Fazer um clone de você mesmo não seria algo lá tão impossível. Mas transferir sua alma e sua consciência para uma máquina dispensando de uma vez por todas o corpo é outra história
Ilustração Elohim e Beto
Num mundo em que você pode ter mais amigos on-line do que fisicamente presentes; em que um bichinho virtual pode substituir seu cachorro; em que o ciber-sexo é mais seguro que o sexo real; em que, dizem, você pode falar com Deus pelo celular. Num mundo assim, para onde vai a sua alma?
Nós somos feitos de corpo, ou matéria, mas o que nos dá a humanidade é a consciência. Admitimos as próteses físicas e os transplantes, mas tome cuidado com o cérebro, pois lá habitam a consciência, o inconsciente, a moral, o imoral... E lá deve estar também, ainda que transitoriamente, a alma (claro, se você crê).
Não faz muito tempo, contudo, sabíamos poucas coisas sobre o cérebro, e menos ainda sobre a mente. Mas pouco a pouco os biólogos passaram a compreender a química das células e dos sistemas cerebrais e a desvendar as proteínas que os fazem funcionar.
Estudando um certo tipo de minhoca, por exemplo, a geneticista Cory Bargmann, da Universidade Rockefeller, descobriu que havia dois modelos: os mais sociáveis e os que preferiam permanecer isolados. O que os diferenciava, do ponto de vista biológico, era apenas um aminoácido, presente em uma proteína que, fora isso, era a mesma nos dois grupos. Bastava trocar o aminoácido e os tímidos se tornavam sociáveis e vice-versa.
É claro que o cérebro das pessoas (nem todas) é um pouco mais complicado do que o das minhocas, mas estudos nessa linha estão se tornando abundantes, e cada vez mais próximos do cérebro humano.
De um outro lado está a ciência derivada da computação, que vem buscando, desde antes da invenção do primeiro computador propriamente dito, alguma coisa chamada “inteligência artificial”. Em certos aspectos, os computadores já nos ultrapassaram.
Em quanto tempo você faria de cabeça uma soma de dois números de sete dígitos? Não precisa nem tentar responder: um computador baratinho levaria 0,000000018 segundo. Em compensação, eles não têm criatividade, senso de humor, noção da própria história e, claro, consciência. Por enquanto.
E, nisso tudo, onde está a “alma”? É a química cerebral que permite a alma ou é a alma que permite a química cerebral? Deus criou o homem ou foi criado por ele? Quem foi criado “à imagem e semelhança” de quem? Você pode escolher um dos dois caminhos e trilhar por ele para sempre, desde a primeira até a infinitésima pergunta, e tudo fará sentido: desde a origem do Universo até a mecânica de todas as coisas, incluindo, entre as “coisas”, a alma e os computadores.
Máquina de corpo e alma
Se você sente que tem uma alma, e que ele habita seu corpo, então, teoricamente, ela pode ser, na falta de palavra melhor, “capturada”. Se o conhecimento a respeito do “hardware” (cérebro) e do “software” (mente, espírito) crescer a ponto de realmente entendermos como eles funcionam, então nós talvez possamos reproduzir a mente fora do cérebro, com alma e tudo. Não apenas para criar um computador/robô com consciência, como a ficção científica sempre mostra, mas para, eventualmente, fazermos um back-up da nossa consciência (e da nossa alma) em um meio eletrônico externo.
Isso seria a vida eterna sem seu corpo, ou pelo menos sem seu corpo original. Você poderia depois restaurar sua alma num novo corpo, um clone seu, como a ficção científica também já mostrou. Mas o mais curioso seria dispensar de uma vez por todas o corpo, cheio de fraquezas e sujeito a doenças, e ir direto para uma máquina. Seria mais do que você, de corpo e alma, em seu iPod. Seria você, iPod. Você crê nisso?
*André Caramuru Aubert, 44 anos, historiador, desenvolve software móvel, escreve sobre tecnologia e vive isso de corpo e alma