querer ser visto erroneamente como o branco privilegiado que está lá para salvar os africanos. “Já entrei em crise pensando: ‘Quem sou eu para estar documentando a vida dessas pessoas?’. Ao mesmo tempo, é um conflito enorme e, se divulgo, consigo arrecadar mais verba”, pensa. “É necessário ter muita ética e profissionalismo no setor humanitário. São pessoas em situação de vulnerabilidade, em um conflito étnico e tribal. O trabalho só acontece com o consentimento delas.”

Num ambiente tão volátil, histórias marcantes acontecem todos os dias. Para manter a saúde mental, ele conta que procura olhar para histórias de pessoas que venceram em meio a tanta dificuldade. Mas não é o que sempre vê. Durante um trabalho com a United Nations Population Fund (UNFPA), no Sudão do Sul, em que documentou os esforços para diminuir a mortalidade maternal, que já foi a mais alta do mundo, Bruno assistiu a muitos nascimentos. “Vi um bebê nascer morto depois de a mãe fazer uma longa viagem para encontrar atendimento e outro ser ressuscitado após complicações no parto. Ela já era avó e mãe de outras seis, o hospital não tinha energia nem medicamentos”, relembra ele, que também documentou ações para outras instituições como Oxfam e Girls’ Education South Sudan.

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Apesar das tensões ocasionadas pelos conflitos étnicos – em Juba, os reflexos da guerra eram menores –, Bruno vivia com liberdade pela capital. Diferentemente de outros jornalistas estrangeiros que precisavam seguir um protocolo de segurança, como obedecer ao toque de recolher, por ser freelancer, ele podia fazer o que quisesse. “Andava a pé, saía à noite, ia para a piscina de algum hotel encontrar amigos nos fins de semana. Acampava, escalei a montanha de Jebel Kujur, ninguém pode fazer isso com contrato. Corri muitos riscos”, lembra.

O fotógrafo perdeu a conta de quantas vezes contraiu malária, febre tifoide e ameba. Na maior parte do tempo, morou em uma casa compartilhada, mas com quarto próprio. Como não há rede elétrica na capital e a energia vem de geradores, a eletricidade era limitada. “Dois anos atrás, briguei muito com o Bruno para que ele cuidasse da saúde. Ele dormia numa casa sem luz, cheio de amigos, era um calor desgraçado. Pegou malária várias vezes. Eu tinha uma preocupação de mãe, ele podia pelo menos ter um pouco de conforto”, conta a diplomata Helena Maria Gasparian, mentora e amiga de longa data. “Tenho cinco filhos, quatro são homens e eles dizem que o Bruno é meu preferido.”

Foi em 2013 que Bruno pisou na África pela primeira vez, em uma viagem a passeio pela Namíbia, colírio para fotógrafos apaixonados por natureza. A vontade de investir na área que até então tinha como hobby cresceu. Partiu, então, para três meses de estudo no International Center of Photography, em Nova York – um dos módulos seria Photography for Social Change. Lá conheceu a fotógrafa norte-americana Louise Contino, que estava prestes a ensinar o ofício para crianças da Beso School, em Kayunga, Uganda. Acabado o curso, Bruno estava esquiando na Europa quando recebeu um telefonema da amiga, que ardia em febre por causa da malária. Ela sentia-se doente e insegura demais para tocar o projeto sozinha e, sabendo do fascínio do brasileiro pelo continente, chamou Bruno, que topou na hora. “Fui sem saber o que faria, mas era a desculpa de que precisava”, conta. Depois de ajudar Louise no projeto, rodou o sul do país num mochilão, incluindo uma trilha de dez horas junto a um guia armado com fuzil até o topo do Mount Sabyinyo, um vulcão desativado a 3 mil metros de altitude, na divisa de Uganda, Congo e Ruanda. Olhando aquela vastidão, soube que seu lugar era ali.

As aventuras de Tintim

O gosto pelo inexplorado e pela fotografia sempre esteve presente na vida de Bruno. Quando garoto, era ele quem fazia os registros de família, lia livros de viagem e colecionava a National Geographic. “Meu pai brinca que eu queria ir de férias para o Afeganistão quando era pequeno”, conta. “Me interessavam os lugares que não estavam no mapa, sempre tive uma história forte com o desconhecido, o estrangeiro. Era muito curioso com o planeta, adorava ler sobre os exploradores, desde o Tintim”, lembra.

Nascido em São Paulo e filho do advogado e ex-deputado estadual Bruno Feder e da arquiteta Vera Cristina, cresceu com as irmãs Stefania, 32, e Daniela, 37, frequentando a fazenda do avô, no interior, onde fazia trilhas e se banhava nas cachoeiras. Quando adolescente, fez intercâmbio na Nova Zelândia e morou por um ano em Londres. Foi na capital britânica, no último ano da escola, que leu um artigo sobre o conflito da Caxemira, região alvo de disputa entre Índia e Paquistão. “Ali, decidi que estudaria relações internacionais”, relembra. “Pouco antes, minha mãe tinha me recomendado um livro chamado Freedom at Midnight [de Dominique Lapierre], que conta a história da descolonização da Índia. Fiquei vidrado e falei: ‘Quero estudar isso’.”

Na volta ao Brasil, cursou Relações Internacionais e tentou duas vezes atender ao desejo do pai de ser diplomata. “Era uma coisa que ele queria ser e não foi, sempre jogou para mim”, explica, e conta que estagiou na área na Prefeitura e depois participou do Governo do Estado, como assessor ligado às pautas da agenda internacional de José Serra, com quem também trabalhou na campanha presidencial de 2010. No mesmo ano, aos 27, começou a se dedicar ao site Alucci Travel, em que escrevia relatos de viagem e publicava seus retratos. “Foi aí que acendeu minha história com a fotografia”, conta.

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Da primeira experiência em Uganda, Bruno voltou cheio de imagens e propósitos. Editou o material e pediu US$ 100 por cada foto em sua página no Facebook. Vendeu as 13 fotos selecionadas para amigos e realizou uma exposição em São Paulo, arrecadando US$ 20 mil. Com o dinheiro, conseguiu realizar melhorias na Beso School: madeira para fazer mesas e cadeiras, novos uniformes para as crianças, além de um poço artesiano. “O Bruno não se conforma com a miséria. Me chamou a atenção ele ser uma pessoa de tanta condição e estar tão focado em quem tem menos. Ele é uma pessoa de alma linda, easy going, tudo pra ele está bom”, diz Karina Oliani, médica e brasileira mais jovem a escalar duas vezes o Everest. Ela o ajudou no trabalho de conscientização no distrito de Kayunga, distribuindo 10 mil preservativos e conversando com a comunidade sobre saúde sexual, prevenção e planejamento familiar. No mesmo ano, Bruno lançou a Cross Geographic, organização por onde vende suas fotos e angaria fundos para ONGs locais em Uganda e no Sudão do Sul.

Hoje, morando em Addis Abeba (capital da Etiópia) desde que teve que sair do Sudão do Sul – ainda está proibido de voltar àquele país –, foi acolhido por uma amiga de Nova York de ascendência etíope. Tão logo chegou, seu telefone tocou. Era Erik Sadao, diretor da Teresa Perez Tours, agência de viagens de luxo, o convidando para criar e fotografar possíveis roteiros pelo país. E, assim, Bruno vai conquistando a África enquanto espera pela sua próxima missão.

Créditos

Imagem principal: Bruno Feder

Fotos: Bruno Feder

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