por Diogo Rodriguez
Trip #191

Um restaurante em Pittsburgh serve comida de países que estão em conflito com os EUA

Três artistas de Pittsburgh criaram o Conflict Kitchen, restaurante que serve comida de países que estão em conflito com os Estados Unidos. O menu, a fachada e o país são trocados a cada quatro meses, e a primeira delícia servida é o kubideh do Irã, espécie de sanduíche típico, vendido para viagem e enrolado numa embalagem com informações sobre o país. Há também opções do Afeganistão e da Coreia do Norte. Segundo Jon Rubin, um dos criadores, a ideia é ajudar a “superar as barreiras mentais das pessoas em relação a esses lugares”. A Trip conversou com uma das idealizadoras do projeto, Dawn Renae Weleski, e ela contou mais detalhes da origem do Conflict Kitchen e sobre como ele tem sido recebido em Pittsburgh

De onde veio a ideia?
Todos nós temos projetos públicos que utilizam comida e restaurantes como um meio para a arte e o debate. Jon Rubin é o criador do Waffle Shop, um restaurante de bairro que produz e transmite um talk show ao vivo via streaming com os clientes. Ele me chamou para ser diretora-assistente do restaurante há um ano. Jon também fez o The Horse em 2002 e eu fiz meu próprio projeto mediado pela comida chamado RV Eatin' em 2009. John Pena reativou uma fachada de loja vazia para ser a experiência pública imediata do Conflict Kitchen. O Waffle Shop tem uma porta lateral que dá acesso à cozinha e está numa rua movimentada, então decidimos usá-la como outra interface pública. Decidimos fazer um restaurante para viagem. Estávamos brincando, falando sobre os piores modelos de negócios, como vender comida de países como a Coreia do Norte ou outros lugares que estão em conflito com os EUA e imediatamente pensamos: “Não, isso é genial”. Somos todos ativos politicamente e achamos que seria uma ótima oportunidade de ir além da política e introduzir aquelas culturas às pessoas, que elas só conhecem através da mídia mainstream e do governo.

Pensamos também que, já que existem tantos países em conflito com os EUA, seria interessante se fechássemos e reabríssimos com foco em um lugar diferente. Outra péssima ideia ao se fazer negócios, se você parar para pensar, mas apropriada ao nosso conceito. Do jeito que as coisas vão, é um modelo que pode durar bastante tempo. Gostamos do fato de que a janela do restaurante, como um subproduto da cozinha rotativa, traz diversidade culinária e cultural á cidade. Sentimos que se fôssemos nos focar em culturas diferentes, que fossem algumas que estivessem em conflito com os EUA. Para nós tem sido uma grande oportunidade de pesquisar e aprender sobre culturas desde seus princípios, assim como procurar a comunidade específica em Pittsburgh.

"Estávamos brincando, falando sobre os piores modelos de negócios, como vender comida de países como a Coreia do Norte ou outros lugares que estão em conflito com os EUA e imediatamente pensamos: 'Não, isso é genial'"

O que vocês pretendem com o projeto?
Na maioria das vezes, recebemos a informação da mídia popular como uma tosca simplificação. A complexidade vem através da vivência do conhecimento e experiência. Criando o Conflict Kitchen, estamos tentando dar uma pontada nessas percepções e romper as barreiras mentais que temos em relação a lugares como o Irã, que foram inculcados através da mídia popular. Esperamos fazer isso do jeito mais simples que é compartilhando comida. É fácil esquecer que existe um povo e uma cultura por trás de todos os conflitos governamentais. Quando essa conexão pessoal se perde, as coisas ficam perigosas. Com o Conflict Kitchen estamos tentando conectar as pessoas através da comida. Estamos dizendo: “Experimente um prato que é importante para outra cultura”. Esperamos que as pessoas que têm uma visão negativa sobre o Afeganistão, Irã ou Coreia do Norte consigam experimentar um pequeno aspecto da cultura deles e, talvez, repensar o que acham que sabem sobre esses lugares.

