por Tania Menai
Trip #165

Em Nova York, catadores organizados buscam sobras de restaurantes para festas gourmet

Era uma noite gelada de sexta-feira, em março passado.
O relógio marcava 9h quando um grupo de 35 jovens se aglome­rou na porta do Balducci’s, uma delicatéssen finíssima, na esquina da rua 14 com a Oitava Avenida, em Manhattan. Mas ninguém estava ali para comprar caviar russo ou croissant francês. O objetivo era vasculhar, revirar e dissecar o lixo jogado fora pelo estabelecimento – e recuperar os alimentos que ainda poderiam ser consumidos. É essa a filosofia dos chamados freegans – o nome que casa vegans, seguidores de uma dieta que rejeita derivados de animais, e free, liberdade. “Há quem pense que a comida encontrada não passa de restos”, diz a professora nova-iorquina Janet Kalish, adepta do movimento há quase
quatro anos. “Que nada. O que se joga fora é de primeiríssima qualidade.” À medida que crescem o consumismo e a destrui­ção ambiental mundo afora, multiplica-se também o número de pessoas que se opõe a essa realidade global – e os freegans são um dos exemplos mais interessantes. Eles querem que suas vidas impactem o planeta o mínimo possível.

O movimento surgiu na metade dos anos 90 e, como toda iniciativa papo cabeça, inspira-se na Califórnia dos anos 60, quando um grupo teatral anarquista chamado Diggers (Garimpeiros) distribuía comida e serviços gratuitamente. Hoje, a maior parte dos adeptos é formada por universitários, em geral de esquerda – até porque essa é a época da vida em que, supostamente, o pessoal não tem grana para nada. O movimento tem se espa­lhado por vários países da Europa e já ganhou adeptos até no Brasil. Mas é em Nova York, a meca do consumo, que os freegans se dão melhor. Essa cidade produz um lixo sem paralelos. Há quem mobílie uma casa inteira só com móveis e quadros achados nas calçadas. E há os trash tours, os passeios pelos lixos, como o do Balducci’s, organizados semanalmente pelos freegans da cidade. “Nosso objetivo não é só catar comida para a própria subsistência; queremos divulgar o desperdício e educar as pessoas a fazerem isso sem precisar vir a um trash tour”, diz Janet. Durante um ano, ela doou a comida recolhida para uma casa de reabilitação de drogados. Além disso, Janet ajuda a organizar os jantares semanais que aglo­meram freegans para cozinhar o que foi achado por eles.

SEM PERDER O APETITE
Festinhas gourmet do gênero viraram um must. Sim, porque, na maioria dos restaurantes da cidade, o que não se come no dia é jogado fora. Principalmente nos lugares que produzem pães ou alimentos que estragam facilmente. Certa vez, Janet vasculhava o lixo de uma padaria – e o dono viu. O resultado? “Ele disse que, em vez de eu catar no lixo, ele se comprometeria a me dar os restos diretamente.” A coisa é tão badalada que o site FreeganKitchen.com dá quatro dicas de como fazer um belo dumpster diving, ou mergulho no lixão. Vamos a elas: 1) Vá bem tarde da noite ou de manhã cedinho. 2) Faça tudo em silêncio e discretamente. 3) Fazer um mergulho pelo menos uma vez bêbado pode resultar em ótimos achados e garantir uma noite na cadeia. 4) É mais fácil conseguir perdão do que permissão.
A iniciativa do pessoal do site começou em 2004 por um grupo de artistas intulado Do All Collective (Faça Tudo Coletivamente), que tinha como objetivo divulgar o desperdício na cultura americana. Há também o movimento Food Not Bombs, que há 25 anos coleta comida para doar para mendigos, países em guerra e sobreviventes de terrorismo ou desastres naturais. Segundo o site do grupo, a turma da filial de San Francisco já foi presa mais de mil vezes. Mas continuam na ativa, sem perder a ternura, nem o apetite.

 

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