Em meio à guerra entre o spray e a tinta cinza, documentário sugere novos olhares para a discussão em torno do pixo e do grafite em São Paulo
O ano de 2017 mal havia começado e todos os holofotes se voltaram para os pixadores* e grafiteiros de São Paulo. Se antes muitos desses registros em muros e construções já estavam quase passando despercebidos, as intervenções do prefeito João Dória com o projeto "Cidade Linda" rapidamente dividiram e inflamaram opiniões sobre o assunto. É em meio a todo esse frisson que chegou aos cinemas, nesta semana, o documentário Olhar instigado.
“O significado da cidade não está na arquitetura, está nas pessoas e em como elas usam essa arquitetura”
Fala de Alexandre Orion em "Olhar Instigado"
Dirigido por Chico Gomes e Felipe Lion, o trabalho busca ressignificar a vivência na cidade de São Paulo e discutir a ocupação do espaço público sob a ótica do pixo e do grafite. Para isso, os diretores acompanharam os artistas Alexandre Orion, André Monteiro (o “Pato”) e Bruno Locuras durante um ano. “Depois de uma pesquisa bem grande, chegamos nesses três por conta do trabalho de cada um e pelo tipo de cidade que cada um vivia. O Pato, por exemplo, é um artista que vaga muito pela cidade, por isso focamos no universo que ele vivia. Já o Orion, foi mais o processo de criação e desenvolvimento da obra, enquanto o Bruno a gente acabou escolhendo o lado pessoal, a família e tudo mais”, contou Chico.
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O trabalho, que veio muito antes de toda a polêmica com o prefeito, é fruto de um trabalho de conclusão de curso desenvolvido por Chico e Felipe nos tempos da faculdade de Rádio e TV, na Faap, ainda em 2011. "A gente queria ampliar essa discussão, e o documentário foi se transformando depois que a gente se formou." As filmagens incluíram saídas de madrugada, problemas com a polícia e até alguns "corres", como mostra passagens do documentário que filmam atos de pixação. À Trip, Chico fala um pouco mais sobre a experiência com o documentário.
Como veio esse tema? Por que falar sobre os pixadores e grafiteiros? A gente escolheu falar de São Paulo através de artistas de rua porque eles têm um olhar e uma vontade a mais que o resto da sociedade pra falar alguma coisa. Nós entendemos que é possível viver a cidade de várias maneiras, e esses três cara escolheram viver de uma maneira bem interessante.
“Eu ocupo a cidade desse jeito. Ela é minha, é sua. Cada um escolhe ocupar de um jeito, eu escolhi assim”
Fala de Bruno Locuras em "Olhar Instigado"
Você e o Felipe pixam? Não. Eu, quando moleque, cheguei a conhecer o universo, mas nunca fui um pixador de fato como é o Bruno [Locuras]. Ele faz disso a própria vida, e é uma coisa muito séria. É realmente protesto em relação à vida que ele leva na cidade.
Apesar de um ser muito diferente do outro, esses três artistas possuem em comum uma relação bem intensa com São Paulo. Mas e vocês, o que veem na cidade quando o assunto é esse? A pixação é uma coisa original e única de São Paulo. Nos Estados Unidos tem as tags e tudo mais, mas a pixação do jeito que a gente faz aqui, não. O pixo nasceu aqui. Não tem como você falar da arte de rua de São Paulo sem citar a pixação.
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O que vocês acharam de toda a movimentação ocorrida com o "Cidade Linda"? A proibição sempre existiu e sempre vai existir, até porque a ideia disso tudo é a transgressão mesmo. A bandeira que ele levantou no primeiro dia de mandato, querendo ou não, está instigando ainda mais os pixadores, os grafiteiros e todo mundo que faz alguma coisa do movimento na rua a querer lutar por isso.
O documentário ganha uma força maior por ser lançado nesse contexto? Acho que ele vira um elemento novo para a discussão. A gente fez esse documentário porque achava que era algo a ser discutido e até já tínhamos a estreia programada para março desde o ano passado, e aí por acaso foi levantada essa discussão e agora a coisa tá borbulhando. Mas também de maneira nenhuma a gente quer que isso vire uma bandeira contra ou a favor. Queremos ver cada um tirando suas próprias conclusões.
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Créditos
Imagem principal: Divulgação
Embora a grafia "picho", com "ch", seja a gramaticalmente aceita, os artistas de rua preferem a troca do "ch" pelo "x" pelo seu valor transgressor. Trip acatou o pedido do diretor, Chico Gomes, para que as palavras relacionadas ao picho fossem escritas dessa maneira na matéria.