O vício do ponto de vista institucional é muito pior que do ponto de vista humano
Quem enfrenta um vício lida com muitas questões. A mais difícil é ter de organizar a vida em torno do próprio vício. Isso demanda tempo e esforço para satisfazer a compulsão, o que traz diferentes tipos de perda: de ideias, do convívio com amigos e familiares, da saúde, de projetos ou do bem-estar, físico ou psicológico.
Se do ponto de vista humano o vício pode provocar grandes ou pequenas tragédias, do ponto de vista institucional a questão é muito pior. Não só pessoas se “viciam”, mas também instituições. Esse é o tema do novo livro de Lawrence Lessig, professor de Harvard, chamado Republic Lost: how money corrupts Congress and a plan to stop it (República perdida: como o dinheiro corrompe o Congresso e um plano para acabar com isso).
A tese central é de que a política americana está “viciada” em dinheiro. Como as campanhas dependem de financiamento privado (e só se elege quem tem dinheiro), há um efeito nefasto: os deputados e deputadas, uma vez eleitos, dedicam de 30% a 80% do seu tempo no Congresso atendendo aos interesses de quem os financiou. Em outras palavras, passam o mandato garantindo condições para continuar a receber dinheiro e ser reeleitos na eleição seguinte.
Como o vício, isso provoca desvios. Um exemplo dramático: em novembro de 2011 o Congresso dos EUA decidiu que pizza deve ser considerada “vegetal”. Com isso, a merenda escolar (que é subsidiada e exige um percentual de vegetais) passou a permitir a inclusão da pizza nessa categoria. Isso não aconteceu por conta de uma epidemia de insanidade, mas sim porque os lobistas da indústria de alimentos congelados acionaram “seus” deputados, que chegaram a essa brilhante conclusão, transformada em lei.
Lessig chama isso de corrupção. É um tipo diferente da a que estamos acostumados no Brasil, com imagens de dinheiro enfiado na cueca. Essa é uma corrupção institucional. Seus efeitos são tão ou mais nocivos do que a corrupção individual. Com ela, o Congresso dos EUA isolou-se da sociedade americana: as decisões não são mais tomadas em nome do “interesse público”, mas sim por conta de “interesses especiais” que dominam o legislativo. Mesmo regras de transparência que obrigam a revelar de onde vem o dinheiro da campanha têm pouca influência em melhorar o problema.
Voucher pré-eleitoral
Há diversas propostas para lidar com a questão. Entre elas, o financiamento público de campanha e a proibição do recebimento de recursos privados. No Brasil, é uma discussão que entrou na pauta do debate sobre a reforma política. Mas a conversa andou pouco até agora. Outra ideia é conjugar o financiamento público com um “voucher” pré-eleitoral. Cada eleitor receberia o direito de alocar R$ 50 de um fundo público para um partido ou candidato de sua preferência. Os vouchers só poderiam ser usados por candidatos que optassem por eles, comprometendo-se assim a não aceitar nenhum outro tipo de financiamento de campanha.
São ideias ousadas (e controversas) para lidar com um problema essencial, que em última análise põe em xeque a ideia de democracia tanto nos EUA quanto no Brasil. Afinal, transformar coisas em pizza é algo que sabemos fazer há um bom tempo.
*Ronaldo Lemos, 34, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br