A escravidão no Brasil em primeira pessoa

por Ana Luisa Abdalla

Publicada há mais de 160 anos nos Estados Unidos, a biografia de Mahommah Gardo Baquaqua, negro que foi escravizado no Brasil, ganha primeira edição em português

Mahommah Gardo Baquaqua nasceu na África Ocidental, no atual Benin, veio em um navio negreiro até o Brasil e, em Pernambuco, serviu de escravo a um padeiro. O ano era 1845. Dois anos depois, ele escapou. Um entre milhões de negros trazidos para as Américas, sua vida está documentada no livro Biografia de Mahommad Gardo Baquaqua (Ed. Uirapuru), publicado em 1854 nos Estados Unidos, em inglês – e que só agora, no dia 13 de maio de 2017, ganha versão em português.

Um dos poucos relatos da época contado nas palavras de um negro que foi escravo no Brasil, a biografia descreve em detalhes os usos e costumes, as estruturas familiares e os hediondos castigos infligidos aos escravizados no país – compondo o que o tradutor e organizador do livro, Lucciani Furtado, chama de “uma cosmologia do desespero”. “Há uma ênfase na violência sofrida por ele e por outras mulheres e homens escravizados”, ele conta. “Somente a escrita pode dar importância a esses detalhes e, mesmo assim, por muito tempo as pessoas se recusaram a acabar com a escravidão. A brutalidade de um trauma violento pode ser mais fácil de suportar do que a brutalidade da insignificância”.

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A narrativa também é cheia de pormenores do cotidiano, como o nome plantas, animais, ferramentas de trabalho, roupas e penteados. “Esses diversos aspectos vivenciados por um homem e não por uma personagem de ficção nos dão uma visão em primeiro plano”, diz Lucciani. Para ele, muitas informações e dados sobre a vida e o cotidiano do negro naquela época se perderam devido uma tentativa de apagar da história as atrocidades cometidas. Mas reforça: “Em nossa memória social e emotiva, nos causos, nos cantos, nas danças, nas rodas de capoeira, nos terreiros de candomblés e nos tambores e atabaques este período histórico não se calou”.

O livro de Baquaqua aparece justamente preenchendo muitos desses espaços deixados em branco. A primeira menção à biografia – e à existência de Baquaqua – foi feita no Brasil em 1989, pelo professor e historiador norte-americano Peter Eisenberg. Mas o trabalho ficou incompleto e, apesar de conhecido por diversos especialistas, o texto ainda não tinha uma edição de acesso ao público.

Lucciani passou quase seis anos trabalhando na publicação, que, com ajuda de arquivos institucionais do Brasil e do exterior, ganhou imagens inéditas. Mas é da intensidade do próprio autor que, ele acredita, virá muito do impacto da obra. “Baquaqua é uma daquelas pessoas que gostaríamos de conhecer. É a pessoa que gostaríamos de ser", diz. "Se ele sofreu foi porque teve que enfrentar contingências sobre-humanas. E ele foi um verdadeiro herói”.

Vai lá: Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua, Editora Uirapuru, R$ 38,50.

Créditos

Imagem principal: John Cary

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