Como a vizinhança tem reagido?
A janela do restaurante se tornou um espaço onde os cidadãos de Pittsburgh vêm para discutir religião, rituais diários, política, diferenças e similaridades culturais, motivados pela comida,  entre pessoas da cidade e iranianos vivendo aqui. A resposta do público tem sido surpreendente. Jon teve uma conversa ótima com duas pessoas, uma que era budista e outra muçulmana, sobre o papel da reza diária nas refeições. Eu conversei com uma moça cujo pai é iraniano e a mãe, holandesa da Pensilvânia, sobre os conflitos que surgiram em sua família porque ela tem duas tradições muitos diferentes. A imprensa também tem sido receptiva e a discussão na internet tem sido intensa. Quase todos os iranianos da cidade passaram aqui para dizer que estão tristes porque vamos servir comida de outro país. Afora isso, as pessoas estão animadas com o fato de servirmos comida iraniana e dão sugestões sobre os próximos países, sejam eles Afeganistão, Coreia do Norte ou Venezuela. A programação de eventos, incluindo o primeiro, um jantar ao vivo com Teerã via videoconferência nos dá uma audiência maior e, penso, uma conversa mais profunda. 

"É fácil esquecer que existe um povo e uma cultura por trás de todos os conflitos governamentais. Quando essa conexão pessoal se perde, as coisas ficam perigosas."

Sobre o que se falou no jantar?
Durante a programação dos eventos ao vivo com Teerã, a conversa foi dos temas mais políticos aos mais culturais. Me lembro de jovens de Pittsburgh e Teerã discutindo rock, namoro e procurar emprego depois da faculdade. Essas foram as mais interessantes, já que 70% da população do Irã tem menos de 30 anos. As pessoas perguntaram como os iranianos lidam com as restrições do governo. Para as pessoas em Teerã, isso não era uma questão. Por exemplo, apesar do álcool ser ilegal, muitas pessoas bebem em casa e compram semanalmente. Para os jovens, isso é parte de seu dia-a-dia. Com outras restrições não é tão simples. Claro que não se trata de achar respostas, mas de colocar novas questões e ter mais entendimento da complexidade de cada assunto.

Vocês foram criticados?
Claro, já que estamos abertos ao diálogo público. Algumas pessoas e grupos escolheram criticar o projeto, talvez por causa de equívocos sobre o que pretendemos ou por não partilharem de nossos interesses.

O Conflict Kitchen é um projeto artístico ou de ativismo?
Como somos artistas, isso é parte da nossa prática. Não somos ativistas, mas, talvez, sejamos “ativadores”. Não queremos promover uma mensagem ou mudança. Estamos simplesmente querendo começar uma conversa, uma que possa ser um pouco mais pessoal, que seja uma troca, seja sobre política, cultura ou o dia-a-dia. O projeto foi feito para conectar geograficamente e psicologicamente cidadãos globais distantes através da conversa em um nível mais pessoal.

As pessoas gostaram da comida?
Como é o único restaurante persa da cidade, a maioria dos iranianos ficou animada com isso. Eu diria que, como um todo, a comunidade iraniana gosta bastante da comida. Pessoas vem para pegar dez sanduíches para a família ou retornam toda semana. Mas a comida é só o começo. Muitos desses cidadãos estão se identificando orgulhosos como iranianos. Acho que isso demonstra o apoio que tem o projeto. Essas identificações levaram a conversas interessantes e até ofertas de voluntariado para nossa cozinha. Uma mulher iraniana se ofereceu para trazer baklava caseira para que púdessemos vender. Nosso evento culminante em outubro está sendo feito com ajuda do colegiado iraniano da universidade de Pittsburgh e Carnegie Mellon. O primeiro dia da cultura iraniana vai tentar conectar os cidadãos da cidade com a comunidade iraniana através de eventos no fim de semana.

Existe a ideia de contemplar mais países?
O projeto está financiado por apenas um ano, então talvez só consigamos trabalhar com Afeganistão e Coreia do Norte. Estamos procurando por mais patrocínio, porque o governo dos EUA certamente tem uma lista longa de países com quem ele quer entrar em conflito.

Vai lá: www.kubidehkitchen.com

fechar