Goldman: ”vivemos sedados por uma abundância de alimento sem precedentes”
Comecei a jejuar desde que assisti a um documentário da BBC que mostrava ratos submetidos a restrição alimentar regular. Esses animais chegam a viver 40% a mais – o equivalente humano a 120 anos de vida!
São quatro da tarde e desde o jantar de ontem à noite estou em jejum. A fome me faz sentir uma profunda irritação com o mundo, uma raiva cega de tudo e de todos: da tecla do computador onde escrevo à cadeira onde estou sentado – que eu tenho vontade de chutar. Raiva até de um amor não correspondido há mais de 20 anos.
Convivo com esta raiva há cinco meses, desde que comecei a jejuar duas vezes por semana e a fome passou a fazer parte do meu ciclo vital. A ideia veio quando assisti a um documentário científico da BBC, no qual o doutor Michael Mosley mostrava ratos de laboratório submetidos a restrição alimentar regular. Esses ratos chegam a viver 40% a mais – o equivalente humano a um total de 120 anos de vida! E tudo indica que com macacos (e provavelmente com seres humanos) o aumento de longevidade é bem parecido.
Como não sou cientista, me limito a repetir as convincentes evidências apresentadas no documentário e em vários estudos feitos por especialistas no assunto. Segundo eles, o hormônio chamado IGF1, um dos agentes responsáveis pelo crescimento, mantém nossos corpos em um estado acelerado de multiplicação celular, e isso é muito bom quando estamos crescendo. Mas, ao que tudo indica, na idade adulta uma taxa elevada de IGF1 contribui decisivamente para a ocorrência de vários tipos de câncer, doenças cardiovasculares e diabete – males responsáveis por grande parte das mortes naturais.
Segundo o professor Valter Longo, da Universidade de Southern California, ao nos privarmos regularmente de calorias e proteínas, baixamos a quantidade de IGF1 no sangue e assim são acionados genes de reparação celular que até então estavam inativos. Resumindo: nossos corpos têm recursos que não usamos porque vivemos sedados por uma abundância de alimentos de forma sem precedentes na história da evolução da nossa espécie.
Tentando encontrar um modo para integrar o jejum na vida de quem trabalha e precisa de um mínimo de energia para funcionar, a doutora Krista Varady, da Universidade de Illinois, criou a dieta 5 x 2: alimentação normal cinco dias por semana combinados com dois dias (não consecutivos) nos quais se consomem só 600 calorias (mulheres devem consumir 500 calorias) – o equivalente a uma refeição bem leve. Nem chega a ser um jejum propriamente dito e é muito mais fácil de seguir do que se imagina. Em seis semanas, a dieta causa uma queda drástica na taxa de IGF1 no sangue. Mas ela deve ser mantida com constância.
Desespero semanal
Confesso que com o tempo aprendi até a gostar desses dois pequenos desesperos semanais. Aprendi que, para controlar a raiva gerada pela fome, devo tratá-la como uma velha amiga, como uma prima que é chata e inconveniente, mas que me quer muito bem. Desde que comecei, perdi 6 quilos, me sinto muito alerta e cheio de energia. Segundo os estudiosos, o jejum traz enormes benefícios também para o sistema nervoso.
A ciência está chegando aonde muitas religiões chegaram há muitos anos – jejuns fazem parte de rituais de várias religiões milenares. Não acredito cegamente nem na ciência nem na religião. Mas essa não é a questão. O jejum, ou qualquer busca de autocontrole, já é, em si, um enorme bem – simplesmente por encarar a decisão de tomar conta da própria vida.
*HENRIQUE GOLDMAN, 51, cineasta paulistano radicado em Londres, é diretor do filme Jean Charles. Seu e-mail é hgoldman@trip.com.br