Força feminina na selva

por Vanessa da Rocha

As mulheres que estão salvando a vida selvagem da África do Sul

A black mamba é uma das cobras mais venenosas do continente africano. Por ser considerada a mais rápida do mundo, é a que possui maior destreza no ataque, capaz de perseguir a presa em alta velocidade. Toda a competência mortífera dessa cobra inspirou o nome da primeira patrulha do mundo composta exclusivamente por mulheres para proteger os animais da savana africana. Mas as Black Mambas não matam, elas salvam.

O desafio é combater a principal ameaça à vida selvagem da África do Sul: a caça aos rinocerontes. Eles estão sob risco de extinção por causa da crença de que os seus chifres possuem valor medicinal. Mais de mil animais são mortos por ano, um a cada 8 horas. Já no território das Black Mambas a média é bem menor, muitas vezes são semanas sem o registro de nenhuma morte.

Elas atuam na Balule, uma reserva privada de 50.000 hectares no leste sul-africano, colada ao Kruger National Park, que abriga a maior parte da vida selvagem do país. No total, são cerca de 3 milhões de hectares de selva. Para proteger os animais, a direção tentou usar drones, videomonitoramento e várias outras tecnologias. Mas nada funcionou e os rinocerontes permaneciam sendo atacados com frequência. Até que, em 2013, o diretor Craig Spencer teve uma ideia: criar uma patrulha feminina de proteção. "Através dos séculos as mesmas armas e ferramentas tem sido usadas, penso que é necessário investir em novas formas de atuação.”

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E a inovação superou as expectativas. A caça no território delas reduziu em 65% e as 26 mulheres ganharam diversos prêmios internacionais e homenagens pela bravura e força feminina. Muitas já enfrentaram preconceito e piadas questionando a capacidade delas para executar o serviço, mas sempre se colocam acima disso. “Muitas pessoas não acreditam que mulheres podem fazer esse trabalho. Nós estamos mostrando que sim, nós podemos fazer”, diz Winnie, integrante da patrulha.

“Estamos lutando pelos animais e mostrando às pessoas que as mulheres podem ser fortes, além de bonitas”
Leitah, integrante do grupo Black Mambas

O processo de combate à caça de rinoceronte é geralmente chamado de guerra no país. O motivo: os caçadores vão para o mato fortemente armados, os guardas também. Além de centenas de rinocerontes, dezenas de homens são mortos nesse enfrentamento a cada ano. Mas a maioria das Black Mambas dispensa o uso de rifles. A arma delas é a informação. Os caçadores sabem que elas passam o dia e a noite dentro do mato. Não são todas as reservas que conseguem manter um monitoramento tão ativo. Elas são os olhos e ouvidos da selva. A certeza da presença delas espanta os criminosos. “Fazemos a observação em silêncio e quando vemos ou ouvimos algo, chamamos a segurança armada. Os caçadores usam armas grandes e nós temos spray de pimenta e algemas... mas não temos medo! Estamos lutando pelos animais e mostrando às pessoas que as mulheres podem ser fortes, além de bonitas”, diz a jovem Mamba, Leitah, de 21 anos.

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Força feminina

O sucesso das guardiãs da vida animal da Reserva Balule passa pela firmeza nos valores e princípios. Com o crime internacional organizado pagando cifras milionárias pela caça dos animais, guardas são subornados para dar informação aos caçadores. Craig explica que as equipes são submetidas a testes regulares de detecção de mentiras. “Estamos muito felizes em dizer que não tivemos nenhuma funcionária que tenha falhado no teste.” Muitas vezes os caçadores são pessoas que vivem na mesma comunidade que elas e que topam matar os animais para saírem da miséria. Por isso, as Mambas passaram a atuar também fora do mato, na conscientização. “Eu ensino as crianças na minha comunidade a entender a natureza. É importante que eles saibam que os animais não devem ser mortos”, diz Belinda que atua na preparação das novas gerações para não caírem na tentação do dinheiro.

No contexto sul-africano em que as comunidades são muito pobres e as propostas para caçar os animais são altas, as Black Mambas são heroínas dentro das mesmas comunidades de onde vêm os caçadores. Além disso, são um braço forte na luta por igualdade. Nesse cenário de superação pessoal e de quebra de estereótipos, os leões, leopardos e outros desafios da vida selvagem que elas enfrentam no mato passam batidos.

Créditos

Imagem principal: Lee-Ann Olwage / divulgação

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