O filho de Fela Kuti e o legado vivo do afrobeat

por alexandre matias

De passagem pelo Brasil pela quarta vez, Femi Kuti faz da sua música um instrumento de alegria e conscientização

Femi Kuti é o filho mais conhecido do nigeriano Fela Kuti, criador do afrobeat, gênero musical que impulsionou a música africana para o mercado global a partir dos anos 70. E é com certeza o membro do clã que mais vezes tocou no Brasil, desde a primeira vez no extinto festival Free Jazz, em 2000, até as apresentações mais recentes, em 2010 e 2013. Agora, volta como atração do Nublu Jazz, festival organizado pelo Sesc, com apresentações na unidade da Pompeia, em São Paulo, dia 12 de março, e também em São José dos Campos, no interior paulista, dois dias depois. Seu olhar, sempre politizado, entende o momento difícil, mas destaca que o que chama sua atenção no Brasil não passa apenas por crise. "Há muitas dificuldades e muitos problemas, mas vejo as pessoas tentando ser felizes e levar suas vidas, achando formas positivas de fazer as coisas acontecerem”, diz.

LEIA TAMBÉM: A ativista americana Sandra Izsadore, Pantera Negra que influenciou politicamente Fela Kuti

Femi é inglês, mas tem nacionalidade nigeriana, como o pai, de quem segue os passos, mas sem fazer da história que ele construiu uma "prisão". "Tenho meu próprio legado, é minha missão pessoal, que também era parte da missão dele", explica, deixando claro a importância de não se colocar apenas como uma sequência de Fela, com quem tocou, ainda adolescente, no grupo Egypt 80. Mas guarda muitas similaridades.

No palco, assim como era o pai, é mais do que um maestro de um gênero que une música nigeriana tradicional com funk, jazz, salsa e highlife e sempre inclui a visão política no que espalha como mensagem. Busca levar para o show o contexto político. Fela, mais que músico, entendia a força de sua obra quando visitou os Estados Unidos pela primeira vez, no final dos anos 60, e entrou em contato com o partido Black Panther, que lhe fez cair a ficha que ritmo, melodia, harmonia e política poderiam caminhar lado a lado. "Eu levo positividade, inspiração, boa energia, amor, unidade e espero que as pessoas entendam, através da música, a urgência sobre assuntos como mudança climática, racismo e unidade global. Quero que as pessoas percebam isso através da minha música”, ele prossegue, em um papo por telefone. “As pessoas estão muito negativas e acho que posso mudar isso. Não sei se é possível, mas é a minha missão. Espero dar-lhes a força para que eles nunca desistam de sua luta, optem por uma mudança positiva e nunca se rendam à injustiça."

LEIA TAMBÉM: No documentário ”Meu Amigo Fela”, o diretor brasileiro Joel Zito Araújo apresenta o criador do afrobeat através dos olhos de seus amigos mais íntimos

Ainda que não separe a política de sua música, opta pelo cuidado e prefere não se posicionar quando perguntado sobre a atual situação institucional do Brasil. "Eu tenho acompanhado, mas não comento isso, porque acho que, para fazer esse tipo de comentário, a pessoa tem de estar no Brasil por um bom tempo. Você não pode passar dois dias num país e dizer que tudo no Brasil é ruim, há muita coisa boa. Fora que os governos passam", explica, deixando claro que é possível fazer política sem precisar focar necessariamente em quem está no comando no momento. "As pessoas se deixam levar por outros assuntos, a falta de educação, uma agenda feita para confundir os outros, corrupção... É por isso que nós, que temos este conhecimento, precisamos continuar lutando contra a injustiça. Um governo precisa ensinar unidade e amor na educação básica. Se você esquecer da comunidade, tudo está errado."

LEIA TAMBÉM: Principal voz de seu país, Mayra Andrade traduz em música a potência e a sensualidade de ser uma mulher africana de seu tempo

Se no que busca, a ideia parece bem definida, no palco — liderando uma banda formada por doze músicos —, Femi reserva um espaço maior para o improviso e tenta sempre construir sua apresentação a partir do contato com o ambiente. Seus shows têm se baseado no trabalho mais recente, One People One World, mas o repertório pode mudar completamente quando ele pisar no palco. "Decido como vai ser quando eu vejo o público”, conta. “Muitas coisas que faço são espontâneas e eu tento ver se o público está pronto para ouvir uma música nova ou se, para ele, é importante entender de onde a gente veio. Eu sinto o que vamos fazer no dia, não planejo com antecedência. Muito pode mudar."

Créditos

Imagem principal: Steven Pisano/Creative Commons

fechar