Pedro Gabriel, autor de “Eu me chamo Antônio”, acredita que a superfície do papel pode revelar a profundeza de toda criação
Com mais de 1,5 milhão de seguidores nas redes sociais, o projeto Eu me chamo Antônio apresenta pequenos versos e histórias em simples guardanapos de papel. Pedro Gabriel é o autor da obra e alter ego de Antônio, que usa da poesia para despejar todas as ideias que existem dentro de si: do amor à desilusão, e da alegria à ironia. Por entre bares e cafés, Pedro criou mais de 2 mil guardanapos até agora. O projeto ganhou livro, e alcançou, em 2014, a segunda colocação de vendas na lista de autores nacionais. Com a marca de 200 mil livros físicos vendidos, o autor prova que as redes sociais são importantes para espalhar as pequenas poesias, mas o papel tem lugar garantido para os que apreciam a escrita.
Nascido no Chade, um país no centro-norte da África, Pedro foi alfabetizado em francês. Aos 5 anos se mudou para as ilhas de Cabo Verde com seus pais e depois de passar a infância rodeado dessa cultura, desembarcou no Brasil aos 12 anos. Quem lê seus escritos mal pode imaginar que o autor só começou a falar português com frequência aos 13. ”Eu costumo dizer que esse período longe da minha língua materna acabou me aproximando do português. Eu tive que prestar mais atenção na grafia e na sonoridade das palavras. Nas minhas criações há muita brincadeira com a definição das palavras. É como se cada guardanapo fosse uma dívida que eu estivesse pagando com a língua portuguesa”, conta.
Para ele, o papel foi fundamental em seu processo de aprendizado, quando desenhar era a maneira mais eficaz de transmitir ao mundo suas ideias. “O desenho é uma forma de comunicação universal. Uma folha em branco não tem idioma. É poliglota. Ela recebe a linguagem da imaginação”, diz Pedro. O autor nutre uma relação íntima com seus escritos, como se pudessem guardar os momentos mais importantes de sua vida. “Meus guardanapos são como uma espécie de fotografia de momentos que vivenciei ou que gostaria de ter vivenciado quando era menino. Eu mato essa saudade dando vida às minhas criações”, reflete.
Leia abaixo entrevista com Pedro.
Como o papel influencia a sua criação?
Eu tenho paixão pelo papel em branco, por esse espaço vazio à espera de uma ideia ainda embrionária na mente do artista. Tudo o que eu faço tem início no papel. Tenho o costume de sempre andar com um caderno no bolso. Ah, e eu gosto de guardar no bolso da camisa, como se, de alguma maneira, aquelas páginas pudessem escutar meu coração e entender minha sensibilidade. Também coleciono cadernos, cada um com uma textura de papel diferente. Acho que a textura influencia também no resultado da arte. Talvez palavras mais duras precisem de um papel mais macio. Talvez a folha mais fina, quase transparente, faça enxergar outras possibilidades de escrita. Talvez as páginas pautadas deem uma direção mais precisa às nossas ideias. Quando saio de casa sem um desses cadernos, a sensação é que eu tenho é de ter esquecido um pedaço de mim: o papel é a extensão do corpo, uma espécie de alma para quem ama desenhar e escrever.
Você começou o projeto Eu me chamo Antônio escrevendo em simples guardanapos de papel. Por que não digitando, por exemplo, em redes sociais?
O primeiro guardanapo que eu me lembro de ter tido a sensação de que era aquilo que me fazia bem, que fazia sentido, que me motivava a querer dizer algo, nasceu no final de 2012. Eu tinha o hábito de sempre andar com um caderninho de bolso pra lá e pra cá, mas naquele dia eu esqueci o tal caderno em casa e as ideias estavam pulsando na minha cabeça. Eu precisava anotá-las em algum lugar. O jeito foi parar no balcão de um café, pegar uma pilha de guardanapos em branco e começar a rabiscar coisas de forma espontânea, sem nenhuma pretensão. Meu trabalho não envolve unicamente a escrita, ele é um casamento da palavra e da imagem. Não tenho dúvida de que o fato de usar um suporte físico (o guardanapo) para me comunicar numa rede digital (a internet) ajuda a criar uma identificação mais forte com meus seguidores. Eles se conectam com o conteúdo, não com a plataforma.
“O papel é o primeiro destino de uma ideia assim que ela sai da cabeça do artista”
Você acha que o papel te dá mais liberdade para, além de escrever, expressar com formas e símbolos, ou desenhos, a ideia da escrita?
Sem dúvida. O papel é o primeiro destino de uma ideia assim que ela sai da cabeça do artista. É onde a ideia ganha contornos, sentidos. Acho que tudo fica mais solto, mais livre, durante o esboço. É mais orgânico, menos mecânico. Logo, mais humano!
O papel acompanha a sua linha de raciocínio de uma maneira mais eficaz do que os teclados, por exemplo?
Eu só uso o computador para escrever textos maiores ou desenvolver uma ideia que exija mais clareza, como contratos e outros documentos burocráticos. Tudo o que é racional, eu teclo. Tudo o que é espontâneo, eu escrevo. A caligrafia é a nossa personalidade. O que a gente é está naquelas letras manuscritas. É uma forma sensível de se conhecer melhor. A superfície do papel revela a profundeza da nossa alma.
Você guarda seus escritos antigos? Existe uma relação de carinho e de memória com esses registros no papel?
Até hoje guardo pastas de desenhos da época do colégio, cadernos da época da faculdade, letras de músicas que nunca serão terminadas. Eu tenho todos os meus guardanapos originais guardados. Michele (minha esposa), organizou tudo. Antes, eu guardava tudo dentro de livros. O que era bom também. Deixava um guardanapo dentro do Sentimento do Mundo, do Drummond. Ou dentro das crônicas do Rubem Braga. Ou ainda numa coletânea do Manoel de Barros. Michele teve a ideia de comprar 5 álbuns com capacidade para 400 fotos cada. E acho que ela não poderia ter escolhido melhor proteção para as minhas pequenas criações. Afinal, acredito que cada um desses guardanapos são formas de externar minha sensibilidade, minha histórias.
Créditos
Texto: Camila Eiroa