Nem toda diferença cultural deve ser respeitada, como prova o caso da garota somali de 13 anos apedrejada até a morte em um estádio lotado pelo ”crime” de ter sido estuprada
Por André Caramuru Aubert*
Aisha Duhulow, de 13 anos, foi executada no dia 27 de outubro de 2008, por apedrejamento, num estádio lotado na cidade Kismayo, na Somália. O crime da menina foi ter sido estuprada por três homens, dos quais nenhum foi preso. As pessoas que lotaram o estádio estavam tão animadas como numa final de futebol. O ritual de imposição da pena foi interrompido por três vezes, quando enfermeiras foram até a menina e, atestando que ainda estava viva, avalizaram o prosseguimento.
Dá preguiça argumentar contra preconceito, racismo, fanatismo religioso ou político. Você já discutiu com burro? Com quem não consegue usar a razão, pensa de maneira incompreensível e nem sequer considera qualquer argumento que questione alguma fé preexistente? Você pode bater e bater, e o outro continua com o olhar vidrado, opaco, blindado pelas pétreas certezas que só os idiotas têm. Na verdade, tende-se a complicar coisas que são muito simples: preconceito, racismo e fanatismo são, antes de mais nada, burrice. E a idéia de diversidade é tão obviamente positiva que parece prescindir de discussão. Mas onde se encaixaria o apedrejamento de Aisha? Não poderíamos, no limite, dizer que se trata de um traço tradicional de outra cultura e que, como tal, merece ser respeitado? Não.
DEDO NA FERIDA
Não dá pra cair no simplismo do lado de lá, de acreditar que todo índio é ecológico, que cada assentado do MST é a solução encarnada da política fundiária, que qualquer forma de ver o mundo deve ser respeitada. Execuções como a de Aisha são comuns em muitos países muçulmanos, previstas pelas leis e aceitas pela sociedade. O tema foi discutido de forma defi nitiva pela militante dos direitos humanos somali Ayaan Hirsi Ali na autobiografi a Infiel. Refugiada na Holanda, vivendo escondida, ela foi condenada à morte por clérigos radicais islâmicos e tem sobrevivido com a ajuda dos serviços secretos ocidentais (ao contrário de seu ex-parceiro, o cineasta Theo van Gogh, decapitado por um fanático numa manhã de novembro de 2004, na rua, em pleno centro de Amsterdã).
Ayaan pôs o dedo na ferida e questionou, de alto a baixo, todas as verdades que foram ensinadas a ela desde que nasceu: da circuncisão clitoriana (da qual ela mesma foi vítima quando criança, por obra da avó, relatada numa das passagens mais fortes do livro) à divindade de Maomé. É por tudo isso que sua vida, hoje, depende basicamente da sorte e da competência de seus guarda-costas. A conclusão mais importante a que Ayaan chega, no entanto, é que a diversidade é essencial, mas que alguns valores são universais e devem ser assim encarados. São os valores que vêm principalmente do Iluminismo e que preconizam os direitos humanos básicos.
Ou seja, não se pode relativizar tudo. Não se pode dar direitos políticos a quem não aceita o direito político do outro. Não se pode disputar eleições com quem defende a ditadura. Não se pode conviver democraticamente com quem quer exterminar quem pensa diferente. Ainda que, em se tratando de uma democracia, essas pessoas devessem ser ouvidas. Os alemães um dia pensaram assim e elegeram Adolf. Em resumo: as conquistas da tradição democrática ocidental não devem ser postas em xeque. Verdade, não é fácil encontrar o equilíbrio, pois basta um escorregão e cai-se no velho truque missionário, que começou com os cruzados, alimentou portugueses, espanhóis e ingleses e teve o mais recente exemplo na invasão do Iraque pela Cavalaria.
Onde está o equilíbrio? Pode ser difícil responder, mas o ponto é que nem toda cultura merece ser respeitada. Quem considera normal a morte por apedrejamento de uma menina de 13 anos vive num planeta do qual não faz parte quem é normal. Simples. Viva a diversidade! Abaixo a diversidade!
