Mais simples do que parece

por Madson de Moraes

Pelo YouTube, jovens cientistas usam bom humor, memes e informação para combater fake news, desmistificar e aproximar a ciência da sociedade

O YouTube está repleto de vídeos sobre gatos, séries, filmes e celebridades, mas também, graças e ele, nunca foi tão fácil aprender sobre ciência. Uma turma de entusiastas do assunto viu na plataforma a oportunidade ideal para falar sobre assuntos, até então, distantes do dia a dia das pessoas como astronomia, inteligência artificial, robótica, dinossauros ou teoria da evolução. E, hoje, além de unir memes, criatividade e personalidade para desmistificar o assunto, os youtubers cientistas também precisam lidar com tretas e haters ao enfrentar as fake news.

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Fã de galáxias e estrelas, o estudante de Astronomia, Felipe Hime, criou em 2015 o canal Café e Ciência, com quase 54 mil inscritos. Da recente foto do buraco negro à notícia do asteroide que poderia colidir com a Terra, qualquer tema relacionado à exploração espacial pode virar assunto para seus vídeos. “Sempre tento incluir um toque de humor, criando alguma conexão da ciência com o cotidiano”, diz o youtuber, que trabalhou com divulgação científica no Museu de Astronomia do Rio. O canal, mantido com a ajuda de apoiadores, já mostrou o potencial de Felipe: recentemente, ele foi um dos selecionados para ir ao Chile observar o eclipse solar total de julho no Observatório La Silla.

Quem também tem chamado atenção é Camila Laranjeira, responsável pelo canal Peixe Babel, que fala sobre robótica e computação e tem mais de 55 mil inscritos. As gravações, feitas em sua própria casa, são divididas com as aulas que leciona na Universidade Federal de Minas Gerais – ela é mestra em Ciência da Computação. 

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Desde 2018, Camila conta com a companhia de Virgínia Fernandes. Juntas, além de mostrar a tecnologia por trás da saga Guerra nas Estrelas ou apresentar o primeiro ciborgue do mundo, a dupla fala sobre temas polêmicos como a inclusão da mulher na tecnologia, sempre com muita criatividade. Em um dos vídeos, por exemplo, Camila mistura robótica com referências pop para falar do Homem de Ferro da vida real: um exoesqueleto desenvolvido nos EUA para soldados. 

Já a fórmula encontrada pelas cientistas Laura de Freitas e Ana Bonassa, do Nunca vi 1 cientista, para aproximar a divulgação científica é o uso de edições caseiras com humor e ironia. “Oi, eu sou a Laura e hoje nós vamos falar de como você faz parte de um rebanho”, brincou Laura, em um vídeo sobre o movimento antivacina. “Desde meu mestrado em 2012, já tinha vontade de abrir um canal sobre ciências, que é sobre o que sei falar e amo fazer. Minha intenção sempre foi aproximar as pessoas da ciência e do pensamento científico. E meus colegas me apoiaram: diziam que eu era engraçada e isso podia dar certo”, diz Ana. Deu tão certo que hoje elas somam 24 mil inscritos e já conseguiram, inclusive, converter haters em verdadeiros fãs.

Para o neurocientista Stevens Rehen, fã desse tipo de canal, "os cientistas e educadores têm muito a aprender com os youtubers”. Isso porque a divulgação científica feita pelas universidades e sociedades científicas precisa se reinventar, atingir mais pessoas e chegar ainda aos segmentos evangélicos e mais conservadores. “Nossos cientistas precisam se unir e sair das torres de marfim”, afirma. Aproximar a sociedade e ciência é um caminho urgente para que ela possa não só apreciar a importância das descobertas, mas também entender que a ciência faz parte do tecido social de um país.

Quando a ciência é questionada

Além de oferecer educação científica de qualidade, os cientistas youtubers acabam falando de política quando se sentem na responsabilidade de desmentir ou mesmo rebater as posições anticientíficas que reverberam na internet alimentadas por questões políticas. 

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À frente do Canal do Pirula, Paulo Pedrosa, o Pirula, explica que só aborda a política quando os fatos envolvem questões de educação, ciência e meio ambiente. “É impossível me desvincular desses assuntos. Não tenho ativismo político, mas sou ativista dessas áreas. Quando a política interfere nisso, eu tomo lado”, defende. E, se aparecerem haters, paciência. Foi o que aconteceu em um de seus vídeos, quando comentou a participação de um negacionista do aquecimento global na TV e colecionou dislikes.  “Todas as tretas que comprei por vontade própria me deixaram pilhado. Não tenho sossego, mas é o que mais quero atualmente. Recebo eventos, convites, coisas legais”, diz ele, que ganha algo pelos vídeos, além da venda de camisetas, livros e palestras. 

O historiador Icles Rodrigues, fundador do  Leitura ObrigaHISTÓRIA, que aborda as mais diversas áreas das ciências humanas – de fatos históricos às sugestões de livros –, também aprendeu a driblar as desavenças. Em geral, os vídeos que falam sobre os crimes cometidos pela ditadura militar, questões de gênero e feminismo costuma atrair críticas nos comentários. “Esses materiais recebem um haterzinho clássico, mas a gente não deixa de ganhar público”, diz Luanna Jales, historiadora que, ao lado da antropóloga Mariane Pisani, também faz parte do canal. Com 188 mil inscritos, o Leitura ObrigaHISTÓRIA recebe uma grana simbólica do YouTube, mas o é o sistema de crowdfunding feito com os apoiadores que permite sua manutenção.

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Não à toa, entre os vídeos mais visualizados do Nunca vi 1 Cientista, está um sobre os peladões do USP, uma crítica ao ministro da Educação que ameaçou promover cortes nos orçamentos de universidades. O neurocientista Stevens Rehen reflete sobre as confusões recentes envolvendo cientistas: "O governo não trabalha com a verdade dos fatos e a ciência se baseia em fatos. Essa postura reverbera na sociedade. Os cientistas precisam estar atentos.” 

Historicamente, opina Felipe, do Café e Ciência, as instituições nunca ligaram para a popularização da ciência. “Até mesmo hoje temos cientistas brasileiros que acham total perda de tempo ficar divulgando ciência para a sociedade”, reclama. Para Icles, do Leitura ObrigaHISTÓRIA, se alguém consegue fazer as pessoas acreditarem que as instâncias que validam o conhecimento mentem ou não são sérias, fica mais fácil manipular as pessoas. “Se você é um professor e explica que um conspiracionismo é errado, mas ninguém acredita em você porque a ciência foi desacreditada, a falácia da terra plana fez seu trabalho.”

Vale lembrar que, hoje, muitas das pesquisas são desenvolvidas em instituições públicas e precisam de pessoas que tenham dedicação exclusiva para tal. Na maioria dos casos,  no entanto, isso só é possível por meio de bolsas de pesquisas, que têm sofrido cortes constantemente. “É papel do divulgador de ciência mostrar para a sociedade que não podemos ficar alienados e que ciência é importante, sim, em qualquer área”, finaliza Camila, do Peixe Babel. 

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Imagem principal: Creative commons

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