Sobre assassinato, cadeia e compaixão

por Luiz Alberto Mendes

’Reconheci nela uma lutadora, uma guerreira. Tá, ela matou os pais, mas está viva e precisa existir’

Tenho acompanhado a vida noticiada dessa menina, Suzane. Houve momentos de sentir verdadeira raiva dela. Ódio. Quão estúpida e desumana ela foi em planejar e executar a morte de seus pais... Eu a via como psicopata, alguém incapaz de sentimentos. Será que ela não pensava em sua mãe, quem a embalou no colo, deu de mamar e a criou com carinho? Mas algo me dizia que ela era pura paixão desenfreada, e que um excesso de sentimentos se debatia dentro dela. Conheço histórias de pais insensíveis, o casal Nardone, por exemplo. O meu próprio pai, que me espancava como eu fosse um animal. Quantas centenas de vezes pensei em matá-lo? Pais que sacrificam seus filhos, particularmente filhas, que as seduzem, estupram, mantêm encarceradas e outras perversidades.

Então, ela foi presa e eu sabia que a situação dentro do presídio seria terrível para ela. Criada no leite e no mel, viveria o horror. Perigo imediato também porque o preso abomina crimes como os que ela cometeu. Principalmente porque não querem estar na mesma vala de valores atribuídos a pessoas como Suzane. Os guardas de presídio a tratariam com desprezo total, vestidos de palmatórias do mundo. A mídia a sacrificaria para vender seus programas televisivos e jornais nojentos. Seria perseguida e espezinhada o resto de sua vida.

Aos poucos a raiva foi dando lugar à compaixão. Tentei várias vezes entrar debaixo de sua pele para entender. Cumpriu sua pena com bom comportamento, conseguiu sobreviver a todas as pressões. Figurou de religiosa fervorosa, de homossexual assumida, fez o que pode para ultrapassar suas barreiras. Penso na energia que ela teve que desenvolver para encarar tanta força contrária. Imagino que tenha feito das tripas coração para sobreviver lúcida. E, depois de 14 anos, estava ali, ainda presa no regime semi aberto. Poderia sair na rua e tudo. Reconheci nela uma lutadora, uma guerreira. Tá, ela matara os pais, mas e daí? Estava viva e precisava existir. Fazer o que, se matar? Haveria que durar por mais duras que fossem as pedras da calçada em que caminhava.

Quando percebi, eu a estava vendo como uma sobrevivente, como eu fora. E além da profunda compaixão, me identifiquei com a dor que ela vivia. Teve que lutar contra todos e vencer até sua própria consciência que, provavelmente, a massacrava. Quanta coragem! Esses dias eu a vi saindo do presídio, correndo da mídia que ainda queria lhe arrancar mais dores, para passar alguns dias fora da prisão. Desejei-lhe toda sorte do mundo, mas eu mais que sabia, sentia, que seu martírio não havia acabado. E logo veio a notícia: alguém de dentro do sistema prisional havia dado à mídia, o endereço onde ela afirmara que iria passar a "saidinha do dia das mães". Foram procurá-la para mais um golpe de sensacionalismo (ela é notícia), e lá ela não estava. Na falta da vítima, alardearam para o mundo: Suzane havia mentido seu paradeiro. O que também vende como notícia.

Foi fácil encontrá-la. Ela estava na casa do namorado, que tem ligações familiares com pessoas no endereço que ela havia dado. Provavelmente ela tenha tentado ser esperta. Sabia que a mídia a procuraria e, para não causar escândalo na família que a acolhia, deu endereço aproximado. Foi recolhida e colocada em regime de castigo em uma penitenciária de regime fechado. Esta para ser julgada por sua "falta disciplinar". Pediu para fazer faculdade à distância e o promotor afirma que não há condições físicas. Conheço caso de preso do regime fechado que se formou em Pedagogia recente e no estudo à distância. E tem outros que estão seguindo o mesmo caminho neste momento. Por que não para ela? Preconceito?

As pessoas não perdoam, embora vivamos em uma civilização dita como cristã. Os irmãos Cravinhos, que realmente materializaram os crimes a ela imputados, esmagando a cabeça de suas vítimas a porretadas, estão soltos há anos. Será machismo? Eu mesmo, depois de 12 anos aqui fora, provando que sou capaz de uma convivência pacífica e honesta no meio social, ainda sou tido um ex-presidiário. Parece que vai ser assim para o resto de minha vida. Seja bem vinda, Suzane, os marcados pelo ferrete social te saúdam!

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