Goldman: ”É mais compreensível a loucura do assassino do que as razões de quem fabrica armas”
Em nome da “liberdade”, defende-se o direito de portar armas de fogo. Francamente: é quase mais compreensível a loucura do assassino do que as razões de quem fabrica ou legitima o uso desses armamentos
Em sua obra seminal O mal-estar na civilização, Sigmund Freud examina o paradoxo fundamental da civilização: ela foi criada como um instrumento para proteger os homens contra a infelicidade, mas é, ao mesmo tempo, a causa maior da infelicidade dos homens. Para o pai da psicanálise, a história da nossa espécie é definida pelo eterno conflito entre a busca pela segurança e a busca pela liberdade. Quanto mais conseguimos liberdades, menos seguros nos sentimos.
E, quanto mais aparatos criamos para nos proteger, menos livres nos tornamos.
Precisamos de armas de fogo para nos proteger de assaltos e arrastões. De câmeras de segurança na entrada dos nossos prédios. De carros blindados, de polícia nas ruas e de exércitos nas fronteiras. De caças supersônicos, submarinos e bombas atômicas. Mas os artefatos que criamos para nos proteger acabam nos desumanizando e ameaçando nossa própria existência.
Pensei em Freud ao ouvir o discurso de Barack Obama depois da chacina de Sandy Hook em dezembro. Pela quarta vez, o presidente do país mais armado do mundo é obrigado a consolar familiares de vítimas de massacres desse gênero. Em nome da “liberdade”, defende-se o “inalienável direito” de portar armas de fogo. Francamente, é quase mais compreensível a loucura do assassino do que as “razões” de quem fabrica, vende e compra armas de fogo – e das sociedades que as legitimam.
Esse mesmo direito de se armar é refletido globalmente. Pode-se dizer que as duas guerras mundiais não foram deflagradas apesar de vivermos num mundo civilizado, industrializado e moderno, mas, sim, que foram deflagradas – em escala de morte maciça e global – justamente porque somos civilizados.
Corrida Nuclear
Segundo o Stockholm International Peace Research Institute, em 2012, em meio a uma enorme crise financeira, gastou-se com o aparato militar americano cerca de US$ 711 bilhões – o equivalente a US$ 2,141 por habitante. No ranking dos países com maior gasto com a defesa, o Brasil ocupa uma nojenta décima colocação. Já no ranking dos países que mais gastam com a educação estamos na 68ª colocação.
Estima-se que existam no mundo
19 mil armas nucleares. Quatro mil delas “engatilhadas”, prontas para ser usadas. Os Estados Unidos, a União Europeia, Israel e muitos outros países boicotam – de forma absolutamente imoral – o Irã porque suspeita-se que o governo Ahmadinejad esteja desenvolvendo armas nucleares. Quero só fazer algumas perguntas muito naïves, a cereja no bolo cremoso do meu pacifismo: como pode quem possui armas nucleares questionar o direito que os outros têm de possuir as mesmas? Vamos imediatamente impedir a proliferação nuclear? Que tal começarmos destruindo nossas próprias armas nucleares?
*HENRIQUE GOLDMAN, 51, cineasta paulistano radicado em Londres, é diretor do filme Jean Charles. Seu e-mail é hgoldman@trip.com.br