*André Caramuru Aubert, 47, é historiador e trabalha com tecnologia. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br
Aisha Duhulow, de 13 anos, foi executada no dia 27 de outubro de 2008, por apedrejamento, num estádio lotado na cidade Kismayo, na Somália. O crime da menina foi ter sido estuprada por três homens, dos quais nenhum foi preso. As pessoas que lotaram o estádio estavam tão animadas como numa final de futebol. O ritual de imposição da pena foi interrompido por três vezes, quando enfermeiras foram até a menina e, atestando que ainda estava viva, avalizaram o prosseguimento.
Dá preguiça argumentar contra preconceito, racismo, fanatismo religioso ou político. Você já discutiu com burro? Com quem não consegue usar a razão, pensa de maneira incompreensível e nem sequer considera qualquer argumento que questione alguma fé preexistente? Você pode bater e bater, e o outro continua com o olhar vidrado, opaco, blindado pelas pétreas certezas que só os idiotas têm. Na verdade, tende-se a complicar coisas que são muito simples: preconceito, racismo e fanatismo são, antes de mais nada, burrice. E a idéia de diversidade é tão obviamente positiva que parece prescindir de discussão. Mas onde se encaixaria o apedrejamento de Aisha? Não poderíamos, no limite, dizer que se trata de um traço tradicional de outra cultura e que, como tal, merece ser respeitado? Não.
DEDO NA FERIDA
Não dá pra cair no simplismo do lado de lá, de acreditar que todo índio é ecológico, que cada assentado do MST é a solução encarnada da política fundiária, que qualquer forma de ver o mundo deve ser respeitada. Execuções como a de Aisha são comuns em muitos países muçulmanos, previstas pelas leis e aceitas pela sociedade. O tema foi discutido de forma defi nitiva pela militante dos direitos humanos somali Ayaan Hirsi Ali na autobiografi a Infiel. Refugiada na Holanda, vivendo escondida, ela foi condenada à morte por clérigos radicais islâmicos e tem sobrevivido com a ajuda dos serviços secretos ocidentais (ao contrário de seu ex-parceiro, o cineasta Theo van Gogh, decapitado por um fanático numa manhã de novembro de 2004, na rua, em pleno centro de Amsterdã).
Ayaan pôs o dedo na ferida e questionou, de alto a baixo, todas as verdades que foram ensinadas a ela desde que nasceu: da circuncisão clitoriana (da qual ela mesma foi vítima quando criança, por obra da avó, relatada numa das passagens mais fortes do livro) à divindade de Maomé. É por tudo isso que sua vida, hoje, depende basicamente da sorte e da competência de seus guarda-costas. A conclusão mais importante a que Ayaan chega, no entanto, é que a diversidade é essencial, mas que alguns valores são universais e devem ser assim encarados. São os valores que vêm principalmente do Iluminismo e que preconizam os direitos humanos básicos.
Ou seja, não se pode relativizar tudo. Não se pode dar direitos políticos a quem não aceita o direito político do outro. Não se pode disputar eleições com quem defende a ditadura. Não se pode conviver democraticamente com quem quer exterminar quem pensa diferente. Ainda que, em se tratando de uma democracia, essas pessoas devessem ser ouvidas. Os alemães um dia pensaram assim e elegeram Adolf. Em resumo: as conquistas da tradição democrática ocidental não devem ser postas em xeque. Verdade, não é fácil encontrar o equilíbrio, pois basta um escorregão e cai-se no velho truque missionário, que começou com os cruzados, alimentou portugueses, espanhóis e ingleses e teve o mais recente exemplo na invasão do Iraque pela Cavalaria.
Onde está o equilíbrio? Pode ser difícil responder, mas o ponto é que nem toda cultura merece ser respeitada. Quem considera normal a morte por apedrejamento de uma menina de 13 anos vive num planeta do qual não faz parte quem é normal. Simples. Viva a diversidade! Abaixo a diversidade!
*André Caramuru Aubert, 47, é historiador e trabalha com tecnologia. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br