A rainha mãe do afrobeat

por Bruna Bittencourt

A ativista americana Sandra Izsadore, Pantera Negra que influenciou politicamente Fela Kuti, vem ao Brasil no mês da consciência negra

"Fela perguntou meu nome e se eu tinha carro. Disse que sim. Ele só falou: 'Muito bom! Você vai comigo'. Aquilo me pegou de surpresa, porque nunca ninguém tinha sido tão direto comigo", lembra Sandra Izsadore sobre seu primeiro encontro com Fela Kuti, na Los Angeles de 1969, em Fela - Esta Vida Puta, biografia do criador do afrobeat escrita por Carlos Moore. Mais do que uma das mulheres do criador do afrobeat, Sandra influenciou profundamente sua consciência política e africana. Naquela época, a americana estava mergulhada no movimento black power: era filiada ao partido dos Panteras Negras e havia sido presa diversas vezes por conta de suas atividades políticas.

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Não por acaso, Sandra visita o Brasil neste mês da consciência negra. A ativista, cantora e compositora —  que tem um disco lançado, Nigeria, e participou de Upside Down, álbum de 1976 do nigeriano — irá se apresentar em Brasília, amanhã (24/11), com a banda Ifá Afrobeat; participará de um debate  promovido pela Secretária de Cultura do Estado da Bahia, em Salvador, no dia 27 de novembro, e de uma conversa no Centro de Formação e Pesquisa do Sesc, além de um show com a banda Èkó Afrobeat, em São Paulo, no dia 29.

Filha de pais protestantes devotos, a americana cantava na igreja e tocava piano, em Los Angeles. "Embora não tenha me tornado a musicista que minha família desejava, não me afastei dos ensinamentos musicais", conta à Tpm. Ao estudar antropologia, se aprofundou nas questões políticas e raciais, além de suas próprias raízes —  descobriu que seu bisavô era um escravo e sua bisavó foi vendida criança na Jamaica a fazendeiros escravocratas do Arkansas (EUA).

Como resultado, Sandra aderiu ao movimento negro e se filiou aos Panteras Negras, por volta de 1965. "O legado do partido não foi transmitido como se deveria. Muitas poucas pessoas sabem que os Panteras Negras foram a organização que iniciou o Head Start [programa do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos que alimenta crianças americanas]. Há jovens hoje que se chamam de Panteras Negras, a herança ainda está viva. Uma vez que você é um pantera e conhece a verdade, sempre será um", defende. Para ela, o movimento afro-americano pelos direitos civis nunca cessou. "Charlottesville e Ferguson são apenas situações que aconteceram nos Estados Unidos que receberam mais atenção. A única diferença hoje é que os policiais racistas disparam mais rápido."

Mesmo com toda sua militância, Sandra se manteve próxima da música e foi assim que conheceu Fela Kuti, em 1969, apresentada por um amigo em comum, em uma de suas apresentações, em Los Angeles, durante uma turnê americana do nigeriano. "O Fela que eu conheci era muito amável e generoso, amava as mulheres como nenhum homem que conheci. Ele sempre tentou agradar", conta.  Foi ela quem o introduziu à miltância de Malcom X, Eldridge Cleaver (um dos primeiros líderes dos Panteras Negras) e à mùsica engajada de Nina Simone. Para Carlos Moore, que dedica a Sandra mais de 20 páginas em sua biografia do músico (ela também foi retratada no musical da Broadway FELA!, produzido por Jay-Z em 2009), a americana o "africanizou". Nos anos seguintes, Fela escreveria músicas como "Colonial Mentality" (do disco Sorrow Tears and Blood, de 1977), e "Zombie" (uma referência às forças militares nigerianas), sem deixar de sofrer represálias pelas letras.

Sandra foi para a Nigéria em 1970 e 1976 para estar ao lado de Fela. Conviveu com sua poligamia ("Elas tinham ciúmes de mim e eu delas", lembra no livro de Moore sobre as outras mulheres) e morou na República de Kalakuta, a comuna que Fela fundou em Lagos. "Viver lá foi uma experiência de aprendizagem e de vida. Se o governo não tivesse me expulsado da Nigéria, quem sabe, eu ainda poderia estar lá hoje."

Depois da África, a americana foi à Inglaterra, quando seu caminho cruzou o de Bob Marley, mas, como já contou em entrevistas, depois de tudo que tinha passado com Fela, sabia que era hora de manter distância. "Eu me considero uma mulher muito abençoada que foi guiada espiritualmente para conhecer Bob Marley e Fela. Um é a minha ligação política e o outro, minha conexão espiritual. Dois homens que trouxeram mudanças positivas para o mundo através da música."

Vai lá
Sexta, 24 de novembro

Show com a banda Ifá Afrobeat, naAreninha - Estádio Nacional Mané Garrincha, no Festival Latinidades, em Brasília

Segunda, 27 de novembro
Encontro de mulheres da diáspora com Sandra Izsadore, no Goethe-Institut, em Salvador

Quarta, 29 de novembro

Bate-papo no Centro de Formação e Pesquisa do Sesc e show com banda Èkó Afrobeat, no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo

Créditos

Imagem principal: Divulgação

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